sábado, 23 de dezembro de 2017

A venda da Embraer e o Brasil colônia

Por Clovis Nascimento, na revista CartaCapital:

Foi anunciada pelo jornal The Wall Street Journal, a possível venda da Embraer para a norte-americana Boeing. A Embraer é a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo e a única fabricante brasileira de aviões, perdendo para a própria Boeing. Isso significa que o interesse da Boeing nessa negociação é acabar com a concorrência da Embraer, colocando-se como líder no mercado, além de se apropriar de todo o acúmulo tecnológico e científico brasileiro.

Embora seja uma empresa privatizada, existe um mecanismo chamado “golden share”, que possibilita poder de veto ao governo federal em decisões estratégicas, como em negociações de vendas e fusões da empresa, mesmo sem ter o controle acionário. No dia 19 de julho de 2017, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, consultou, no entanto, o Tribunal de Contas da União sobre a possibilidade de abrir mão da “golden share” da Embraer, da Vale e do IRB.

Dos cerca de milhares de trabalhadores, existem engenheiros dedicados à formulação de ações e produção de tecnologia e inovação. A empresa estimula centros de formulação de engenharia, criando projetos de alto padrão tecnológico.

As justificativas para a venda da Embraer vão desde a criação de empregos ao estímulo à economia. Mas vamos aos reais fatos. Sabemos que a geração de empregos de qualidade acontece com o estímulo à indústria e às empresas nacionais. Os EUA, por exemplo, fecham empresas em outros países, como o México, para instalá-las no próprio país. Donald Trump centra a sua política econômica para dentro do empresariado e do capital norte-americano, e que também aponta para uma política imperialista xenofóbica de extrema dominação em relação a outras nações, sem qualquer relação de cooperação.

Portanto, a venda da Embraer para a Boeing irá favorecer apenas os empresários norte-americanos, que utilizarão o capital simbólico, tecnológico e científico para dar maior robustez ao seu próprio parque de indústria aeronáutica e de defesa. É preciso lembrar que a Embraer, no Brasil, também é responsável por projetos de defesa nacional e, para os EUA, será utilizada como instrumento de fortalecimento bélico. Transferir o controle acionário para as mãos do capital norte-americano significará transferir as nossas estratégias de defesa e a nossa soberania nacional.

Sobre o estímulo à economia, podemos afirmar que se trata de uma falácia. Os gatilhos de melhora e de avanço econômico vieram, principalmente, de investimentos públicos e obras de infraestrutura. Em um momento de tensão econômica e profundo desemprego, a alternativa deveria perpassar por um modelo de Estado robusto, com a nacionalização da Embraer como saída da atual crise, para geração de emprego e renda, estímulo ao mercado interno e à produção de ciência e tecnologia e em defesa da soberania, fortalecendo uma política de defesa nacional.

Obviamente, os meios de comunicação aceleram notícias sobre a alta das ações da Embraer no mercado financeiro, criando um ambiente favorável. É preciso enfatizar que o mercado age de acordo com os interesses dos bancos e do capital estrangeiro, que colocam países como Brasil numa posição de subserviência, de colônia.

Em uma conjuntura de pressão pela aprovação da reforma da Previdência, de eleição presidencial e de extrema rejeição da população ao atual programa em curso, o governo federal lança cartadas como estratégia de afirmação no mercado financeiro, entre elas o anúncio da privatização da Eletrobrás, o balão de ensaio sobre a venda da Embraer, o desmonte da Embrapa, o sucateamento das universidades públicas e o enxugamento do orçamento para áreas fundamentais como ciência e tecnologia.

Embora Temer tenha negado, no dia seguinte, a transferência do controle da Embraer, sabemos que na política anúncios confirmam negociações. Mais do que estarmos atentos, é preciso que toda a sociedade se mobilize para uma ampla resistência em defesa da democracia e da soberania nacional.

* Clovis Nascimento é engenheiro civil e sanitarista, presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), da coordenação do projeto SOS Brasil Soberano e engenheiro da Cedae há 45 anos.

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