Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ao fugir da responsabilidade de engajar o Supremo num debate urgente e necessário sobre o trânsito em julgado, a presidente Carmen Lucia deu uma contribuição pessoal para a desconstrução do sistema de garantias constitucionais previsto na Constituição.
Ao dizer que não iria pautar a discussão porque o Supremo poderia “apequenar-se” com uma decisão que poderia beneficiar Lula, quem perdeu estatura foi a própria Carmen Lúcia. Não é trocadilho nem jogo de palavras.
Do ponto de vista do jogo interno do STF, a decisão de Carmen Lúcia tem uma explicação simples e constrangedora.
Há dois anos, quando o Supremo decidiu autorizar a prisão em segunda instância em condenações penais, contrariando decisão expressa no artigo V, inciso LVII da Constituição, ela usou seu voto de minerva a favor da mudança, numa decisão de 6 a 5.
Em 2018, quando o ambiente do país e do tribunal sinalizam para uma inversão no placar, a postura da Carmen Lucia equivale a da pessoa que foge do debate porque tem certeza da derrota. Seria aceitável, caso se tratasse de uma disputa esportiva ou uma rodada nova numa mesa de pôquer. Como estamos falando de questões constitucionais, é uma decisão irresponsável.
Mas há um agravante, ainda. Ao colocar a questão em termos de “apequenar”, a presidente do Supremo admitiu que se trata de uma decisão que envolve critérios que nada tem a ver com os méritos jurídicos de uma causa – mas leva em consideração fatores externos, como a repercussão política e o impacto nos meios de comunicação, a opinião que “apequena” ou “engrandece” a imagem de sua pessoa ou de uma instituição.
No Brasil de 2018, o debate sobre trânsito em julgado permite ao STF reconciliar-se com uma garantia constitucional expressa, redigida por constituintes eleitos graças pelo voto popular, refazendo uma discussão que sempre foi tumultuada por fatores e pressões externas.
Em 2016, numa decisão exclusiva de seus onze membros, que está no centro do poder que o Judiciário iria assumir nos meses seguintes, o STF decidiu modificar o do inciso LVII do artigo 5 por conta própria. Numa primeira votação, uma maioria de 7 votos a 4 ficou a favor da prisão em segunda instância. Mas foi um debate tão complicado que, pouco depois, duas ações de inconstitucionalidade chegavam ao STF. Mesmo acompanhada por discurso do PGR Rodrigo Janot, declarações de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, a votação terminou empatada em 5 a 5, obrigando a ex-procuradora Carmen Lucia desempatar o placar, sob aplauso da Lava Jato, numa decisão que teve um efeito óbvio na consolidação das delações premiadas como ponto central da Operação. Num país onde a lei exige que uma delação seja “voluntária” e “espontânea”, a perspectiva de uma prisão em prazo mais curto tornou-se um reforço óbvio da investigação e, como se varia mais tarde, na formação de um consórcio milionário de advogados & alcaguetes.
Dois anos depois da decisão, a referência a Lula feita por Carmen Lúcia guarda outro aspecto problemático. Sugere que o debate poderia, quem sabe, ser “engrandecedor” se fosse motivado por um réu comum, um simples cidadão injustamente acusado por um crime grave o suficiente para despertar o interesse do STF.
Pode-se reverter a discussão, porém. A referência a Lula deixa claro que Carmem Lucia considera constrangedor pautar uma decisão que pode vir a beneficiar um ex-presidente da República, candidato declarado ao Planalto em 2018.
É uma visão com aceitação em vários círculos, vamos admitir – ainda que pouco delicada por parte da própria ministra, que até deve a Lula deve a indicação para a cadeira no Supremo, em 2006, onde foi ocupar a vaga de Nelson Jobim.
Esse ponto de vista tornou-se frequente no início da década, durante o julgamento da AP 470, quando Joaquim Barbosa e outros colegas de Carmen Lúcia no plenário do STF falavam na necessidade de punir “poderosos” enquanto partiam para o ataque em cima de dirigentes e ministros do Partido dos Trabalhadores. Continua conveniente, do ponto de vista político. É até esperado, num país com tantas desigualdades. Mas é injusto, já que os abusos contra direitos de prisioneiros atingem 40% da população carcerária, forçada a cumprir anos de prisão sem ter direito, ao menos, a uma sentença judicial. Com certeza, o fim do transito em julgado irá beneficiar milhares de pessoas inocentes, que não tem como pagar bons advogados, num país onde o Estado prende muito e investiga mal.
