Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:
Aproveitando-se do assassinato de Marielle Franco, é intitulado Civilização ou Barbárie, e foi publicado, como de hábito, nos Santos Evangelhos da direita brasileira, O Globo e O Estado de S. Paulo. O texto reapresenta as velhas ideias do ex-presidente e termina insinuando, pela milésima vez, que não há ninguém melhor que ele próprio para ser presidente da República.
O início chega a ser patético pelo provincianismo: “Passei as duas últimas semanas em Lisboa e Londres. Vi pela mídia a indignação provocada pelo assassinato de Marielle França, vereadora que denunciava os abusos contra os direitos humanos no Rio de Janeiro."
A menção a haver passado 15 dias na Europa serve a quê? Para seus argumentos, não faz a menor diferença que estivesse em sua fazenda no interior de Minas Gerais ou na Cochinchina. Pavonear-se como “viajado” é pura breguice.
A pouca familiaridade com as coisas do Brasil é evidente na oração que começa com “Vi pela mídia...” Desde a falta de empatia (FHC admite que apenas “viu” a indignação) até a desnecessária explicação de quem foi Marielle. Só para seus amigos londrinos seria preciso apresentá-la.
Afirma candidamente: “Senti de perto o drama vivido pelas populações das favelas cariocas quando participei do documentário Quebrando o Tabu”. Ao que parece, as semanas como ator contaram mais, para que “sentisse de perto o drama” das favelas, que os oito anos como presidente, os 60 anos como sociólogo, os 40 anos como líder político e os 86 anos como cidadão carioca. Se não o convidassem a estrelar o filme, continuaria a ter, dos moradores, a visão dos turistas.
Prestadas as homenagens a Marielle, o ex-presidente retorna ao ramerrão. “Não falo como homem de partido, mas como brasileiro: o Brasil precisa de lideranças que tenham capacidade de reunificar o
país em torno de alguns objetivos comuns.”
Chega a ser inacreditável que alguém com sua formação e trajetória insista em ideias tão triviais. Banalidades como essas são até comuns no dia a dia, mas Fernando Henrique sabe que não há democracia sem instituições, partidos políticos e processo eleitoral.
Embora goste de negar, é “homem de partido” e é uma inverdade dizer que não fala nessa qualidade. Até quando passa rasteiras em seus correligionários (o que faz com frequência) é um tucano típico.
Ao afirmar que “o Brasil precisa de lideranças que tenham capacidade...”, move-se em terreno minado. Um país democrático não requer “lideranças”, mas eleições livres, nas quais a vontade popular seja genuinamente respeitada, sem tutelas e revisões. Em plena ditadura, é possível haver, nos termos de FHC, “lideranças capazes” (ou que se julguem e proclamem “capazes”).
Vivemos um momento tão delicado, no qual o autoritarismo está de dentes arreganhados, pronto a morder, que o ex-presidente deveria ser mais claro. Afinal, o que é mais importante: “Líderes capazes” ou democracia?
FHC também tem de explicar o que entende por “reunificar o país em torno de alguns objetivos comuns”. Na democracia, os governos são eleitos para realizar programas, definidos de maneira difusa ou em detalhe. Os que vencem as eleições devem respeito às minorias, mas estão obrigados a cumprir o que foi prometido à maioria.
Ao se aproximar da conclusão, Civilização ou Barbárie envereda por caminho misterioso. O que terá querido dizer FHC quando assegurou que “nas circunstâncias atuais, a eleição do futuro presidente se torna agônica”? Em que sentido a eleição está em agonia?
Nos dicionários, agonia tem diversos significados: “Estertor”, “ânsia”, “aflição”, “náuseas”, “declínio que precede o fim”, “toque de sino que anuncia a morte” e outros assemelhados.
Seria bom imaginar que o tucano encontrou um modo tortuoso de alertar o País contra a intervenção conservadora que quer impedir que façamos uma eleição democrática em outubro. Que está aflito com o risco de que venha a prevalecer a aliança entre burguesia, mídia e os autoritários espalhados no Judiciário, no Ministério Público e no aparelho de Estado, que pretende tirar Lula da eleição e inventar um resultado a seu gosto.
Lamentavelmente, é pouco provável que seja esse seu recado. Fernando Henrique Cardoso fugiu tantas vezes de suas responsabilidades que não é agora que vai encontrar a coragem de se insurgir contra as ameaças que deixam agônica a democracia brasileira.
