Por Marco Aurélio Cabral Pinto, no site Brasil Debate:
Em cerca de um ano de nova administração, os EUA de D. Trump parecem dar os primeiros passos em estratégia nacional-desenvolvimentista inspirada em keynesianismo bélico dentro e fora do território pátrio. Em um ano, D. Trump visitou pouquíssimos países, sempre com propósito de anunciar a nova doutrina de segurança dos EUA. E de vender armas. Os campeões foram sistemas de mísseis-antimísseis e caças F-35 (nem Rússia, nem Inglaterra incluídos).
Ao mesmo tempo, a estratégia construída em 2017 encontra-se conjugada com esforço fiscal que projeta peso adicional sobre os ombros da sociedade difusa norte-americana em 2018. Como compensação para a classe média, previu-se no orçamento para 2018 diminuição significativa de impostos.
O objetivo do presente artigo é discutir a proposta de orçamento encaminhada por D. Trump ao Congresso e que levou a impasse de difícil encaminhamento em janeiro de 2018. Pretende-se argumentar que a falta de solidez do pacto político, firmado entre interesses contraditórios nos EUA, foi compensada por sacrifícios maiores impostos à sociedade difusa norte-americana no ano em curso.
Previsão para gastos militares repõe desaceleração no período B. Obama
A partir do segundo ano do primeiro mandato do presidente B. Obama, até a posse de D. Trump em janeiro de 2017, os gastos militares orçamentários nos EUA foram reduzidos a um mínimo histórico. Este resultado refletiu o enfraquecimento relativo, a partir de 2010, do complexo industrial-tecnológico-militar dentro do pacto político norte-americano.
Este enfraquecimento, contudo, foi atenuado pelo sucesso decenal obtido pela exportação de material e serviços de segurança (Figura 1a), a despeito de sustentáveis e crescentes déficits comerciais.
Ao termo do ano anterior, foram incluídas provisões orçamentárias para gastos nos EUA de até US$ 700 bilhões em 2018. Com isso, se retornará a patamar de gastos militares observado em 2012.
As prioridades para os gastos militares no orçamento de 2018 são:
1. Elevar a prontidão do sistemas de armas norte-americano: conjunto de programas de capacitação e mobilização de pessoal em situações de pronta-resposta.
2. Preencher lacunas em capacidade e letalidade das forças armadas: aumentar a capacidade dos EUA em responderem a ameaças aos interesses norte-americanos no mundo. Significa aumento na capacidade de ataque norte-americana, reafirmando-se a histórica filosofia de retaliação total.
3. Reforma em como as encomendas públicas serão realizadas: prevê aumento no poder decisório discricionário do Departamento de Estado.
4. Aumentar a confiança de militares e suas famílias: elevando-se benefícios previdenciários e soldo.
5. Apoiar operações internacionais especiais (Overseas Contingency Operations): Foco na operação Freedom’s Sentinel (OFS) no Afeganistão, operação Inherent Resolve (OIR) no Iraque e na Síria, maiores esforços no apoio a aliados europeus e luta global contra o terrorismo. Neste quesito estão previstos boa parte dos gastos incrementais em 2018.
Gastos em infraestrutura pelo Governo Federal dos EUA
Aproximadamente 20% dos gastos em infraestrutura nos EUA têm sido proveniente do Governo Federal. O restante aproximadamente dividido entre governos estaduais e municipalidades, de um lado, e setor privado. O Governo Federal entende que há excessiva dependência por parte dos entes subnacionais. No orçamento de 2018 foram quatro as prioridades para uso de recursos federais:
1. Realização de investimentos-chave: projetos que enderecem problemas de elevada prioridade para o país ou região. Ou ainda projetos que levem a mudanças estruturais em como a infraestrutura é desenhada, construída e mantida.
2. Encorajar autoajuda em entes subnacionais. se promoverá delegação de responsabilidade para instâncias subnacionais (aumento de participação do capital privado através de PPPs).
3. Privatização de ativos: como forma de promover eficiência e “poupar” recursos.
4. Alavancar o setor privado: maior eficiência na realização e na administração de projetos. A saída privilegiada serão as parcerias público-privadas e financiamento do tipo project finance.
Ou seja, examinada mais de perto, a estratégia para a infraestrutura norte-americana se dará através de pressões orçamentárias sobre os entes subnacionais, para que estes promovam parcerias público-privadas em concessões de serviços públicos.
Neste quesito, não há qualquer discordância entre as políticas adotadas no Brasil pós-golpe e o atual Governo dos EUA.
Esforço fiscal
Examinado o orçamento para 2018, percebe-se esforço fiscal considerável. Boa parte resultante da perda de direitos trabalhistas e de reformas na seguridade social (Tabela 1). Ou seja, as prioridades do gasto público: Infraestrutura e Forças Armadas serão custeadas fundamentalmente por reduções de direitos trabalhistas.
