Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Meio século depois de ter surgido na vida pública como a principal liderança operária de nossa história, Lula enfrenta a partir de amanhã uma das mais difíceis etapas de uma existência que teve início na luta pela reposição de perdas salariais de 1974 para questionar a partilha de poder e riquezas, no Brasil e mesmo em escala mundial, com a iniciativa de construção dos BRICs.
O cenário, nós sabemos, é o TRF-4. É ali que, três desembargadores definirão um novo passo - para um lado ou para outro - no destino de Lula.
Sabemos que, neste processo, uma condenação nada tem a ver com Justiça, e muito menos com o combate à corrupção. Qualquer observador isento já compreendeu que é impossível encontrar elementos racionais e fatos objetivos capazes de sustentar uma condenação de 9 anos e meio de prisão contra Lula. Estamos em outro universo.
A Justiça admite que o apartamento que está no foco de uma denúncia de quase dez anos nunca pertenceu a Lula ou a seus familiares. Sempre foi da OAS e, numa confirmação oficial dessa condição, há quinze dias teve a penhora autorizada pela juíza Luciana de Oliveira, de Brasília.
Para complicar, num país onde a Justiça funcionasse conforme as regras elementares do Direito, mesmo que o apartamento fosse de Lula o trabalho de investigação estaria longe de terminado. Ainda seria preciso provar que o imóvel não poderia ter sido adquirido legitimamente pela família Lula da Silva, que por sinal já tinha adquirido uma opção de compra do imóvel quando ele se encontrava na planta.
Depois disso, antes de qualquer conclusão ou sentença, seria necessário demonstrar que a aquisição fora fruto de operações suspeitas da OAS. Não seria coisa fácil difícil de fazer. Mesmo com dedicação exclusiva a Lava Jato, dezenas de delações premiadas e infinitos rastreamentos bancários e quebras de sigilo, Sérgio Moro admite que não pode demonstrar qualquer vínculo entre os contratos da Petrobras e o patrimônio de Lula.
Em 24 de janeiro, em Porto Alegre, temos, então, um uma construção teórica, uma conversa entre sócios e diálogos entre amigos, um relato imaginário alimentado por milhares de páginas de jornal, de programas de Tv, robôs de internet, que edificaram suspeita criminal que se tornou tão grande, tão dominadora e difícil de questionar.
Não estou falando de policiais, promotores e juízes diretamente envolvidos no caso, inclusive no STF. Estes fizeram apostas imensas neste processo. Seu futuro está vinculado a ele.
Mesmo pessoas honestas têm dificuldade de reconhecer a fraqueza e a falta de sentido da condenação.
Isso acontece por que a sentença contra Lula envolve valores e noções que conversam com as cavernas mais sombrias da cultura brasileira, aquela região da existência que algumas pessoas chamam de “alma”. Elas não precisam de "provas" para saber que Lula deve ser condenado. Dizem que isso é filigrana. Os destituídos de toda condição humana imaginam que é "conversa de rico".
Esta verdade foi ensinada pelos gritos de sufoco que muitos ouviram na infância, quando foram ensinados a não se meter naquilo que não é de sua conta. Nas cenas de brutalidade contra subalternos comuns em tantos momentos. Na permanente derrota dos fracos diante dos fortes. Nas salas de aula onde os mais moços perguntam aos velhos por que ali na rua uns tem muito e outros, tão pouco. É assim que nascem os elementos fundamentais da cultura de um país.
No Brasil de 2018, estamos diante daquilo que o professor Jessé Souza chama de ódio de classe aos pobres. Uma versão atualizada, pós-abolição, num século e meio de tantas esperanças e tão poucas realizações, da narrativa de Casa Grande & Senzala onde Gilberto Freire fala do “mórbido deleite” dos meninos brancos e ricos em maltratar crianças escravizadas. Sabemos que esse pensamento veio de três séculos de escravidão e 150 anos de opressão social, sucessivos regimes de força com raros e insuficientes intervalos democráticos.
Ficou para nós, herdeiros e sucessores, a pergunta fundamental, que é saber pela mudança que não houve, pelas esperanças que não se realizaram, pelos generosos projetos de mudança que surgiram ao longo de uma historia de 500 anos -- com tantas lideranças exemplares e corajosas -- mas acabaram em massacre e derrota.
Não vamos nos iludir. O julgamento de Lula, os bonecos infláveis, as ofensas a dona Marisa, o tratamento indecente dirigido aos filhos, compõem um sofrimento de espetáculo, um exibicionismo prepotente, que se delicia em reafirmar pela dor dos outros, pela capacidade de atingir os mais pobres, os debaixo. Fantasiada de rigor, a perseguição a Lula espalha injustiça e crueldade.
No final do dia, saberemos até onde o país foi capaz de regredir – e o que será preciso fazer para recuperar as perdas sofridas.
Em todo caso, sempre vamos lembrar que, em julgamento, estará o líder operário cujo governo nos ensinou que brasileiro é aquele que não desiste nunca.
