O que chamamos de narrativa golpista é o processo de construção de notícias, simbolicamente estruturadas para veicularem valores e crenças sob o formato de informações. O padrão narrativo fruto desse processo foi central para legitimar o golpe parlamentar de 2016 e, de forma mais ampla, o processo da contrarrevolução neoliberal em curso. Essa narrativa foi imprescindível e poderosa porque formou as condições de um poder comunicativo – que envolve potência comunicativa, potência persuasiva e potência orgânica – vitorioso em 2016, como procuraram demonstrar os artigos anteriores desta série.
Em 2017, essa narrativa que alicerçou o golpe entra em crise. No choque com a realidade imediata, que se deteriora de maneira veloz e inequívoca, ela não consegue mais projetar um cenário. Neste terceiro ensaio,pretende-se captar algumas evidências desta crise e o seu caráter em movimento, isto é, em sua tentativa de legitimar o processo de condenação de Lula e sua interdição como candidato a presidente nas eleições de 2018. O seguinte roteiro nos ajuda a visualizar e compreender o desenrolar desse processo:
1. A narrativa entra em crise no choque com a realidade e a partir de um fortalecimento de outras mídias (ainda que tímido, há esse fortalecimento que vem com um posicionamento fortemente crítico)
2. Há uma tentativa de rearranjo quando essa narrativa captura o repertório corrupção e o coloca como uma névoa a embaçar todo o sistema político – é o momento em que lideranças golpistas entram nesse repertório (como Aécio e Temer), não mais somente o PT. Isso pode ser considerado uma estratégia de recuperação de credibilidade – “falamos de todos, mostramos as mazelas de todos”.
3. Recuperada a potência comunicativa, é o momento de colocar um novo filtro na narrativa, que é a projeção de um inimigo comum: Lula, que se beneficia da corrupção.
As evidências da crise
É possível captar, pelo menos, oito indicadores da crise da narrativa golpista. O primeiro deles é o grau de impopularidade e ausência de legitimidade do governo Temer. É razoável supor que fazia parte da estratégia golpista se aproveitar do governo Temer para cumprir sua agenda destrutiva dos direitos: decerto, não estava em seus planos tornar Temer um governo popular. Em geral, governos neoliberais não são populares, e quando se mantêm no poder, isso se dá por razões inerciais, por sua capacidade de destruir ou minar a credibilidade de alternativas. Mas a velocidade do desgaste do governo Temer foi impressionantemente rápida, atingindo patamares recordes na história política brasileira e colocando grandes dificuldades para a mídia corporativa que sustentou o golpe, em especial a Rede Globo, impondo a necessidade de um rearranjo e de um reordenamento para salvar a narrativa. No discurso de informação, as relações de poder que o moldam e o conformam não são claras e sempre se ocultam sob o véu de imparcialidade. Na construção de uma narrativa midiática, cujo objetivo é a disputa de poder, a pretensa imparcialidade ser ameaçada – como ocorre com a Globo no momento em que o Governo Temer se mostra deteriorado e extremamente impopular, atolado na corrupção que foi exatamente o repertório usado para criminalizar os governos petistas – é perigoso e pode ser fatal.
Se o governo Temer nunca teve um índice maior do que 15% de ótimo/bom, ele ainda se beneficiava, nos primeiros meses de afastamento de Dilma, de algo em torno de quase 40% de regular, um sentimento expectante de que a situação do país em termos econômicos ou de combate à corrupção entraria nos eixos. Mas, já antes da denúncia casada Aécio/Temer, operada pela Rede Globo junto com o ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, na primeira quinzena de maio de 2017, a impopularidade de Temer já estava em franco e acelerado processo de crescimento. Ao final de abril, segundo o Datafolha, 61% já o consideravam ruim/péssimo, e apenas 28% o consideravam regular. De dezembro de 2016 a abril de 2017, a rejeição a Temer havia crescido de 45% para 64%. Retomar essa periodização é importante exatamente porque o reposicionamento da Rede Globo em relação a Temer é uma tentativa de salvar a narrativa golpista, resgatando e reconstruindo sua legitimidade. Isso não está na origem da impopularidade de Temer e nem em seu registro majoritário, é claramente uma reposição visando resgatar a credibilidade. A narrativa golpista, com estratégias discursivas muito bem delineadas, construiu e projetou um simulacro sustentador do golpe, aliando corrupção e crise e vinculando esses repertórios a um grupo político – e o simulacro dava conta de que, eliminado esse grupo e seus vestígios na cena política, uma nova realidade iria emergir no horizonte verde amarelo.
