quinta-feira, 26 de abril de 2018

Direita e mídia espalham ódio nas redes

Por Dayane Santos, no site Vermelho:

A senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), tem denunciado a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diuturnamente. Além do Brasil, a repercussão da prisão arbitrária do ex-presidente ganhou as manchetes dos jornais e programas de TV do mundo. Desde o dia 7 de abril, Gleisi concedeu entrevista para a TV SIC de Portugal, Agência EFE da Espanha, France Press, BBC de Londres, rádios da América Latina, entre tantos outros meios de comunicação no mundo inteiro.


Mas foi a entrevista concedida à TV Al Jazeera, do Catar, que ganhou repercussão nacional e evidenciou o grau de manipulação e factoides montados pelos meios de comunicação e a direita conservadora.

A primeira sutil manipulação foi o tratamento dado por alguns veículos que tratavam a entrevista como “uma mensagem” da presidente do PT. Disse a revista Veja: “Na mensagem, Gleisi se dirige 'ao mundo árabe' para reverberar a cantilena petista de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “foi condenado por juízes parciais em um processo ilegal” e é um ‘preso político’”.

As declarações de Gleisi não diferem do conteúdo de denúncias que a senadora tem feito no Brasil. Na entrevista ela cita a liderança de Lula nas pesquisas eleitorais à Presidência da República e reforça que “o objetivo da prisão ilegal é não permitir que Lula seja candidato”.

“Há manifestações todos os dias em todos os lugares do país e há mais de uma semana nós estamos acampados em frente à Polícia Federal onde Lula está preso. Em todo mundo há manifestações de solidariedade ao ex-presidente e pedidos pela sua liberdade. Convido a todos e a todos a se juntarem conosco nessa luta”, conclui Gleisi Hoffmann.

A partir do mote da imprensa, a entrevista foi tratada como uma mensagem dirigida e nas redes sociais se transformou em “fato gravíssimo” e “urgente” e em crime contra a segurança nacional.

“Vejam só que eles estão recorrendo até aos muçulmanos para defender o Lula”, diz uma das mensagens. “Esse canal é Al Jazeera, mídia do Catar, financia inúmeros grupos terroristas. É totalmente antissionista, mas mesmo assim tem sede em Israel”, argumenta outro internauta revelando completo desconhecimento da realidade. O estado de Israel sequer permite que crianças palestinas passem por eles sem revistas, imagine se deixariam uma emissora supostamente inimiga se instalar.

Em outra postagem que viralizou nas redes foi a de Joice Hasselmann. Demitida da Jovem Pan e ex-Veja, a suposta jornalista e recém filiada ao PSL – pré-candidata ao senado - tem um canal do YouTube e mais de 500 mil seguidores no Facebook. Em 2016, surfando no golpe, escreveu uma biografia do juiz federal Sérgio Moro. No ano seguinte foi considerada pelo instituto ePoliticScholl (ePS) uma das personalidades mais influentes e notórias das redes sociais, no âmbito da temática política.

Joice se vangloria por ter, segundo ela, o “primeiro canal de TV de direita do país”. “Veja!!! E aos inimigos: rendam-se e os tratarei com piedade!”, afirma.

No vídeo sobre a entrevista de Gleisi ela dedica nada menos do que cerca de 25 minutos, Joice destila ódio e manipula a informação para criar o seu factoide. Ela afirmou que a senadora Gleisi Hoffmann “cometeu vários crimes que feriu pelo menos oito leis brasileiras com este vídeo que foi gravado para a TV Al Jazeera, que é a TV oficial da tropa lá no Oriente Médio”.

Segundo ela, tudo que é produzido pela emissora árabe é para “estimular o ódio. “Tudo é muito controlado para estimular o ódio constante aos judeus, a perseguição aos judeus, o nojo aos judeus, o asco aos judeus e até os desenhos que passam na Al Jazeera para as crianças muçulmanas são totalmente pensados e desenhados, a história e os enredos, para que as crianças tenham essa separação, tenha esse ódio pelos judeus”, disse ela.

O pior ainda estava por vi. Num discurso messiânico, ela continua a tecer comentários insuflando uma suposta “guerra santa”. “É estarrecedor... ela na prática faz um ataque ao Poder Judiciário, um ataque ao Sérgio Moro, um ataque às instituições brasileiras e diz que Lula é um preso político e, por isso, pede ajuda. Ajuda aos muçulmanos. Ajuda ao povo árabe. Ajuda a esse pessoal que em maior ou menor grau, a depender da região, ataca com frequência a moral judaico-cristã. E a gente sabe bem disso. E os ataques terroristas estão aí para comprovar essa história que não é novidade nem para mim, nem para você e nem para ninguém. Isso é fato, não precisam nem analisar muito”.

Para o jornalista e professor aposentado da Faculdade de Comunicação da USP, Laurindo Lalo Leal, esse tipo de postagem apenas dissemina “a ignorância e o ódio ao outro”. “Ela deixa claro o sentimento em relação ao muçulmano como se fossem uma entidade única. Estimula um ódio em relação a outra cultura, a outra religião”, enfatizou.

Segundo Renata Mielli, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, as redes sociais ou o que circula na internet é reflexo do que circula de maneira mais ampla na sociedade que é pautado pelos meios hegemônicos de comunicação.