Desempenho bursátil de D. Trump
No primeiro ano do Governo D. Trump a bolsa de valores bateu recordes históricos (Figura 2), antecipando-se aumento de vigor industrial e tecnológico nos EUA para os próximos anos. Aparentemente, percebe-se que a política de conteúdo nacional mínimo contribuirá para a multiplicação dos efeitos de renda-emprego a serem criados com os investimentos em obras públicas e P&D com aplicações duais nos próximos anos.
Com isso, o Governo D. Trump espera que efeitos multiplicadores keynesianos decorrentes de compras governamentais e de redução de impostos venham a compensar as perdas de benefícios pela sociedade difusa. Espera-se assim atender aos interesses corporativos em saúde, transporte, educação, financeiros etc., que passarão a prover serviços privados de medicina, ensino, transporte e previdência, principalmente. Trata-se, em última instância, de aprofundamento do modelo neoliberal ou, ao menos, de atendimento parcial ao imperativo dos bancos em contrapor-se a tendência ao crescente endividamento em dólares do Governo Federal.
Com base nestes princípios tornou-se possível ao governo D. Trump formar pacto político em ambiente polarizado. Ou seja, através do orçamento público foi possível acomodarem-se recursos para investimentos em obras públicas e forças armadas sem, contudo, romper com “compromisso” de esforço fiscal – para isso, subtraem-se benefícios sociais em favorecimento ao desenvolvimento de fundos de previdência e operadoras de sistemas de saúde e educação privados. Ao mesmo tempo, introduz-se como interesse majoritário o complexo industrial-militar-tecnológico estadunidense, com generosas fatias do orçamento público.
Em síntese, um ano após o início do Governo D. Trump é possível identificar-se estratégia de atendimento simultâneo aos interesses de detentores do capital financeiro e de empreendedores tecnológico-industriais. Propôs-se pacto político pela abundância, em que todos ganham. Em detrimento do resto do mundo, incluindo-se trabalhadores norte-americanos.
Não obstante, o Governo D. Trump encontrou elevada dificuldade no encaminhamento do orçamento nos trâmites de aprovação no Congresso Nacional em janeiro de 2018. A rivalidade entre a riqueza industrial, territorializada, e o capital móvel, parece ultrapassar a própria capacidade da sociedade em acomodar crises mediante sacrifício adicional.
Em cerca de um ano de nova administração, os EUA de D. Trump parecem dar os primeiros passos em estratégia nacional-desenvolvimentista inspirada em keynesianismo bélico dentro e fora do território pátrio. Em um ano, D. Trump visitou pouquíssimos países, sempre com propósito de anunciar a nova doutrina de segurança dos EUA. E de vender armas. Os campeões foram sistemas de mísseis-antimísseis e caças F-35 (nem Rússia, nem Inglaterra incluídos).
Ao mesmo tempo, a estratégia construída em 2017 encontra-se conjugada com esforço fiscal que projeta peso adicional sobre os ombros da sociedade difusa norte-americana em 2018. Como compensação para a classe média, previu-se no orçamento para 2018 diminuição significativa de impostos.
O objetivo do presente artigo é discutir a proposta de orçamento encaminhada por D. Trump ao Congresso e que levou a impasse de difícil encaminhamento em janeiro de 2018. Pretende-se argumentar que a falta de solidez do pacto político, firmado entre interesses contraditórios nos EUA, foi compensada por sacrifícios maiores impostos à sociedade difusa norte-americana no ano em curso.
Previsão para gastos militares repõe desaceleração no período B. Obama
A partir do segundo ano do primeiro mandato do presidente B. Obama, até a posse de D. Trump em janeiro de 2017, os gastos militares orçamentários nos EUA foram reduzidos a um mínimo histórico. Este resultado refletiu o enfraquecimento relativo, a partir de 2010, do complexo industrial-tecnológico-militar dentro do pacto político norte-americano.
Este enfraquecimento, contudo, foi atenuado pelo sucesso decenal obtido pela exportação de material e serviços de segurança (Figura 1a), a despeito de sustentáveis e crescentes déficits comerciais.
Ao termo do ano anterior, foram incluídas provisões orçamentárias para gastos nos EUA de até US$ 700 bilhões em 2018. Com isso, se retornará a patamar de gastos militares observado em 2012.
As prioridades para os gastos militares no orçamento de 2018 são:
1. Elevar a prontidão do sistemas de armas norte-americano: conjunto de programas de capacitação e mobilização de pessoal em situações de pronta-resposta.
2. Preencher lacunas em capacidade e letalidade das forças armadas: aumentar a capacidade dos EUA em responderem a ameaças aos interesses norte-americanos no mundo. Significa aumento na capacidade de ataque norte-americana, reafirmando-se a histórica filosofia de retaliação total.
