Por Liana Cirne, no site Mídia Ninja:
Li hoje uma frase que bem reflete a imagem da crise instalada na credibilidade do judiciário: enquanto juízes precisam ser escoltados pela polícia, o réu é carregado nos braços do povo.
Como lembrou a amiga Katie Arguello, Foucault nos ensinou que o que pôs fim à pena de suplício foi o fato da população ter começado a ficar ao lado dos supliciados e contra seus carrascos.
O resultado do julgamento de ontem, no TRF4, embora de todo previsível, foi a condenação do próprio judiciário pela sua falência como instituição que teria por missão julgar com imparcialidade os fatos a ele submetidos.
O juiz está nu. Não porque nutríssemos ingênuas crenças na figura de juízes neutros. Sempre soubemos que a esfera de autonomia entre direito, política e economia era relativa e muitas vezes frágil. E mesmo assim nunca nossos juízes estiveram tão nus. Porque a despeito das interpenetrações entre aquelas esferas, havia um espaço de relativa autonomia das suas lógicas, códigos e linguagens.
O julgamento de ontem, em razão de sua importância estratégica para o calendário eleitoral, é a culminância de um modelo judicial que abre mão, quase por completo, da esfera da juridicidade. Renata Mielli afirmou, com razão, que o fundamento do voto, em especial do desembargador Victor Laus, não dialogava com a acusação, nem com a defesa, mas dialogava com a opinião pública, com críticas das redes sociais, com matérias jornalísticas.
Era quase uma tentativa de maquiar a óbvia falta de imparcialidade da corte e o manejo desse simulacro de processo para fins notoriamente político-partidários.
Aliás, não espanta que o dia do julgamento de Lula que culminou com sua condenação unânime seja também o dia em que a Procuradora-Geral da República peça o arquivamento do processo de investigação contra Serra.
Lembrei que Weber escreveu que, quando veio à tona que o monarca não era a representação de um poder divino, o ceticismo que se seguiu levou a um estado massacrante de conformismo.
Há dias atrás, sabendo que o julgamento de hoje era uma crônica anunciada, me perguntava se se seguiria o mesmo ceticismo e conformismo. Afinal, é muito grave nutrirmos a descrença quanto às nossas instituições.
Hoje comecei a ver essa pergunta respondida. Chamou atenção que, em contraste com o dia em que Dilma foi ilegitimamente afastada do poder, não ouvimos fogos de artifício, salvo alguns, aqui ou acolá. Tímidos.
Muitos perceberam, inclusive entre aqueles que apoiaram o golpe, que o País só retrocedeu no último ano e meio, que a luta contra a corrupção era uma farsa de mau gosto. O cenário não permite celebrações. Nem de um lado, nem de outro.
No campo dos apoiadores e apoiadoras de Lula, no qual me encontro, outra mudança comportamental importante. O clima não é de derrota, nem de tristeza, como foi após o golpe contra Dilma. O clima é de resistência. De resiliência.
O judiciário, ao abrir mão da sua credibilidade como instância imparcial, ao condenar a si mesmo, perde sua autoridade para se fazer respeitado. Perde a legitimidade que separava o “cumpra-se” [1] da força bruta.
O juiz está nu.
E essa nudez escancara que nossa escolha política se faz na esfera da política. Que nossa escolha se faz nas ruas, nos palanques. Nas urnas.
E a posição do PT de oficializar o nome de Lula como candidato corrobora a falta de legitimidade do judiciário para se imiscuir, usurpar e limitar nosso poder de escolhermos os rumos do nosso país. A esfera da política não pode ser usurpada por uma instituição judicial que se desvirtuou tão acentuadamente de seus propósitos.
No momento em que juízes querem se substituir à política, lembramos que não votamos em desembargadores para que eles façam política por nós.
Por caminhos tortuosos, reencontramos o material de que somos feitos e que havíamos, entre uma pancada e outra, perdido: a esperança, norte da nossa trajetória.
Ao final, como Dom Helder dizia, quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes.
Nota:
[1] Expressão utilizada para determinar a execução da decisão.
* Dedico esse texto às amigas Ziuna Cirne, Thais Alves, Cristiniana Freire, Katie Arguello, Magda Biavaschi, Beth de Oxum, Rafaela Pacheco, Katarina Peixoto, Conceição Oliveira, Natacha Rena, Juliana Borges, Ana Júlia Ribeiro, Stephanie Ribeiro, Manu D’Ávila, Elika Takimoto, Marília Arraes e, claro, a Dilma Rousseff, mulheres que ensinam o sentido da palavra resiliência e inspiram, com suas lutas, afetos e trajetórias, a como resistir em tempos de crise.