“Não se pode tratar essas postagens como uma coisa exclusiva da internet, de uma pessoa ou um fenômeno isolado de pessoas mal informadas ou intencionadas. Na verdade, isso é reflexo de uma visão que está sendo estratificada na sociedade a partir da abordagem dos grandes meios de comunicação. O lastro para esse tipo de posicionamento, de argumento é aquilo que é dito todos os dias na grande mídia”, argumenta Renata, citando o editorial da Folha de S. Paulo do dia 18 de abril, intitulado “Truculentos e pueris”, que criminaliza as ocupações do MTST e do MST, em particular do tríplex no Guarujá. Cuja propriedade o juiz Moro diz ser de Lula, e da fazenda de Oscar Maroni, o dono de uma casa de prostituição em São Paulo.

“Esse editorial é uma peça de criminalização e propaganda de meio e ódio na sociedade em que acusam os movimentos sociais de terem afirmando que iriam fazer manifestações sangrentas contra a prisão do Lula”, enfatiza Renata.

Sedenta por holofotes, nesse caso de “curtidas”, para que seu vídeo viralize, Joice continua espumando em seu vídeo, utilizando técnicas e a narrativa jornalística para dizer que a senadora quer a “ajuda de terroristas”. Até esta segunda-feira (23), o post tinha mais de 60 mil curtidas, 40 mil compartilhamentos e mais de um milhão de visualizações.

“Como Gleisi Hoffman que ajuda desse pessoal que acompanha a Al Jazeera? Dessa turma dos muçulmanos que estão lá vivendo o terrorismo? Fazendo parte do terrorismo na veia. Ou faz parte ou são aniquilados”, disse ela. “Então não tem muita opção. Ou você entra na dança, você é terrorista e está disposto a ser terrorista ou está disposto a pagar com a vida. Então, como Gleisi Hoffman quer ajuda desse povo que acompanha a TV Al Jazera? Como Gleisi? Só há um jeito, não é? Com ataque terrorista. Então Gleisi Hoffman quer o quê? Quer importar terroristas para que se juntem aos terroristas brasileiros chamados de Movimento Sem-Terra, ou não são?”, indaga, revelando o seu real objetivo.

Os trechos foram apenas cinco minutos dos cerca de 25 gravados por ela. De acordo com o professor Lalo, se fosse analisar a conduta de Joice com base no Código de Ética dos Jornalistas, “só o fato dela não permitir uma outra visão do mesmo problema, é uma violação grave”.

Porém, o professor lembra que ela não é uma exceção. “Infelizmente, temos um contingente de jornalistas que são mais realistas do que o rei. Muitas vezes, mais conservadores que seus patrões ou empresa. Ela, por exemplo, não tem empresa. Esse é o grande problema do jornalismo nas redes sociais ou pretensos jornalistas. É um desserviço que ela presta ao jornalismo ético e ao próprio papel do jornalista na sociedade”, declarou.

Como Joice, milhares surfaram nessa teoria de ódio e manipulação e a grande mídia pouco ou nada fez para esclarecer o fato, apesar da repercussão. Entre os que ecoaram o discurso está o deputado federal Major Olímpio (PSL-SP), partido de Joice, e a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que decidiram fazer eco aos discurso paranoico e fascista propagada pela dita jornalista.

Olímpio protocolou na Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação contra a presidente do PT com base na Lei de Segurança Nacional, por supostamente ter violado à legislação e incitado governo ou grupo ameaçando a segurança do país. A imprensa destacou nas manchetes que Gleisi seria investigada, mas o que está aberto é um pedido de apuração extra-juducial, conhecido no meio jurídico como "notícia de fato", que é acatado a partir da Sala de Atendimento ao Cidadão do órgão.

Ana Amélia foi mais cuidados, mas não menos sedenta. Usou a tribuna do Senado para dizer que espera que o vídeo de Gleisi “não tenha sido para convocar o Exército Islâmico pra vir ao Brasil fazer as operações de proteção ao partido que perdeu o poder e agora parece ter perdido a compostura e o respeito e o apoio popular”.

Para o professor Lalo, esses discursos revelam o pensamento reducionista arraigado em parte da elite brasileira. “E é justamente esse reducionismo que garante a repercussão”, frisa o professor, que defende que o objetivo é criminalizar o PT e os movimentos sociais.

“Primeiro foi a Dilma, depois o Lula e agora os objetivos imediatos são as eleições, que podem vir a ser adiadas, e pegar o PT”, argumenta.

Já Renata Mielli afirma que a direita conservadora e os meios hegemônicos de comunicação se aproveitam da confusão e do temor, fruto do ódio propagado, para aprofundar uma visão política na sociedade que espalha o medo, criminaliza os movimentos sociais.

“Tanto a mídia hegemônica quanto essas pessoas que usam as redes sociais fazem isso sob o guarda-chuva da liberdade de expressão, mas esse tipo de posicionamento, principalmente de um veículo de mídia como a Folha de S. Paulo, não está sendo um direito de liberdade de expressão porque isso é abuso. É discurso de ódio. E discurso de ódio é crime. Essas pessoas precisam ser responsabilizadas por esse tipo de posicionamento, seja a Folha como veículos e comunicação, quanto a Ana Amélia e essa jornalista”, defende Renata.

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