3. Reforma em como as encomendas públicas serão realizadas: prevê aumento no poder decisório discricionário do Departamento de Estado.
4. Aumentar a confiança de militares e suas famílias: elevando-se benefícios previdenciários e soldo.
5. Apoiar operações internacionais especiais (Overseas Contingency Operations): Foco na operação Freedom’s Sentinel (OFS) no Afeganistão, operação Inherent Resolve (OIR) no Iraque e na Síria, maiores esforços no apoio a aliados europeus e luta global contra o terrorismo. Neste quesito estão previstos boa parte dos gastos incrementais em 2018.
Gastos em infraestrutura pelo Governo Federal dos EUA
Aproximadamente 20% dos gastos em infraestrutura nos EUA têm sido proveniente do Governo Federal. O restante aproximadamente dividido entre governos estaduais e municipalidades, de um lado, e setor privado. O Governo Federal entende que há excessiva dependência por parte dos entes subnacionais. No orçamento de 2018 foram quatro as prioridades para uso de recursos federais:
1. Realização de investimentos-chave: projetos que enderecem problemas de elevada prioridade para o país ou região. Ou ainda projetos que levem a mudanças estruturais em como a infraestrutura é desenhada, construída e mantida.
2. Encorajar autoajuda em entes subnacionais. se promoverá delegação de responsabilidade para instâncias subnacionais (aumento de participação do capital privado através de PPPs).
3. Privatização de ativos: como forma de promover eficiência e “poupar” recursos.
4. Alavancar o setor privado: maior eficiência na realização e na administração de projetos. A saída privilegiada serão as parcerias público-privadas e financiamento do tipo project finance.
Ou seja, examinada mais de perto, a estratégia para a infraestrutura norte-americana se dará através de pressões orçamentárias sobre os entes subnacionais, para que estes promovam parcerias público-privadas em concessões de serviços públicos.
Neste quesito, não há qualquer discordância entre as políticas adotadas no Brasil pós-golpe e o atual Governo dos EUA.
Esforço fiscal
Examinado o orçamento para 2018, percebe-se esforço fiscal considerável. Boa parte resultante da perda de direitos trabalhistas e de reformas na seguridade social (Tabela 1). Ou seja, as prioridades do gasto público: Infraestrutura e Forças Armadas serão custeadas fundamentalmente por reduções de direitos trabalhistas.
Desempenho bursátil de D. Trump
No primeiro ano do Governo D. Trump a bolsa de valores bateu recordes históricos (Figura 2), antecipando-se aumento de vigor industrial e tecnológico nos EUA para os próximos anos. Aparentemente, percebe-se que a política de conteúdo nacional mínimo contribuirá para a multiplicação dos efeitos de renda-emprego a serem criados com os investimentos em obras públicas e P&D com aplicações duais nos próximos anos.
Com isso, o Governo D. Trump espera que efeitos multiplicadores keynesianos decorrentes de compras governamentais e de redução de impostos venham a compensar as perdas de benefícios pela sociedade difusa. Espera-se assim atender aos interesses corporativos em saúde, transporte, educação, financeiros etc., que passarão a prover serviços privados de medicina, ensino, transporte e previdência, principalmente. Trata-se, em última instância, de aprofundamento do modelo neoliberal ou, ao menos, de atendimento parcial ao imperativo dos bancos em contrapor-se a tendência ao crescente endividamento em dólares do Governo Federal.
Com base nestes princípios tornou-se possível ao governo D. Trump formar pacto político em ambiente polarizado. Ou seja, através do orçamento público foi possível acomodarem-se recursos para investimentos em obras públicas e forças armadas sem, contudo, romper com “compromisso” de esforço fiscal – para isso, subtraem-se benefícios sociais em favorecimento ao desenvolvimento de fundos de previdência e operadoras de sistemas de saúde e educação privados. Ao mesmo tempo, introduz-se como interesse majoritário o complexo industrial-militar-tecnológico estadunidense, com generosas fatias do orçamento público.
Em síntese, um ano após o início do Governo D. Trump é possível identificar-se estratégia de atendimento simultâneo aos interesses de detentores do capital financeiro e de empreendedores tecnológico-industriais. Propôs-se pacto político pela abundância, em que todos ganham. Em detrimento do resto do mundo, incluindo-se trabalhadores norte-americanos.
Não obstante, o Governo D. Trump encontrou elevada dificuldade no encaminhamento do orçamento nos trâmites de aprovação no Congresso Nacional em janeiro de 2018. A rivalidade entre a riqueza industrial, territorializada, e o capital móvel, parece ultrapassar a própria capacidade da sociedade em acomodar crises mediante sacrifício adicional.
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