Meio século depois de ter surgido na vida pública como a principal liderança operária de nossa história, Lula enfrenta a partir de amanhã uma das mais difíceis etapas de uma existência que teve início na luta pela reposição de perdas salariais de 1974 para questionar a partilha de poder e riquezas, no Brasil e mesmo em escala mundial, com a iniciativa de construção dos BRICs.
O cenário, nós sabemos, é o TRF-4. É ali que, três desembargadores definirão um novo passo - para um lado ou para outro - no destino de Lula.
Sabemos que, neste processo, uma condenação nada tem a ver com Justiça, e muito menos com o combate à corrupção. Qualquer observador isento já compreendeu que é impossível encontrar elementos racionais e fatos objetivos capazes de sustentar uma condenação de 9 anos e meio de prisão contra Lula. Estamos em outro universo.
A Justiça admite que o apartamento que está no foco de uma denúncia de quase dez anos nunca pertenceu a Lula ou a seus familiares. Sempre foi da OAS e, numa confirmação oficial dessa condição, há quinze dias teve a penhora autorizada pela juíza Luciana de Oliveira, de Brasília.
Para complicar, num país onde a Justiça funcionasse conforme as regras elementares do Direito, mesmo que o apartamento fosse de Lula o trabalho de investigação estaria longe de terminado. Ainda seria preciso provar que o imóvel não poderia ter sido adquirido legitimamente pela família Lula da Silva, que por sinal já tinha adquirido uma opção de compra do imóvel quando ele se encontrava na planta.
Depois disso, antes de qualquer conclusão ou sentença, seria necessário demonstrar que a aquisição fora fruto de operações suspeitas da OAS. Não seria coisa fácil difícil de fazer. Mesmo com dedicação exclusiva a Lava Jato, dezenas de delações premiadas e infinitos rastreamentos bancários e quebras de sigilo, Sérgio Moro admite que não pode demonstrar qualquer vínculo entre os contratos da Petrobras e o patrimônio de Lula.
Em 24 de janeiro, em Porto Alegre, temos, então, um uma construção teórica, uma conversa entre sócios e diálogos entre amigos, um relato imaginário alimentado por milhares de páginas de jornal, de programas de Tv, robôs de internet, que edificaram suspeita criminal que se tornou tão grande, tão dominadora e difícil de questionar.
Não estou falando de policiais, promotores e juízes diretamente envolvidos no caso, inclusive no STF. Estes fizeram apostas imensas neste processo. Seu futuro está vinculado a ele.
Mesmo pessoas honestas têm dificuldade de reconhecer a fraqueza e a falta de sentido da condenação.
Isso acontece por que a sentença contra Lula envolve valores e noções que conversam com as cavernas mais sombrias da cultura brasileira, aquela região da existência que algumas pessoas chamam de “alma”. Elas não precisam de "provas" para saber que Lula deve ser condenado. Dizem que isso é filigrana. Os destituídos de toda condição humana imaginam que é "conversa de rico".
Esta verdade foi ensinada pelos gritos de sufoco que muitos ouviram na infância, quando foram ensinados a não se meter naquilo que não é de sua conta. Nas cenas de brutalidade contra subalternos comuns em tantos momentos. Na permanente derrota dos fracos diante dos fortes. Nas salas de aula onde os mais moços perguntam aos velhos por que ali na rua uns tem muito e outros, tão pouco. É assim que nascem os elementos fundamentais da cultura de um país.
No Brasil de 2018, estamos diante daquilo que o professor Jessé Souza chama de ódio de classe aos pobres. Uma versão atualizada, pós-abolição, num século e meio de tantas esperanças e tão poucas realizações, da narrativa de Casa Grande & Senzala onde Gilberto Freire fala do “mórbido deleite” dos meninos brancos e ricos em maltratar crianças escravizadas. Sabemos que esse pensamento veio de três séculos de escravidão e 150 anos de opressão social, sucessivos regimes de força com raros e insuficientes intervalos democráticos.
Ficou para nós, herdeiros e sucessores, a pergunta fundamental, que é saber pela mudança que não houve, pelas esperanças que não se realizaram, pelos generosos projetos de mudança que surgiram ao longo de uma historia de 500 anos -- com tantas lideranças exemplares e corajosas -- mas acabaram em massacre e derrota.
Não vamos nos iludir. O julgamento de Lula, os bonecos infláveis, as ofensas a dona Marisa, o tratamento indecente dirigido aos filhos, compõem um sofrimento de espetáculo, um exibicionismo prepotente, que se delicia em reafirmar pela dor dos outros, pela capacidade de atingir os mais pobres, os debaixo. Fantasiada de rigor, a perseguição a Lula espalha injustiça e crueldade.
No final do dia, saberemos até onde o país foi capaz de regredir – e o que será preciso fazer para recuperar as perdas sofridas.
Em todo caso, sempre vamos lembrar que, em julgamento, estará o líder operário cujo governo nos ensinou que brasileiro é aquele que não desiste nunca.
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