Por Márcia Tiburi, no site Mídia Ninja:
Depois do evento em que me recusei a participar de um programa de rádio no qual, sem me avisar, convidaram um conhecido defensor do vazio do pensamento para falar, grupos de extrema direita têm se esforçado para atacar a minha imagem, recortando e editando entrevistas, vídeos e textos que circulam na internet. Não me espanta esse tipo de produção, que não é nenhuma novidade para ninguém. Todo cidadão que se expõe ou é exposto na internet, nas mídias, está sujeito a isso. Qualquer um que se expresse está sujeito a causar reações. Reações de ódio são, aliás, comuns diante da incapacidade de compreender a diferença ou da impotência frente a discursos e práticas que rompam a uniformidade gerada por manifestações rasas e pensamentos estereotipados. Em contextos democráticos essas reações significam algo diferente do que querem dizer em contextos autoritários, como é o que estamos vivendo nesse momento. Não entendemos o que é dito sem prestar atenção nos contextos e interesses com que são ditos.
Meus perfis em redes sociais foram invadidos mais uma vez por alguns manifestantes que praticam esse conhecido discurso de ódio, tão fácil de usar em nossa época, tão capitalizado, tão na moda. Nas redes sociais há também robôs a ocupar o espaço reservado aos comentários. Tenho bloqueado esses perfis falsos porque, além de tudo, não são humanos. Discursam como pessoas concretas. Emulam, recortam e colam frases de efeito como pessoas, mas não são pessoas. Não precisamos deixá-los em “ação” em nome de democracia alguma. Somos coniventes com esse jogo quando fazemos isso. Esses robôs são a prova de que há grupos econômicos e pessoas que querem apenas proliferar discursos vazios, ilusões e mentiras. Não sou a primeira vítima disso e não serei a última. É preciso frear esse gesto desumano perpetrado por pessoas e empresas voltadas à enganação e à mistificação, bem como à manipulação da imagem. Precisamos conversar mais sobre isso, pois podemos encontrar soluções em conjunto e novos caminhos a seguir na produção do espaço democrático, o que implica retirar da cena as armas antidemocráticas que se apresentam disfarçadas de “liberdade de expressão”. Não há liberdade de expressão em ações que pregam contra a dignidade humana e os demais direitos fundamentais.
Penso nas manifestações não-humanas, no uso dessa tecnologia de manifestação nada espontânea, totalmente programada. E penso que meu modesto lugar de professora de filosofia – bem como o lugar de todos os críticos do Estado Pós-Democrático e do capitalismo neoliberal, do machismo e do racismo -, esteja incomodando a ponto de precisarem recortar, editar e deturpar o que estou dizendo. Sinto pena também daqueles que não percebem que trabalham de graça para pessoas e grupos que acabam lucrando com as manifestações de ódio e as manipulações na rede.
Me lembro de outros momentos em que fui vítima de ódio. Minha relação com a televisão também rendeu muitas manifestações ao longo da vida. Não só de ódio, é verdade. Eu aprendi em meio a isso tudo que os afetos das pessoas são contagiosos e que, analisados quanto ao lugar de cada um, pertencem evidentemente a quem o emite, ainda que venha tocar o outro. Mas como eu não me sinto responsável por quem cativo nem pelo amor, nem pelo ódio alheio voltado à minha pessoa, sigo refletindo sobre os motivos e as condições históricas e sociais nas quais esse tipo de acontecimento emocional se concretiza na linguagem institucional ou cotidiana. Certamente aceito o amor de bom grado. O ódio, no entanto, continua merecendo análise, seja na forma de homofobia, misoginia, intolerância religiosa ou política, repulsa à intelectualidade e coisas do tipo. Perguntar por que amo isso ou aquilo e por que odeio nos ajudará a nos tornarmos seres humanos mais lúcidos.
Desde que escrevi Como conversar com um fascista – Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro (Record, 2015), as manifestações de ódio em relação a mim e ao meu livro não cessam. Há, no entanto, manifestações de amor. O livro parece ter se tornado um escudo para quem tem ironia, para quem sofre sob a fascistização dos meios de comunicação e das falas particulares, para quem vive em contato com pessoas cheias de preconceito ou tem familiares que em tudo demonstram sua personalidade autoritária.
