Por Jeferson Miola, em seu blog:
A censura ao vampiro neoliberalista no desfile das campeãs do carnaval representa novo flerte do golpe com o arbítrio. É uma medida que confirma, uma vez mais, uma possibilidade que não pode ser menosprezada, de evolução autoritária do regime de exceção – caso o judiciário atenda ao governo Temer e conceda ao exército o direito de cumprir mandados coletivos de prisão, busca e apreensão – dirigidos ao povo pobre nas favelas – a escalada arbitrária ganhará forte impulso.
A censura proíbe a liberdade de expressão e de opinião e cassa o direito à livre manifestação. A proibição do vampiro usar sua alegoria – a faixa presidencial – é uma forma de censura grave, que em nada difere da censura judicial que fechou a exposição de arte sobre diversidade sexual no museu do Banco Santander de Porto Alegre, em setembro de 2017.
A censura é uma medida de desespero, adotada por regimes que carecem de legitimidade e de apoio social para manter a dominação. Quanto mais ilegítimos e mais questionados socialmente, mais autoritários vão se tornando os regimes de exceção.
A censura, por isso, deve ser vista antes como um gesto de fraqueza que de força; uma reação de regimes fracos que espezinham a democracia, o Estado de Direito e as liberdades civis e políticas para manter seu esquema de poder.
O carnaval de 2018 foi o ponto culminante do sentimento difuso na sociedade, de resistência ao golpe e de denúncia da ditadura Globo-Lava Jato.
A sátira, a alegoria, o enredo desmontaram a narrativa farsesca da Globo e da Lava Jato e expuseram ao ridículo os paneleiros, os pato-amarelos, os fascistas, os rentistas, os golpistas, os justiceiros, os hipócritas morais, os manifestoches cínicos e a camarilha que tomou de assalto o poder.
O desfile da Paraíso do Tuiuti mostrou que a revolta está no ar. O entusiasmo popular com o vampiro neoliberalista também evidenciou que no subterrâneo do Brasil fervilha uma crítica radical de resistência ao golpe; uma resistência pulsante e enraizada.
A arte funciona como sentinela da mudança; é precursora da revolta, da rebelião e da revolução política e social. A cultura consegue captar primeiro e representar simbolicamente os sinais de mudança e os sentimentos de rebeldia e de insatisfação que vão florescendo numa sociedade agredida e humilhada.
A força revolucionária que desembocou na Revolução de 2017, por exemplo, se abasteceu das diferentes expressões culturais – cinema, literatura, música, teatro – que produziram as críticas radicais à Rússia czarista durante as décadas finais do século 19 – anos antes, portanto, do desfecho revolucionário de outubro de 2017. Figuras como Gogol, Tolstoi, Dostoievski, Turgueniev, Tchecov, Tchaikovski etc tiveram notável participação neste processo histórico.
Analogamente à experiência russa, o papel da bossa-nova, da MPB, do tropicalismo, da literatura, do teatro e do cinema brasileiro na resistência à ditadura civil-militar de 1964/1985 foi essencial para formar as consciências democráticas e populares que, anos depois, puseram fim à ditadura.
O carnaval foi um momento condensado de transbordamento da resistência democrática. O desfile da escola Paraíso do Tuiuti exportou ao mundo a indignação popular com o golpe, suas manipulações, seus retrocessos, seus ataques à democracia.
É claro que o golpe não vai terminar amanhã e a democracia não será restaurada no dia seguinte, porque a oligarquia golpista detém o poder econômico, o poder político-parlamentar, o poder judicial, o poder policial e, sobretudo, o poder de manipulação ideológica que exerce através dos seus aparelhos midiáticos, comandados pela Rede Globo.
Mas também está claro que a continuidade do golpe será acompanhada de uma resistência cada vez mais massiva, mais contundente e mais radicalizada, que conseguirá abreviar a duração do golpe e iniciar a reconstrução nacional e a restauração da democracia no Brasil.
No seria 1917!
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