Portanto, o grau de corrosão do governo Temer, mergulhado exatamente naquilo que a narrativa elegeu como inaceitável, colocou um dilema insuperável para a mídia corporativa: não era mais possível apoiar o governo Temer, tampouco se desfazer dele, em função da aplicação do programa golpista e da maioria parlamentar que ele ainda é capaz de organizar. A solução vislumbrada pela Rede Globo, e também pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, foi tomar uma distância aparente do governo Temer, mas de fato apoiá-lo em suas ações,o que se mostrou completamente inconvincente! Era preciso, então, resgatar a base de sustentação da narrativa, o repertório da corrupção, e fazê-lo avançar.
O segundo indicador da crise da narrativa golpista é o fato de, algum tempo após o impeachment, a clara maioria dos brasileiros preferir o governo Dilma ao governo Temer. Apesar do tratamento dado pela mídia corporativa ao governo Dilma Rousseff, a pesquisa Ibope, divulgada pela CNI em setembro de 2017, mostrava que 59% dos consultados já consideravam o governo Dilma melhor que o governo Temer. De acordo com o Datafolha de início de dezembro de 2017, 62% consideravam o governo Dilma melhor, e apenas 13% preferiam o governo Temer .
O terceiro indicador da perda de poder de convencimento da narrativa golpista está no desgaste das principais lideranças políticas nacionais que participaram na linha de frente da direção política do processo golpista. Sem falar em Aécio Neves, um dos líderes da rejeição nacional, a rejeição a Alckmin, o candidato hoje preferencial do PSDB, é de 72%, a mesma de João Dória, que chegou, por um breve período, a experimentar suas chances de se tornar um candidato da coalizão política golpista à presidência do Brasil. Para quem estuda desde a origem o PSDB, este é certamente o momento mais expressivo do desgaste nacional de suas principais lideranças políticas.
O quarto indicador do desgaste da narrativa golpista está na impopularidade de seu programa. Já em abril de 2017, a chamada reforma da Previdência experimentava uma rejeição de 71% dos brasileiros, segundo o Datafolha, apesar de toda a propaganda oficial. Em 26 de dezembro, o mesmo instituto de pesquisa registrava uma rejeição de 70% dos brasileiros à privatização das empresas públicas.
O quinto indicador da crise da narrativa golpista está na perda de legitimação dos operadores da Lava Jato e do STF, que se envolveram profundamente na fabricação e legitimação do golpe. Já em setembro de 2017, segundo o Instituto Ipsos, o juiz Moro acumulava uma desaprovação de 45 % e em crescimento. A mesma pesquisa indicava um crescimento da rejeição à presidenta do STF, Carmen Lúcia, que já alcançava 51%. A Lava-jato, sua instrumentalização política , suas promessas brutalmente desmentidas de diminuir a corrupção no Brasil, chegou definitivamente à consciência dos brasileiros e hoje se insere na polarização política do país. Deixou em grande medida de ter , portanto, um potencial extra de legitimação do processo golpista.
Uma sexta evidência da crise da narrativa golpista está no pessimismo dos brasileiros em relação ao futuro da economia , apesar de toda a propaganda massiva dos meios de comunicação em sentido inverso. De acordo com o Ibope, é o pior índice de otimismo em oito anos: apenas 21% dos brasileiros esperam um 2018 melhor em termos econômicos, metade do porcentual apurado ao final de 2016.