No entanto, comprovei também, por meio da publicação do meu livro, que a ironia como uma figura de linguagem está em baixa. Diante disso, resolvi analisar a questão em Ridículo político (Record, 2017), uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. Infelizmente, muitos não leram os livros e não compreenderam sequer seus títulos (há pessoas que usam ambos erroneamente). Uns porque não podem, outros porque não querem, outros porque se comprazem ou têm outros motivos torpes para distorcer o que está escrito ali. Após escrever esses dois livros fui xingada muitas vezes de “fascista” e de “ridícula”, mas suspeito que quem me chame assim não tenha lido nenhum dos dois ou não compreenda as definições que usa. Há capítulos nesses livros que tratam desses temas, inclusive o da distorção como estratégia de manutenção da lógica autoritária. Eu pensei que, ao escrever sobre isso, poderia ajudar a pensar no que as pessoas realmente querem dizer.
Os livros realmente são mais longos, são mais complexos, exigem o desafio da leitura e nem todos estão disponíveis para isso pelos mais diversos motivos, desde motivos honestos, que vão do desinteresse à falta de tempo, até motivos desonestos, como a má fé e a vontade de distorcer.
No dia seguinte à transformação em espetáculo da simples recusa de legitimar um interlocutor famoso por posturas misóginas e frases feitas, na Rádio Guaíba de Porto Alegre, passei a receber novos xingamentos. Haters profissionais (ou inocentes úteis explorados sem saber) foram procurar algo de domínio público na internet, tal como uma entrevista ou um texto para causar efeitos de imagem. Passei a ser xingada por ter falado, em uma longa entrevista, a respeito de uma certa “lógica do assalto” antes do Golpe de 2016. Editaram, manipularam e descontextualizaram parte de uma fala complexa para iludir pessoas que foram levadas a perder o senso crítico. Manipulações e mentiras que vão ao encontro dos preconceitos e medos de parcela do povo costumam fazer sucesso.
Isso me fez lembrar da época em que me manifestei sobre a pichação no Cristo Redentor há alguns anos. Fui muito xingada. Praticamente só os próprios pichadores me entenderam. As pessoas que eram contra a pichação diziam: vamos pichar a sua casa. Eu, no entanto, nunca disse que queria que as casas das pessoas fossem pichadas. Nem torci para que isso acontecesse. Fiquei pensando: por que quem é contra a pichação é capaz de defendê-la apenas se for em relação a mim? Claro que eu entendi que as pessoas estavam querendo me fazer provar da minha própria lógica, mas não percebiam que não estavam avançando em argumentos que pudessem mostrar a profundidade do fenômeno social e do direito visual à cidade que a pichação suscitava, como coloquei naquela época.
Quando falei da pichação no Cristo Redentor, não perdi de vista meu respeito ao personagem Jesus e aqueles que creem nele religiosamente. Particularmente gosto do personagem Jesus, embora tenha uma profunda crítica ao cristianismo e às igrejas como instituições que administram a fé e usam seu nome. Eu, que pesquiso sobre a pichação, não a vejo como uma manifestação de ódio, ao contrário, vejo nela muito mais um desejo expressão, de ocupar espaço no território visual. Aliás, o que significa defender algo? Significa buscar uma compreensão profunda do fenômeno e ver como estamos implicados nele quando se trata de sustentar uma sociedade de direitos. Por isso, a presunção de inocência, por isso a necessidade social de advogados que defendem pessoas de crimes ou acusações. Quanto à questão da lógica do assalto, do roubo, da violência como um todo, não se trata de fomentá-la, mas de entendê-la e de perceber que ninguém é melhor do que ninguém apenas porque se sente moralmente superior em uma sociedade de injustiças sociais. Uma sociedade de profunda desigualdade geradora de todo tipo de violência.
Certamente já fui roubada, furtada e assaltada como a maior parte das pessoas que conheço, e certamente não gostei disso, mas a questão que eu levantei referia-se ao sentido do capitalismo como um sistema que impõe e administra a desigualdade, colocando um contingente enorme da população em estado de necessidade ou desespero. O capitalismo já é o grande roubo totalmente responsável pelo pequeno roubo. A corrupção é o capitalismo e o capitalismo é a corrupção, para falar de um tipo de “crime” para o qual ainda se tem dois pesos e duas medidas no Brasil. A desigualdade é a nossa questão e ela nos obriga a pensar em equações: se para uns o caminho inevitável é herdar a empresa da família e seguir com ela (e olhe que nem todo herdeiro burguês gosta desse destino), para outros o caminho oferecido no Brasil tem sido o do crime. Eu não quero simplesmente desresponsabilizar pessoas que praticam crimes com a minha fala, mas o fato de que a sociedade seja injusta para com as pessoas economicamente exploradas, lançadas nas práticas da violência, não pode ser apagado. Há toda uma história e uma tradição de exploração antes de um jovem negro praticar um assalto. Se esse jovem produz uma vítima, também ele é uma vítima da ausência secular de políticas públicas, de parcela da sociedade que já o demonizava antes do crime e, por fim, do estado penal. E pagará por ter nascido.
