Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:
A classe média, tola como é, acha que a precarização do trabalho vai atingir apenas os “inferiores” – faxineiras, vendedores, a turma sem qualificação – faria bem em ler a entrevista do sociólogo Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo, na Folha deste domingo.
Ele antecipa o que, no jornalismo, já sabemos que vem crescendo, a precarização do trabalho: não temos mais emprego, mas apenas trabalho sem direitos, em troca do benefício “imediato” de ser “pessoa jurídica”.
O que nos faz de um momento para outro, não ser sequer “pessoa”, mas lixo atirado à rua.
Leia um trecho:
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‘Precariado’ tende a se alastrar no Brasil como nunca antes, diz sociólogo
Ruy Braga, em entrevista a Fernanda Perrin, na Folha
O aumento da flexibilidade do emprego parece gerar uma tensão entre ganho de autonomia e perda de estabilidade. Como isso deve afetar o trabalhador?
O código de trabalho é uma espécie de armistício entre as partes, porque você define ali os limites de consumo de uma mercadoria muito especial, que é o seu trabalho. Se você não tem esses limites, você vai ter uma situação explosiva no país. Do ponto de vista do trabalhador é bom ter limites, mas como ocorre agora com a nova CLT o que você vai ter vai ser esse modelo: o garçom entra às 7h, faz uma jornada na parte da manhã, fica a tarde sem fazer nada e depois volta à noite para terminar.
Como regular a chamada “gig economy”, ligada a plataformas online, que ao mesmo tempo em que gera empregos, não garante cobertura trabalhista?
O exemplo típico [da gig economy] é o Uber, é o que talvez melhor expresse essas novas tendências na economia de compartilhamento. Em Londres e São Francisco hoje existe uma legislação específica para regular o trabalho do motorista de Uber. A mesma discussão está sendo levada adiante em Nova York. São cidades de países desenvolvidos com economias bastante modernas, que já começaram a rever essa liberdade total que é você ter um trabalhador que é dependente de uma empresa multinacional do setor de tecnologia, mas que na aparência ele está trabalhando para si próprio. Isso é uma falácia, porque ele depende dessa empresa.
A questão é como proteger o trabalhador dessas tendências que são deletérias. De fato, a tecnologia permite que você trabalhe 24 horas por dia. Mas isso é aceitável socialmente, é desejável? Esse é o problema que vivemos. É claro que a tecnologia permite várias coisas, a questão é o que vamos fazer como sociedade com esses horizontes. Precisamos definir o que é aceitável ou não.
A reforma trabalhista buscou adaptar uma legislação dos anos 1940 às novas tendências econômicas. Ela foi bem sucedida?
É uma falácia dizer que a CLT é dos anos 1940. Um estudo muito minucioso feito pela USP demonstrou que dos mais de cem artigos alterados, nenhum deles datava da década de 1940. A CLT foi passando ao longo das décadas por constantes revisões e alterações. O que a reforma fez foi uma desestruturação daquilo que estava mais ou menos pacificado no direito com aumento da insegurança jurídica, porque eles alteraram tanto a CLT em itens tão importantes, que isso entra em contradição até com a Constituição. Isso vai criar uma série de disputas, o que não é bom para o trabalhador e nem para o empregador.
O que você chama de “precariado”, hoje ainda mais ou menos restrito à base da pirâmide do mercado de trabalho, tende a se alastrar para as outras ocupações?
Não tenho dúvida. Basta você ver a questão da ‘pejotização’. Até recentemente, você tinha duas grandes tendências de precarização: o trabalho subalterno, que ganha até 1,5 salário mínimo, exercido por famílias de baixa renda vivendo em bairros mais periféricos, e a outra é o PJ [pessoa jurídica], exercido por setores profissionais, pessoas que foram para a universidade, que falam várias línguas e são qualificadas. Hoje ele tende a se alastrar como nunca antes.
Essa multiplicação aponta para uma tendência de polarização nesses setores profissionais onde você encontra as classes médias: publicidade, jornalismo, arquitetura, professores universitários. Você também tem isso na área de saúde, como no caso de enfermeiros e psicólogos. A tendência de ‘pejotização’ afasta essas pessoas da aposentadoria, dos direitos trabalhistas e sociais em benefício de uma renda insegura e jornadas muito longas.
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