Uma oitava evidência - que se liga fortemente às anteriores e é, sem dúvida, a mais importante porque sinaliza um caminho de esperança - , é a crescente preferência dos brasileiros pela eleição de Lula presidente do Brasil, apesar de toda a guerra publicitária feita contra ele, em uníssimo, por toda a convergência midiática da narrativa golpista. De acordo com o Datafolha de início de dezembro de 2017, de 34% a 37% dos brasileiros estavam dispostos a dar o seu voto a ele no primeiro turno, e de 48% a 52% no segundo turno. Na pesquisa Vox Populi de dezembro de 2017, esses números vão, respectivamente, a 45% e a 50%. E, mais importante, houve uma decisiva queda em sua taxa de rejeição, que teria chegado, em dezembro do ano passado, a 39%.
Por fim, uma última evidência: segundo as pesquisas realizadas anualmente pela Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, o grau de confiança dos brasileiros nas instituições caiu vertiginosamente de 2016 para 2017. O grau de confiança dos brasileiros no governo federal está em 6 %, no Ministério Público caiu 22 % ( está em 28 %), nas grandes empresas caiu 15% ( está em 29 %), no poder judiciário caiu 17%, nas emissoras de TV caiu 9% ( estaria hoje em 30 %). A confiança no STF, pela primeira vez medida, está em 24 %!
Perda de potência persuasiva
A perda de poder comunicativo da narrativa golpista está certamente ligada à perda de sua potência persuasiva. Isto é, a narrativa golpista perdeu fortemente a capacidade de convencimento, de criar adesão majoritária entre os brasileiros, embora não tenha se construído ainda uma alternativa a ela .Até porque, importante pontuar, ela perde potência, mas continua a ser um ator muito relevante no processo.
1. A narrativa entra em crise no choque com a realidade e a partir de um fortalecimento de outras mídias (ainda que tímido, há esse fortalecimento que vem com um posicionamento fortemente crítico)
2. Há uma tentativa de rearranjo quando essa narrativa captura o repertório corrupção e o coloca como uma névoa a embaçar todo o sistema político – é o momento em que lideranças golpistas entram nesse repertório (como Aécio e Temer), não mais somente o PT. Isso pode ser considerado uma estratégia de recuperação de credibilidade – “falamos de todos, mostramos as mazelas de todos”.
3. Recuperada a potência comunicativa, é o momento de colocar um novo filtro na narrativa, que é a projeção de um inimigo comum: Lula, que se beneficia da corrupção.
As evidências da crise
É possível captar, pelo menos, oito indicadores da crise da narrativa golpista. O primeiro deles é o grau de impopularidade e ausência de legitimidade do governo Temer. É razoável supor que fazia parte da estratégia golpista se aproveitar do governo Temer para cumprir sua agenda destrutiva dos direitos: decerto, não estava em seus planos tornar Temer um governo popular. Em geral, governos neoliberais não são populares, e quando se mantêm no poder, isso se dá por razões inerciais, por sua capacidade de destruir ou minar a credibilidade de alternativas. Mas a velocidade do desgaste do governo Temer foi impressionantemente rápida, atingindo patamares recordes na história política brasileira e colocando grandes dificuldades para a mídia corporativa que sustentou o golpe, em especial a Rede Globo, impondo a necessidade de um rearranjo e de um reordenamento para salvar a narrativa. No discurso de informação, as relações de poder que o moldam e o conformam não são claras e sempre se ocultam sob o véu de imparcialidade. Na construção de uma narrativa midiática, cujo objetivo é a disputa de poder, a pretensa imparcialidade ser ameaçada – como ocorre com a Globo no momento em que o Governo Temer se mostra deteriorado e extremamente impopular, atolado na corrupção que foi exatamente o repertório usado para criminalizar os governos petistas – é perigoso e pode ser fatal.