Acima de tudo, no entanto, o ponto de vista é 100% ilegal. O critério anti-Lula é tão absurdo como o critério pró-Lula. Vamos repetir: o artigo 5. da Constituição, ensina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Desse ponto de vista, um juiz só pode sentir-se engrandecido quando reconhece os direitos de um cidadão – seja um ex-presidente, seja um boia-fria que recebe benefícios do Bolsa-Família que seu governo criou.
E aí chegamos ao ponto principal. Grande ou pequeno, Lula não pode ser perseguido por ser quem ele é.
A revelação de que os comentários de Carmen Lucia foram feitos num evento com executivos da Shell, adversários irredutíveis do retorno de Lula ao Planalto, só contribui para agravar o quadro.
Ao fugir da responsabilidade de engajar o Supremo num debate urgente e necessário sobre o trânsito em julgado, a presidente Carmen Lucia deu uma contribuição pessoal para a desconstrução do sistema de garantias constitucionais previsto na Constituição.
Ao dizer que não iria pautar a discussão porque o Supremo poderia “apequenar-se” com uma decisão que poderia beneficiar Lula, quem perdeu estatura foi a própria Carmen Lúcia. Não é trocadilho nem jogo de palavras.
Do ponto de vista do jogo interno do STF, a decisão de Carmen Lúcia tem uma explicação simples e constrangedora.
Há dois anos, quando o Supremo decidiu autorizar a prisão em segunda instância em condenações penais, contrariando decisão expressa no artigo V, inciso LVII da Constituição, ela usou seu voto de minerva a favor da mudança, numa decisão de 6 a 5.
Em 2018, quando o ambiente do país e do tribunal sinalizam para uma inversão no placar, a postura da Carmen Lucia equivale a da pessoa que foge do debate porque tem certeza da derrota. Seria aceitável, caso se tratasse de uma disputa esportiva ou uma rodada nova numa mesa de pôquer. Como estamos falando de questões constitucionais, é uma decisão irresponsável.
Mas há um agravante, ainda. Ao colocar a questão em termos de “apequenar”, a presidente do Supremo admitiu que se trata de uma decisão que envolve critérios que nada tem a ver com os méritos jurídicos de uma causa – mas leva em consideração fatores externos, como a repercussão política e o impacto nos meios de comunicação, a opinião que “apequena” ou “engrandece” a imagem de sua pessoa ou de uma instituição.
No Brasil de 2018, o debate sobre trânsito em julgado permite ao STF reconciliar-se com uma garantia constitucional expressa, redigida por constituintes eleitos graças pelo voto popular, refazendo uma discussão que sempre foi tumultuada por fatores e pressões externas.
Em 2016, numa decisão exclusiva de seus onze membros, que está no centro do poder que o Judiciário iria assumir nos meses seguintes, o STF decidiu modificar o do inciso LVII do artigo 5 por conta própria. Numa primeira votação, uma maioria de 7 votos a 4 ficou a favor da prisão em segunda instância. Mas foi um debate tão complicado que, pouco depois, duas ações de inconstitucionalidade chegavam ao STF. Mesmo acompanhada por discurso do PGR Rodrigo Janot, declarações de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, a votação terminou empatada em 5 a 5, obrigando a ex-procuradora Carmen Lucia desempatar o placar, sob aplauso da Lava Jato, numa decisão que teve um efeito óbvio na consolidação das delações premiadas como ponto central da Operação. Num país onde a lei exige que uma delação seja “voluntária” e “espontânea”, a perspectiva de uma prisão em prazo mais curto tornou-se um reforço óbvio da investigação e, como se varia mais tarde, na formação de um consórcio milionário de advogados & alcaguetes.
Dois anos depois da decisão, a referência a Lula feita por Carmen Lúcia guarda outro aspecto problemático. Sugere que o debate poderia, quem sabe, ser “engrandecedor” se fosse motivado por um réu comum, um simples cidadão injustamente acusado por um crime grave o suficiente para despertar o interesse do STF.