Em seu mais recente artigo, Fernando Henrique Cardoso se superou. Pouca gente acreditava que conseguisse ultrapassar as marcas anteriores, mas foi além. Fez pior que de costume.
Aproveitando-se do assassinato de Marielle Franco, é intitulado Civilização ou Barbárie, e foi publicado, como de hábito, nos Santos Evangelhos da direita brasileira, O Globo e O Estado de S. Paulo. O texto reapresenta as velhas ideias do ex-presidente e termina insinuando, pela milésima vez, que não há ninguém melhor que ele próprio para ser presidente da República.
O início chega a ser patético pelo provincianismo: “Passei as duas últimas semanas em Lisboa e Londres. Vi pela mídia a indignação provocada pelo assassinato de Marielle França, vereadora que denunciava os abusos contra os direitos humanos no Rio de Janeiro."
A menção a haver passado 15 dias na Europa serve a quê? Para seus argumentos, não faz a menor diferença que estivesse em sua fazenda no interior de Minas Gerais ou na Cochinchina. Pavonear-se como “viajado” é pura breguice.
A pouca familiaridade com as coisas do Brasil é evidente na oração que começa com “Vi pela mídia...” Desde a falta de empatia (FHC admite que apenas “viu” a indignação) até a desnecessária explicação de quem foi Marielle. Só para seus amigos londrinos seria preciso apresentá-la.
Afirma candidamente: “Senti de perto o drama vivido pelas populações das favelas cariocas quando participei do documentário Quebrando o Tabu”. Ao que parece, as semanas como ator contaram mais, para que “sentisse de perto o drama” das favelas, que os oito anos como presidente, os 60 anos como sociólogo, os 40 anos como líder político e os 86 anos como cidadão carioca. Se não o convidassem a estrelar o filme, continuaria a ter, dos moradores, a visão dos turistas.
Prestadas as homenagens a Marielle, o ex-presidente retorna ao ramerrão. “Não falo como homem de partido, mas como brasileiro: o Brasil precisa de lideranças que tenham capacidade de reunificar o
país em torno de alguns objetivos comuns.”
Chega a ser inacreditável que alguém com sua formação e trajetória insista em ideias tão triviais. Banalidades como essas são até comuns no dia a dia, mas Fernando Henrique sabe que não há democracia sem instituições, partidos políticos e processo eleitoral.
Embora goste de negar, é “homem de partido” e é uma inverdade dizer que não fala nessa qualidade. Até quando passa rasteiras em seus correligionários (o que faz com frequência) é um tucano típico.
Ao afirmar que “o Brasil precisa de lideranças que tenham capacidade...”, move-se em terreno minado. Um país democrático não requer “lideranças”, mas eleições livres, nas quais a vontade popular seja genuinamente respeitada, sem tutelas e revisões. Em plena ditadura, é possível haver, nos termos de FHC, “lideranças capazes” (ou que se julguem e proclamem “capazes”).
Vivemos um momento tão delicado, no qual o autoritarismo está de dentes arreganhados, pronto a morder, que o ex-presidente deveria ser mais claro. Afinal, o que é mais importante: “Líderes capazes” ou democracia?
FHC também tem de explicar o que entende por “reunificar o país em torno de alguns objetivos comuns”. Na democracia, os governos são eleitos para realizar programas, definidos de maneira difusa ou em detalhe. Os que vencem as eleições devem respeito às minorias, mas estão obrigados a cumprir o que foi prometido à maioria.
Ao se aproximar da conclusão, Civilização ou Barbárie envereda por caminho misterioso. O que terá querido dizer FHC quando assegurou que “nas circunstâncias atuais, a eleição do futuro presidente se torna agônica”? Em que sentido a eleição está em agonia?
Nos dicionários, agonia tem diversos significados: “Estertor”, “ânsia”, “aflição”, “náuseas”, “declínio que precede o fim”, “toque de sino que anuncia a morte” e outros assemelhados.
Seria bom imaginar que o tucano encontrou um modo tortuoso de alertar o País contra a intervenção conservadora que quer impedir que façamos uma eleição democrática em outubro. Que está aflito com o risco de que venha a prevalecer a aliança entre burguesia, mídia e os autoritários espalhados no Judiciário, no Ministério Público e no aparelho de Estado, que pretende tirar Lula da eleição e inventar um resultado a seu gosto.
Lamentavelmente, é pouco provável que seja esse seu recado. Fernando Henrique Cardoso fugiu tantas vezes de suas responsabilidades que não é agora que vai encontrar a coragem de se insurgir contra as ameaças que deixam agônica a democracia brasileira.
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