Se o governo Temer nunca teve um índice maior do que 15% de ótimo/bom, ele ainda se beneficiava, nos primeiros meses de afastamento de Dilma, de algo em torno de quase 40% de regular, um sentimento expectante de que a situação do país em termos econômicos ou de combate à corrupção entraria nos eixos. Mas, já antes da denúncia casada Aécio/Temer, operada pela Rede Globo junto com o ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, na primeira quinzena de maio de 2017, a impopularidade de Temer já estava em franco e acelerado processo de crescimento. Ao final de abril, segundo o Datafolha, 61% já o consideravam ruim/péssimo, e apenas 28% o consideravam regular. De dezembro de 2016 a abril de 2017, a rejeição a Temer havia crescido de 45% para 64%. Retomar essa periodização é importante exatamente porque o reposicionamento da Rede Globo em relação a Temer é uma tentativa de salvar a narrativa golpista, resgatando e reconstruindo sua legitimidade. Isso não está na origem da impopularidade de Temer e nem em seu registro majoritário, é claramente uma reposição visando resgatar a credibilidade. A narrativa golpista, com estratégias discursivas muito bem delineadas, construiu e projetou um simulacro sustentador do golpe, aliando corrupção e crise e vinculando esses repertórios a um grupo político – e o simulacro dava conta de que, eliminado esse grupo e seus vestígios na cena política, uma nova realidade iria emergir no horizonte verde amarelo.
Portanto, o grau de corrosão do governo Temer, mergulhado exatamente naquilo que a narrativa elegeu como inaceitável, colocou um dilema insuperável para a mídia corporativa: não era mais possível apoiar o governo Temer, tampouco se desfazer dele, em função da aplicação do programa golpista e da maioria parlamentar que ele ainda é capaz de organizar. A solução vislumbrada pela Rede Globo, e também pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, foi tomar uma distância aparente do governo Temer, mas de fato apoiá-lo em suas ações,o que se mostrou completamente inconvincente! Era preciso, então, resgatar a base de sustentação da narrativa, o repertório da corrupção, e fazê-lo avançar.
O segundo indicador da crise da narrativa golpista é o fato de, algum tempo após o impeachment, a clara maioria dos brasileiros preferir o governo Dilma ao governo Temer. Apesar do tratamento dado pela mídia corporativa ao governo Dilma Rousseff, a pesquisa Ibope, divulgada pela CNI em setembro de 2017, mostrava que 59% dos consultados já consideravam o governo Dilma melhor que o governo Temer. De acordo com o Datafolha de início de dezembro de 2017, 62% consideravam o governo Dilma melhor, e apenas 13% preferiam o governo Temer .
O terceiro indicador da perda de poder de convencimento da narrativa golpista está no desgaste das principais lideranças políticas nacionais que participaram na linha de frente da direção política do processo golpista. Sem falar em Aécio Neves, um dos líderes da rejeição nacional, a rejeição a Alckmin, o candidato hoje preferencial do PSDB, é de 72%, a mesma de João Dória, que chegou, por um breve período, a experimentar suas chances de se tornar um candidato da coalizão política golpista à presidência do Brasil. Para quem estuda desde a origem o PSDB, este é certamente o momento mais expressivo do desgaste nacional de suas principais lideranças políticas.
O quarto indicador do desgaste da narrativa golpista está na impopularidade de seu programa. Já em abril de 2017, a chamada reforma da Previdência experimentava uma rejeição de 71% dos brasileiros, segundo o Datafolha, apesar de toda a propaganda oficial. Em 26 de dezembro, o mesmo instituto de pesquisa registrava uma rejeição de 70% dos brasileiros à privatização das empresas públicas.
O quinto indicador da crise da narrativa golpista está na perda de legitimação dos operadores da Lava Jato e do STF, que se envolveram profundamente na fabricação e legitimação do golpe. Já em setembro de 2017, segundo o Instituto Ipsos, o juiz Moro acumulava uma desaprovação de 45 % e em crescimento. A mesma pesquisa indicava um crescimento da rejeição à presidenta do STF, Carmen Lúcia, que já alcançava 51%. A Lava-jato, sua instrumentalização política , suas promessas brutalmente desmentidas de diminuir a corrupção no Brasil, chegou definitivamente à consciência dos brasileiros e hoje se insere na polarização política do país. Deixou em grande medida de ter , portanto, um potencial extra de legitimação do processo golpista.
