Se alguém é assassinado neste país hoje ela será uma vítima ou a culpada de sua própria morte, a depender da raça, gênero, classe social, origem, orientação sexual e posição ideológica. Se for branco ou homem ou rico ou heterossexual ou de direita ou tudo isso junto será vítima. Se for negra ou pobre ou LGBT ou de esquerda ou tudo isso junto, “está colhendo o que plantou”.
Foi assim com Marielle e é assim com os ataques a bala contra a caravana do ex-presidente Lula. Felizmente, ninguém se feriu. Mas é preocupante que um governador de Estado do PSDB, adversário do petista, culpe a vítima pela violência sofrida, incitando a que haja mais violência ideológica. “Eles estão colhendo o que plantaram”, disse Geraldo Alckmin, ecoado pelo aliado João Doria. “O PT sempre utilizou da violência, agora sofreu da própria violência.”
Nesta quarta-feira, Alckmin voltou atrás e foi ao twitter condenar a ação, mas sem deixar de dar sua estocada em Lula, a vítima, por “provocar”, “convocando ao conflito”.
Lula tem o direito de viajar pelo país? Claro. Como todo cidadão, petistas têm o direito de ir e vir assegurado pela Constituição. Além disso, partir em caravana foi a maneira que o ex-presidente encontrou para se defender de uma condenação que ele e milhões de brasileiros consideram injusta, resultado da perseguição político-jurídico-midiática que Lula vem sofrendo. Se ele está fazendo campanha eleitoral antecipada? Ora, e quem não está?
Doria passou mais tempo viajando pelo país do que sentado na cadeira de prefeito. Basta conferir as redes sociais do próprio Alckmin para ver o governador paulista fazendo uso descarado da máquina para se promover à presidência da República. Imaginem o auê que seria se a situação fosse inversa: se petistas atirassem pedras e dessem tiros na direção dos tucanos em seus périplos pré-eleitorais. Contra petistas/esquerdistas? A culpa é da vítima.
À parte a legitimidade de Lula se deslocar por todas as regiões do país se assim o desejar, a reação de seus adversários e a tibieza da mídia comercial com o atentado deixam patente a estratégia da direita de culpar o PT e a esquerda em geral pelos males da nação. Primeiro, se criou um clima de ódio ao PT, atribuindo ao partido toda a corrupção da política; depois, tiraram os petistas do poder utilizando este ódio; então realizam seu projeto de governo excludente e autoritário; culpam mais uma vez o PT por levar a nação à ruína; e agora estão jogando nas costas do partido o ódio que eles mesmos incitaram. Culpam o PT até por levar tiro.
Diziam que o PT queria transformar o Brasil na Venezuela, mas nosso país caminha a passos céleres para se tornar uma Honduras. O país da América Central jamais se reencontrou com a democracia após o “golpe constitucional” de 2009 aplaudido pela direita brasileira. Pelo contrário, foi “premiada” com o título de “país mais perigoso do mundo para ser defensor do meio ambiente”, passou a criminalizar os movimentos sociais e a bater recordes de assassinatos de jornalistas e de defensores dos direitos humanos.
A execução de Marielle não foi a única desde que Michel Temer assumiu o poder. O site Opera Mundi elencou 20 execuções de líderes de movimentos sociais ocorridos desde o afastamento de Dilma, em abril de 2016, de um total de 25 assassinados nos últimos quatro anos. Temer também está batendo recordes nos assassinatos na disputa pela terra, outro fator em comum com Honduras: 65 pessoas foram assassinadas em conflitos no campo em 2017, segundo a Comissão Pastoral da Terra. Só falta agora uma eleição fraudulenta para completar o processo de “hondurização” do Brasil.
Uma das razões do “incômodo” dos ruralistas sulistas com a presença de Lula é justamente o fato de ele tocar no tema da reforma agrária durante a caravana, até porque o governo golpista não assentou nem uma única família no ano passado, algo que não acontecia em nosso país há 20 anos.
O Brasil está indo por um caminho tenebroso. Está na hora de a direita que não compactua com atentados a opositores, a direita verdadeiramente democrática, erguer a voz contra os agressores fascistas e não de incitar mais violência culpabilizando a vítima.
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