Pode-se reverter a discussão, porém. A referência a Lula deixa claro que Carmem Lucia considera constrangedor pautar uma decisão que pode vir a beneficiar um ex-presidente da República, candidato declarado ao Planalto em 2018.
É uma visão com aceitação em vários círculos, vamos admitir – ainda que pouco delicada por parte da própria ministra, que até deve a Lula deve a indicação para a cadeira no Supremo, em 2006, onde foi ocupar a vaga de Nelson Jobim.
Esse ponto de vista tornou-se frequente no início da década, durante o julgamento da AP 470, quando Joaquim Barbosa e outros colegas de Carmen Lúcia no plenário do STF falavam na necessidade de punir “poderosos” enquanto partiam para o ataque em cima de dirigentes e ministros do Partido dos Trabalhadores. Continua conveniente, do ponto de vista político. É até esperado, num país com tantas desigualdades. Mas é injusto, já que os abusos contra direitos de prisioneiros atingem 40% da população carcerária, forçada a cumprir anos de prisão sem ter direito, ao menos, a uma sentença judicial. Com certeza, o fim do transito em julgado irá beneficiar milhares de pessoas inocentes, que não tem como pagar bons advogados, num país onde o Estado prende muito e investiga mal.
Acima de tudo, no entanto, o ponto de vista é 100% ilegal. O critério anti-Lula é tão absurdo como o critério pró-Lula. Vamos repetir: o artigo 5. da Constituição, ensina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Desse ponto de vista, um juiz só pode sentir-se engrandecido quando reconhece os direitos de um cidadão – seja um ex-presidente, seja um boia-fria que recebe benefícios do Bolsa-Família que seu governo criou.
E aí chegamos ao ponto principal. Grande ou pequeno, Lula não pode ser perseguido por ser quem ele é.
A revelação de que os comentários de Carmen Lucia foram feitos num evento com executivos da Shell, adversários irredutíveis do retorno de Lula ao Planalto, só contribui para agravar o quadro.
Quantas vezes o Poder Judiciário terá que frustrar as esperanças de reparação das injustiças cometidas por instância inferior, depositadas em recursos à instância superior? Nesse passo, chegou-se ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, cogitando-se, presumo, encaminhamento de denúncia ao Conselho de Direitos Humanos e Alienígenas (venezianos e marcianos, até onde sabemos, instruídos pelos seriados americanos e japoneses) do Sistema Solar.
ResponderExcluirO Poder Judiciário é, ao lado do Poder Midiático, o instrumento orgânico, obstinado, disciplinado, determinado, previsível como os finais de novelas da Globo, no empenho de implementação de um golpe a serviço dos interesses do mercado financeiro, obrigando-se apenas a observação dos ritos jurídicos que ornamentam a farsa, buscando fazer a sociedade acreditar que combate-se a corrupção, quando, na prática, implementa-se um projeto de traição nacional comandado por repugnantes traidores da pátria togados.
"Flávio Dino não acredita que STF e STJ compactuem com violência jurídica"? Equivoca-se Flávio Dino. Se não compactua, por que, até aqui, desde o processo de impeachment de Dilma, compactou?
A esquerda necessita urgentemente estabelecer a sua estratégia para enfrentar e desmascarar o Poder Judiciário para a sociedade. Para efeito desta campanha de denúncias, precisa priorizar os que mais sofrem as consequências dos descasos, dos dois pesos e duas medidas, praticados por esse poder de forma contumaz: o homem comum, o homem do povo, que desconhece o significado do que seja justiça, respeito aos seus direitos, no dia a dia. Uma ampla campanha de denúncias das arbitrariedades e dos privilégios repugnantes concedidos aos agentes desse poder deveria ser encaminhada, como preparação da exigência de uma urgente Reforma do Judiciário, exigindo o estabelecimento de um teto salarial em consonância com a realidade econômica e social de nosso país, a eleição democrática dos juízes, o controle do Poder Judiciário através de um organismo da sociedade independente, distinto dos corporativos existentes. DARCY BRASIL RODRIGUES DA SILVA