Uma sexta evidência da crise da narrativa golpista está no pessimismo dos brasileiros em relação ao futuro da economia , apesar de toda a propaganda massiva dos meios de comunicação em sentido inverso. De acordo com o Ibope, é o pior índice de otimismo em oito anos: apenas 21% dos brasileiros esperam um 2018 melhor em termos econômicos, metade do porcentual apurado ao final de 2016.
Uma oitava evidência - que se liga fortemente às anteriores e é, sem dúvida, a mais importante porque sinaliza um caminho de esperança - , é a crescente preferência dos brasileiros pela eleição de Lula presidente do Brasil, apesar de toda a guerra publicitária feita contra ele, em uníssimo, por toda a convergência midiática da narrativa golpista. De acordo com o Datafolha de início de dezembro de 2017, de 34% a 37% dos brasileiros estavam dispostos a dar o seu voto a ele no primeiro turno, e de 48% a 52% no segundo turno. Na pesquisa Vox Populi de dezembro de 2017, esses números vão, respectivamente, a 45% e a 50%. E, mais importante, houve uma decisiva queda em sua taxa de rejeição, que teria chegado, em dezembro do ano passado, a 39%.
Por fim, uma última evidência: segundo as pesquisas realizadas anualmente pela Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, o grau de confiança dos brasileiros nas instituições caiu vertiginosamente de 2016 para 2017. O grau de confiança dos brasileiros no governo federal está em 6 %, no Ministério Público caiu 22 % ( está em 28 %), nas grandes empresas caiu 15% ( está em 29 %), no poder judiciário caiu 17%, nas emissoras de TV caiu 9% ( estaria hoje em 30 %). A confiança no STF, pela primeira vez medida, está em 24 %!
Perda de potência persuasiva
A perda de poder comunicativo da narrativa golpista está certamente ligada à perda de sua potência persuasiva. Isto é, a narrativa golpista perdeu fortemente a capacidade de convencimento, de criar adesão majoritária entre os brasileiros, embora não tenha se construído ainda uma alternativa a ela .Até porque, importante pontuar, ela perde potência, mas continua a ser um ator muito relevante no processo.
Provavelmente, a razão explicativa mais importante para essa perda de potência persuasiva da narrativa golpista está naquilo que denominamos “choque de realidade” - uma aberta contradição entre o que a narrativa midiática (sobretudo a Rede Globo) prometia e a realidade vivida pelos brasileiros após a derrubada do governo Dilma: o país mergulhado, como nunca, em uma devastadora crise econômica e social, com todas as suas instituições políticas abertamente corrompidas e associadas em uma rede de impunidade. Como nos ensinam as teorias da recepção, aquele que recebe a mensagem confronta-a com a realidade vivida. E a realidade vivida diz não às mensagens da narrativa golpista, mesmo sendo ela continuamente reafirmada.
Uma segunda razão é que as mensagens de oposição à narrativa golpista se reorganizaram, se encorparam, ganharam nitidez. Agora, diferentemente do período que precedeu o golpe parlamentar, ela enfrenta um contradiscurso crítico dotado de mais coerência. Claramente, as críticas à narrativa golpista refizeram a sua base social e hoje disputam a formação de uma maioria potencial.Nessa crise, a consolidação da atuação da mídia virtual não corporativa, de oposição ao golpe, foi um elemento de fundamental importância ao trazer a pluralidade de vozes e pontos de vista, possibilitando, assim, o acesso a outros modos do discurso. Assim, a narrativa golpista é questionada, perde potência e, por isso, precisa buscar formas de se reerguer, como veremos em outros artigos.
A terceira razão para a perda da potência da narrativa golpista, em parte derivada da primeira, é a perda de credibilidade das principais lideranças políticas do golpe. O centro da articulação golpista estava, desde o início, assentado no PSDB, apesar do papel-chave cumprido na desestabilização parlamentar pelo PMDB de Cunha e Temer. E as principais lideranças nacionais do PSDB estão hoje, como nunca antes em tal grau na história do partido, profundamente desacreditadas e sem credibilidade. É muito difícil que tenham condições de reverter essa condição no curto prazo.