A questão da pichação já me fez escrever artigos, seja de revistas, seja acadêmicos; me fez apresentar trabalhos em congressos nacionais e internacionais sobre o tema, trabalhos que provavelmente pouca gente leu. De fato, falar como eu falei sempre pode causar impacto. Já os textos não causam, sobretudo os mais especializados da esfera acadêmica, porque praticamente não são lidos, já que pouca gente realmente quer falar mais sério ou ir até as últimas consequências de uma inquietação intelectual e de pesquisa. Quieta no meu canto, eu estaria protegida dos xingamentos naquela ocasião tanto quanto nesta. O que eu disse sobre o roubo se insere na minha reflexão sobre o capitalismo como violência essencial, estrutural, perpetrada contra todas e todos, (inclusive todes, palavra que vem irritando muita gente). A mentalidade neoliberal (seja em que tempo for) não pode gostar de colocações como as minhas e tentará de maneira torpe cancelar a minha fala.
Enquanto o Brasil desaba, exércitos de robôs e pessoas que não têm o que fazer, se ocupam em tentar me ofender, invadem minhas contas bancárias, criam factoides, notícias falsas, fofocas sobre mim e me fazem pensar no que eu mesma estou significando para pessoas nesse momento.
Sigo pensando e buscando compreender o Brasil no qual vivo porque esse é o meu dever histórico. Sempre disponível para a luta democrática e respeitosa, eu me disponho ao diálogo (embora me reserve ao direito de não gastar tempo presenciando monólogos repetitivos, slogans ideológicos etc) e continuarei bloqueando robôs e agentes do discurso de ódio para que a primavera do diálogo possa florir em paz.
Depois do evento em que me recusei a participar de um programa de rádio no qual, sem me avisar, convidaram um conhecido defensor do vazio do pensamento para falar, grupos de extrema direita têm se esforçado para atacar a minha imagem, recortando e editando entrevistas, vídeos e textos que circulam na internet. Não me espanta esse tipo de produção, que não é nenhuma novidade para ninguém. Todo cidadão que se expõe ou é exposto na internet, nas mídias, está sujeito a isso. Qualquer um que se expresse está sujeito a causar reações. Reações de ódio são, aliás, comuns diante da incapacidade de compreender a diferença ou da impotência frente a discursos e práticas que rompam a uniformidade gerada por manifestações rasas e pensamentos estereotipados. Em contextos democráticos essas reações significam algo diferente do que querem dizer em contextos autoritários, como é o que estamos vivendo nesse momento. Não entendemos o que é dito sem prestar atenção nos contextos e interesses com que são ditos.
Meus perfis em redes sociais foram invadidos mais uma vez por alguns manifestantes que praticam esse conhecido discurso de ódio, tão fácil de usar em nossa época, tão capitalizado, tão na moda. Nas redes sociais há também robôs a ocupar o espaço reservado aos comentários. Tenho bloqueado esses perfis falsos porque, além de tudo, não são humanos. Discursam como pessoas concretas. Emulam, recortam e colam frases de efeito como pessoas, mas não são pessoas. Não precisamos deixá-los em “ação” em nome de democracia alguma. Somos coniventes com esse jogo quando fazemos isso. Esses robôs são a prova de que há grupos econômicos e pessoas que querem apenas proliferar discursos vazios, ilusões e mentiras. Não sou a primeira vítima disso e não serei a última. É preciso frear esse gesto desumano perpetrado por pessoas e empresas voltadas à enganação e à mistificação, bem como à manipulação da imagem. Precisamos conversar mais sobre isso, pois podemos encontrar soluções em conjunto e novos caminhos a seguir na produção do espaço democrático, o que implica retirar da cena as armas antidemocráticas que se apresentam disfarçadas de “liberdade de expressão”. Não há liberdade de expressão em ações que pregam contra a dignidade humana e os demais direitos fundamentais.