Li hoje uma frase que bem reflete a imagem da crise instalada na credibilidade do judiciário: enquanto juízes precisam ser escoltados pela polícia, o réu é carregado nos braços do povo.
Como lembrou a amiga Katie Arguello, Foucault nos ensinou que o que pôs fim à pena de suplício foi o fato da população ter começado a ficar ao lado dos supliciados e contra seus carrascos.
O resultado do julgamento de ontem, no TRF4, embora de todo previsível, foi a condenação do próprio judiciário pela sua falência como instituição que teria por missão julgar com imparcialidade os fatos a ele submetidos.
O juiz está nu. Não porque nutríssemos ingênuas crenças na figura de juízes neutros. Sempre soubemos que a esfera de autonomia entre direito, política e economia era relativa e muitas vezes frágil. E mesmo assim nunca nossos juízes estiveram tão nus. Porque a despeito das interpenetrações entre aquelas esferas, havia um espaço de relativa autonomia das suas lógicas, códigos e linguagens.
O julgamento de ontem, em razão de sua importância estratégica para o calendário eleitoral, é a culminância de um modelo judicial que abre mão, quase por completo, da esfera da juridicidade. Renata Mielli afirmou, com razão, que o fundamento do voto, em especial do desembargador Victor Laus, não dialogava com a acusação, nem com a defesa, mas dialogava com a opinião pública, com críticas das redes sociais, com matérias jornalísticas.
Era quase uma tentativa de maquiar a óbvia falta de imparcialidade da corte e o manejo desse simulacro de processo para fins notoriamente político-partidários.
Aliás, não espanta que o dia do julgamento de Lula que culminou com sua condenação unânime seja também o dia em que a Procuradora-Geral da República peça o arquivamento do processo de investigação contra Serra.
Lembrei que Weber escreveu que, quando veio à tona que o monarca não era a representação de um poder divino, o ceticismo que se seguiu levou a um estado massacrante de conformismo.
Há dias atrás, sabendo que o julgamento de hoje era uma crônica anunciada, me perguntava se se seguiria o mesmo ceticismo e conformismo. Afinal, é muito grave nutrirmos a descrença quanto às nossas instituições.
Hoje comecei a ver essa pergunta respondida. Chamou atenção que, em contraste com o dia em que Dilma foi ilegitimamente afastada do poder, não ouvimos fogos de artifício, salvo alguns, aqui ou acolá. Tímidos.
Muitos perceberam, inclusive entre aqueles que apoiaram o golpe, que o País só retrocedeu no último ano e meio, que a luta contra a corrupção era uma farsa de mau gosto. O cenário não permite celebrações. Nem de um lado, nem de outro.
No campo dos apoiadores e apoiadoras de Lula, no qual me encontro, outra mudança comportamental importante. O clima não é de derrota, nem de tristeza, como foi após o golpe contra Dilma. O clima é de resistência. De resiliência.
O judiciário, ao abrir mão da sua credibilidade como instância imparcial, ao condenar a si mesmo, perde sua autoridade para se fazer respeitado. Perde a legitimidade que separava o “cumpra-se” [1] da força bruta.
O juiz está nu.
E essa nudez escancara que nossa escolha política se faz na esfera da política. Que nossa escolha se faz nas ruas, nos palanques. Nas urnas.
E a posição do PT de oficializar o nome de Lula como candidato corrobora a falta de legitimidade do judiciário para se imiscuir, usurpar e limitar nosso poder de escolhermos os rumos do nosso país. A esfera da política não pode ser usurpada por uma instituição judicial que se desvirtuou tão acentuadamente de seus propósitos.
No momento em que juízes querem se substituir à política, lembramos que não votamos em desembargadores para que eles façam política por nós.
Por caminhos tortuosos, reencontramos o material de que somos feitos e que havíamos, entre uma pancada e outra, perdido: a esperança, norte da nossa trajetória.
Ao final, como Dom Helder dizia, quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes.
Nota:
[1] Expressão utilizada para determinar a execução da decisão.
* Dedico esse texto às amigas Ziuna Cirne, Thais Alves, Cristiniana Freire, Katie Arguello, Magda Biavaschi, Beth de Oxum, Rafaela Pacheco, Katarina Peixoto, Conceição Oliveira, Natacha Rena, Juliana Borges, Ana Júlia Ribeiro, Stephanie Ribeiro, Manu D’Ávila, Elika Takimoto, Marília Arraes e, claro, a Dilma Rousseff, mulheres que ensinam o sentido da palavra resiliência e inspiram, com suas lutas, afetos e trajetórias, a como resistir em tempos de crise.
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