Uma quarta razão refere-se a uma divergência importante de valores no interior mesmo da vasta coalizão que se formou para viabilizar o golpe. O “valor” de fundo que movimentou – e movimenta – esses grupos é o antipetismo. No entanto, há valores e crenças bem distintos que começam a se projetar e saem do guarda-chuva do “ódio ao PT”: versões de um neoliberalismo multicultural e libertarianista (defensores de uma moral individualista possessiva e egocêntrica, que convive bem com relações de dominação, mas legitimadas pelo “livre contrato” de mercado),ao lado de linhagens neoliberais racistas, agressivamente misóginas e fundamentalistas, senão fascistas. Um exemplo contundente é a relação da Rede Globo– em seu multiculturalismo neoliberal, que se abre às agendas transexuais – com a ala neoliberal fundamentalista – que se escandaliza com a discussão de gênero, racismos travestidos e racismos explicitados, hábitos cosmopolitas e tradicionalismos fundamentalistas. Assim, nesse amplo espectro das forças golpistas, tem-se Dória neoliberal, Huck neoliberal, Alckmin Opus Dei neoliberal, FHC e Bolsonaro em busca de se neoliberalizar, Tudo isso se compõe, é certo, como antipetismo, mas fica o questionamento em relação a qual valor ou qual modo de vida será afirmado e se consolidará.
Como a diferenciação entre potência comunicativa, persuasiva e orgânica do poder comunicativo é de ordem analítica e não deve, pois, haver uma separação na realidade, a perda de potência persuasiva da narrativa golpista tem um efeito imediato sobre a sua potência orgânica e abre caminho para a erosão de sua potência comunicativa. A Rede Globo de Televisão talvez nunca tenha estado tão exposta à luta política direta e, por isso mesmo, com sua credibilidade tanto em risco.
A perda de potência orgânica é, então, quase evidente: a narrativa golpista já não solda uma massa de brasileiros que,não sendo base histórica da liderança de Lula, do PT e da esquerda, mas também não sendo politicamente referenciada na tradição neoliberal, hoje está desesperançada ou em busca de alternativas. A narrativa golpista já não forma uma maioria e é exatamente por isso que depende tanto, nas eleições de 2018, da violência judicial e da fraude. Mas ela certamente continua a soldar sua base classista financeira e empresarial nacional, articulada aos centros do poder político e financeiro internacionais.
A potência comunicativa da narrativa golpista, a amplitude e a intensidade de seu público continuam, certamente, a usufruir de uma vantagem histórico-estrutural em relação à potência comunicativa acumulada pela esquerda. No entanto, é equivocado fechar os olhos às potencialidades de mudança inscritas: crise e diminuição de tiragem das mídias impressas que dão suporte à narrativa golpista, um certo amadurecimento de consciência e na práxis comunicativa de forças da esquerda, um dinamismo novo de relações entre mídia impressa eletrônica e mídia virtual. Questões que serão investigadas e discutidas em artigos posteriores.
Por ora, deixamos a abordagem dos elementos que levaram a essa crise da narrativa golpista, e o anúncio, para o próximo artigo, da discussão das estratégias da narrativa golpista para recuperar sua legitimidade e reconstruir sua unidade na disputa de poder, sendo que o cerne dessa operação passa a ser cada vez mais a construção da figura de um inimigo comum: Luis Inácio Lula da Silva.
Uma segunda razão é que as mensagens de oposição à narrativa golpista se reorganizaram, se encorparam, ganharam nitidez. Agora, diferentemente do período que precedeu o golpe parlamentar, ela enfrenta um contradiscurso crítico dotado de mais coerência. Claramente, as críticas à narrativa golpista refizeram a sua base social e hoje disputam a formação de uma maioria potencial.Nessa crise, a consolidação da atuação da mídia virtual não corporativa, de oposição ao golpe, foi um elemento de fundamental importância ao trazer a pluralidade de vozes e pontos de vista, possibilitando, assim, o acesso a outros modos do discurso. Assim, a narrativa golpista é questionada, perde potência e, por isso, precisa buscar formas de se reerguer, como veremos em outros artigos.