Penso nas manifestações não-humanas, no uso dessa tecnologia de manifestação nada espontânea, totalmente programada. E penso que meu modesto lugar de professora de filosofia – bem como o lugar de todos os críticos do Estado Pós-Democrático e do capitalismo neoliberal, do machismo e do racismo -, esteja incomodando a ponto de precisarem recortar, editar e deturpar o que estou dizendo. Sinto pena também daqueles que não percebem que trabalham de graça para pessoas e grupos que acabam lucrando com as manifestações de ódio e as manipulações na rede.
Me lembro de outros momentos em que fui vítima de ódio. Minha relação com a televisão também rendeu muitas manifestações ao longo da vida. Não só de ódio, é verdade. Eu aprendi em meio a isso tudo que os afetos das pessoas são contagiosos e que, analisados quanto ao lugar de cada um, pertencem evidentemente a quem o emite, ainda que venha tocar o outro. Mas como eu não me sinto responsável por quem cativo nem pelo amor, nem pelo ódio alheio voltado à minha pessoa, sigo refletindo sobre os motivos e as condições históricas e sociais nas quais esse tipo de acontecimento emocional se concretiza na linguagem institucional ou cotidiana. Certamente aceito o amor de bom grado. O ódio, no entanto, continua merecendo análise, seja na forma de homofobia, misoginia, intolerância religiosa ou política, repulsa à intelectualidade e coisas do tipo. Perguntar por que amo isso ou aquilo e por que odeio nos ajudará a nos tornarmos seres humanos mais lúcidos.
Desde que escrevi Como conversar com um fascista – Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro (Record, 2015), as manifestações de ódio em relação a mim e ao meu livro não cessam. Há, no entanto, manifestações de amor. O livro parece ter se tornado um escudo para quem tem ironia, para quem sofre sob a fascistização dos meios de comunicação e das falas particulares, para quem vive em contato com pessoas cheias de preconceito ou tem familiares que em tudo demonstram sua personalidade autoritária.
No entanto, comprovei também, por meio da publicação do meu livro, que a ironia como uma figura de linguagem está em baixa. Diante disso, resolvi analisar a questão em Ridículo político (Record, 2017), uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. Infelizmente, muitos não leram os livros e não compreenderam sequer seus títulos (há pessoas que usam ambos erroneamente). Uns porque não podem, outros porque não querem, outros porque se comprazem ou têm outros motivos torpes para distorcer o que está escrito ali. Após escrever esses dois livros fui xingada muitas vezes de “fascista” e de “ridícula”, mas suspeito que quem me chame assim não tenha lido nenhum dos dois ou não compreenda as definições que usa. Há capítulos nesses livros que tratam desses temas, inclusive o da distorção como estratégia de manutenção da lógica autoritária. Eu pensei que, ao escrever sobre isso, poderia ajudar a pensar no que as pessoas realmente querem dizer.
Os livros realmente são mais longos, são mais complexos, exigem o desafio da leitura e nem todos estão disponíveis para isso pelos mais diversos motivos, desde motivos honestos, que vão do desinteresse à falta de tempo, até motivos desonestos, como a má fé e a vontade de distorcer.
No dia seguinte à transformação em espetáculo da simples recusa de legitimar um interlocutor famoso por posturas misóginas e frases feitas, na Rádio Guaíba de Porto Alegre, passei a receber novos xingamentos. Haters profissionais (ou inocentes úteis explorados sem saber) foram procurar algo de domínio público na internet, tal como uma entrevista ou um texto para causar efeitos de imagem. Passei a ser xingada por ter falado, em uma longa entrevista, a respeito de uma certa “lógica do assalto” antes do Golpe de 2016. Editaram, manipularam e descontextualizaram parte de uma fala complexa para iludir pessoas que foram levadas a perder o senso crítico. Manipulações e mentiras que vão ao encontro dos preconceitos e medos de parcela do povo costumam fazer sucesso.
Isso me fez lembrar da época em que me manifestei sobre a pichação no Cristo Redentor há alguns anos. Fui muito xingada. Praticamente só os próprios pichadores me entenderam. As pessoas que eram contra a pichação diziam: vamos pichar a sua casa. Eu, no entanto, nunca disse que queria que as casas das pessoas fossem pichadas. Nem torci para que isso acontecesse. Fiquei pensando: por que quem é contra a pichação é capaz de defendê-la apenas se for em relação a mim? Claro que eu entendi que as pessoas estavam querendo me fazer provar da minha própria lógica, mas não percebiam que não estavam avançando em argumentos que pudessem mostrar a profundidade do fenômeno social e do direito visual à cidade que a pichação suscitava, como coloquei naquela época.
