Por Sergio Lírio, na revista CartaCapital:
Uma análise recente e profunda das finanças do Rio de Janeiro realizada pelo economista João Sicsú, professor da UFRJ, desmonta o senso comum de que os graves problemas financeiros do estado devem-se única e exclusivamente à corrupção.
“O problema mais relevante não é a quantidade de dinheiro que roubavam. Um problema ainda maior é que não tinham tempo, nem vontade ou ideias, para pensar no desenvolvimento do estado”, afirma. “A degradação da segurança pública, da saúde, da educação é apenas uma consequência das ideias da elite política que temos”.
“O problema mais relevante não é a quantidade de dinheiro que roubavam. Um problema ainda maior é que não tinham tempo, nem vontade ou ideias, para pensar no desenvolvimento do estado”, afirma. “A degradação da segurança pública, da saúde, da educação é apenas uma consequência das ideias da elite política que temos”.
Há um senso comum de que a corrupção é a causa única dos problemas atuais do Rio de Janeiro. Suas recentes análises das finanças do estado comprovam essa teoria?
É fácil colocar a responsabilidade na corrupção. Dessa forma, a análise se torna quase emocional. Mas a realidade é outra. A mais importante receita do estado do Rio de Janeiro vem da cobrança de ICMS. Existe uma forte correlação entre o número de desempregados e o volume real de ICMS arrecadado.
O desemprego aumentou em linha com o desastroso desempenho da economia brasileira. Em 2014, havia 450 mil desempregados no estado, hoje esse número triplicou, é de 1,3 milhão. Portanto, como esperado, as receitas de ICMS despencaram.
A segunda fonte de receitas vem das atividades do petróleo. Tais receitas tiveram uma redução de 70% em termos reais entre 2013 e 2017. Houve uma queda das principais receitas totalizando aproximadamente 20 bilhões de reais por ano.
Quais os maiores problemas que o estado enfrentou nos últimos anos?
Os governantes não tiveram a preocupação com o planejamento econômico e social. Predominou entre as elites políticas a cultura e a prática do patrimonialismo. E para tanto faziam de tudo para se manter no governo. E conseguiam. Infelizmente tinham votações extraordinárias. Não chegavam ao Palácio da Guanabara pela via do golpe, mas pelo voto popular. A degradação da segurança pública, da saúde, da educação é apenas uma consequência das ideias da elite política que temos. O problema mais relevante não é a quantidade de dinheiro que roubavam. Um problema ainda maior é que não tinham tempo, nem vontade ou ideias, para pensar no desenvolvimento do estado.
O caso do Rio de Janeiro é mais grave do que de outros estados da federação?
Sim, é mais grave. Há fatores estruturais e outros mais recentes no caso fluminense. Entre os estruturais, porque estabelecidos na Constituição, está por exemplo o ICMS do petróleo. O ICMS é cobrado para todos os produtos no estado de origem, exceto no caso do petróleo e da energia elétrica. Portanto, o Rio de Janeiro é muito prejudicado por ser um grande produtor de petróleo. Muitos avaliam que tal regra impõe uma perda anual de 8 bilhões de reais ao estado.
Entre os fatores mais recentes está a atuação da Operação Lava Jato. Enquanto a recessão causou o desemprego que pode ser revertido, a Lava Jato atinge as empresas. Impede que estaleiros possam fazer contrato ou receber dinheiro da Petrobras. Portanto, a Lava Jato fecha empresas (Estaleiros Mauá e Eisa) e paralisa obras (faz dois anos que há três navios inacabados no Mauá).
Além disso, o fim da regra de conteúdo mínimo nacional para a produção de navios, plataformas e embarcações para a Petrobras disseminou o desemprego na indústria naval do Rio de Janeiro. Eram mais de 30 mil trabalhadores nos estaleiros, hoje são menos de 5 mil.
O que o próximo governador do Rio de Janeiro encontrará pela frente?
O próximo governador somente poderá reverter o quadro de degradação econômica e social se conseguir convencer o governo federal a fazer um plano de investimentos sociais e de geração de empregos no estado. Não há solução local para o Rio de Janeiro. A saída é utilizar recursos federais. Tem de haver uma mudança total nas prioridades federais. Mudar a política econômica do governo federal e todas as leis que impeçam a recuperação do Brasil e do Rio de Janeiro deve ser o lema do próximo governador. Não haverá solução isolada, repito.
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