A terceira razão para a perda da potência da narrativa golpista, em parte derivada da primeira, é a perda de credibilidade das principais lideranças políticas do golpe. O centro da articulação golpista estava, desde o início, assentado no PSDB, apesar do papel-chave cumprido na desestabilização parlamentar pelo PMDB de Cunha e Temer. E as principais lideranças nacionais do PSDB estão hoje, como nunca antes em tal grau na história do partido, profundamente desacreditadas e sem credibilidade. É muito difícil que tenham condições de reverter essa condição no curto prazo.
Uma quarta razão refere-se a uma divergência importante de valores no interior mesmo da vasta coalizão que se formou para viabilizar o golpe. O “valor” de fundo que movimentou – e movimenta – esses grupos é o antipetismo. No entanto, há valores e crenças bem distintos que começam a se projetar e saem do guarda-chuva do “ódio ao PT”: versões de um neoliberalismo multicultural e libertarianista (defensores de uma moral individualista possessiva e egocêntrica, que convive bem com relações de dominação, mas legitimadas pelo “livre contrato” de mercado),ao lado de linhagens neoliberais racistas, agressivamente misóginas e fundamentalistas, senão fascistas. Um exemplo contundente é a relação da Rede Globo– em seu multiculturalismo neoliberal, que se abre às agendas transexuais – com a ala neoliberal fundamentalista – que se escandaliza com a discussão de gênero, racismos travestidos e racismos explicitados, hábitos cosmopolitas e tradicionalismos fundamentalistas. Assim, nesse amplo espectro das forças golpistas, tem-se Dória neoliberal, Huck neoliberal, Alckmin Opus Dei neoliberal, FHC e Bolsonaro em busca de se neoliberalizar, Tudo isso se compõe, é certo, como antipetismo, mas fica o questionamento em relação a qual valor ou qual modo de vida será afirmado e se consolidará.
Como a diferenciação entre potência comunicativa, persuasiva e orgânica do poder comunicativo é de ordem analítica e não deve, pois, haver uma separação na realidade, a perda de potência persuasiva da narrativa golpista tem um efeito imediato sobre a sua potência orgânica e abre caminho para a erosão de sua potência comunicativa. A Rede Globo de Televisão talvez nunca tenha estado tão exposta à luta política direta e, por isso mesmo, com sua credibilidade tanto em risco.
A perda de potência orgânica é, então, quase evidente: a narrativa golpista já não solda uma massa de brasileiros que,não sendo base histórica da liderança de Lula, do PT e da esquerda, mas também não sendo politicamente referenciada na tradição neoliberal, hoje está desesperançada ou em busca de alternativas. A narrativa golpista já não forma uma maioria e é exatamente por isso que depende tanto, nas eleições de 2018, da violência judicial e da fraude. Mas ela certamente continua a soldar sua base classista financeira e empresarial nacional, articulada aos centros do poder político e financeiro internacionais.
A potência comunicativa da narrativa golpista, a amplitude e a intensidade de seu público continuam, certamente, a usufruir de uma vantagem histórico-estrutural em relação à potência comunicativa acumulada pela esquerda. No entanto, é equivocado fechar os olhos às potencialidades de mudança inscritas: crise e diminuição de tiragem das mídias impressas que dão suporte à narrativa golpista, um certo amadurecimento de consciência e na práxis comunicativa de forças da esquerda, um dinamismo novo de relações entre mídia impressa eletrônica e mídia virtual. Questões que serão investigadas e discutidas em artigos posteriores.
Por ora, deixamos a abordagem dos elementos que levaram a essa crise da narrativa golpista, e o anúncio, para o próximo artigo, da discussão das estratégias da narrativa golpista para recuperar sua legitimidade e reconstruir sua unidade na disputa de poder, sendo que o cerne dessa operação passa a ser cada vez mais a construção da figura de um inimigo comum: Luis Inácio Lula da Silva.
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