Quando falei da pichação no Cristo Redentor, não perdi de vista meu respeito ao personagem Jesus e aqueles que creem nele religiosamente. Particularmente gosto do personagem Jesus, embora tenha uma profunda crítica ao cristianismo e às igrejas como instituições que administram a fé e usam seu nome. Eu, que pesquiso sobre a pichação, não a vejo como uma manifestação de ódio, ao contrário, vejo nela muito mais um desejo expressão, de ocupar espaço no território visual. Aliás, o que significa defender algo? Significa buscar uma compreensão profunda do fenômeno e ver como estamos implicados nele quando se trata de sustentar uma sociedade de direitos. Por isso, a presunção de inocência, por isso a necessidade social de advogados que defendem pessoas de crimes ou acusações. Quanto à questão da lógica do assalto, do roubo, da violência como um todo, não se trata de fomentá-la, mas de entendê-la e de perceber que ninguém é melhor do que ninguém apenas porque se sente moralmente superior em uma sociedade de injustiças sociais. Uma sociedade de profunda desigualdade geradora de todo tipo de violência.
Certamente já fui roubada, furtada e assaltada como a maior parte das pessoas que conheço, e certamente não gostei disso, mas a questão que eu levantei referia-se ao sentido do capitalismo como um sistema que impõe e administra a desigualdade, colocando um contingente enorme da população em estado de necessidade ou desespero. O capitalismo já é o grande roubo totalmente responsável pelo pequeno roubo. A corrupção é o capitalismo e o capitalismo é a corrupção, para falar de um tipo de “crime” para o qual ainda se tem dois pesos e duas medidas no Brasil. A desigualdade é a nossa questão e ela nos obriga a pensar em equações: se para uns o caminho inevitável é herdar a empresa da família e seguir com ela (e olhe que nem todo herdeiro burguês gosta desse destino), para outros o caminho oferecido no Brasil tem sido o do crime. Eu não quero simplesmente desresponsabilizar pessoas que praticam crimes com a minha fala, mas o fato de que a sociedade seja injusta para com as pessoas economicamente exploradas, lançadas nas práticas da violência, não pode ser apagado. Há toda uma história e uma tradição de exploração antes de um jovem negro praticar um assalto. Se esse jovem produz uma vítima, também ele é uma vítima da ausência secular de políticas públicas, de parcela da sociedade que já o demonizava antes do crime e, por fim, do estado penal. E pagará por ter nascido.
A questão da pichação já me fez escrever artigos, seja de revistas, seja acadêmicos; me fez apresentar trabalhos em congressos nacionais e internacionais sobre o tema, trabalhos que provavelmente pouca gente leu. De fato, falar como eu falei sempre pode causar impacto. Já os textos não causam, sobretudo os mais especializados da esfera acadêmica, porque praticamente não são lidos, já que pouca gente realmente quer falar mais sério ou ir até as últimas consequências de uma inquietação intelectual e de pesquisa. Quieta no meu canto, eu estaria protegida dos xingamentos naquela ocasião tanto quanto nesta. O que eu disse sobre o roubo se insere na minha reflexão sobre o capitalismo como violência essencial, estrutural, perpetrada contra todas e todos, (inclusive todes, palavra que vem irritando muita gente). A mentalidade neoliberal (seja em que tempo for) não pode gostar de colocações como as minhas e tentará de maneira torpe cancelar a minha fala.
Enquanto o Brasil desaba, exércitos de robôs e pessoas que não têm o que fazer, se ocupam em tentar me ofender, invadem minhas contas bancárias, criam factoides, notícias falsas, fofocas sobre mim e me fazem pensar no que eu mesma estou significando para pessoas nesse momento.
Sigo pensando e buscando compreender o Brasil no qual vivo porque esse é o meu dever histórico. Sempre disponível para a luta democrática e respeitosa, eu me disponho ao diálogo (embora me reserve ao direito de não gastar tempo presenciando monólogos repetitivos, slogans ideológicos etc) e continuarei bloqueando robôs e agentes do discurso de ódio para que a primavera do diálogo possa florir em paz.
* Publicado originalmente em Revista CULT.
Bravo! Chega de "pegadinhas" marotas aprontadas pela assim chamada "grande mídia".
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