Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Mesmo num país no qual crimes políticos raramente são investigados, muito menos esclarecidos, a apuração sobre os três tiros contra dois ônibus da caravana de Lula já atinge um nível grotesco, justificando a certeza de que tudo será feito para que não se chegue a lugar nenhum - exatamente como ocorria nos piores momentos da ditadura militar.
Só para rememorar com três exemplos. Em 1971, quando o empresário Rubens Paiva foi torturado e morto, divulgou-se que havia escapado dos meganhas que o sequestraram e nunca mais fora visto. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, foi apresentado como suicídio, inclusive com foto forjada. Em 1981, o atentado a bomba do RioCentro, que poderia ter custado a vida de milhares de pessoas reunidas num show de 1 de Maio, no Rio de Janeiro, foi atribuído a uma organização armada, VPR.
Em março de 2018, num lamentável sinal de que tempos sombrios ameaçam voltar, a linha adotada para se investigar os tiros que atingiram a caravana é uma opção que contraria opinião de autoridades do próprio Paraná e os principais dados disponíveis até aqui. Como caminho para chegar aos responsáveis, a hipótese de que tudo não passou de um "disparo de arma de fogo com dano provocado", é uma opção sob medida para não se levar a lugar algum. Permite uma encenação investigatória que poderá resultar, no máximo, numa ação indenizatória -- quem sabe para pagar o serviço de funilaria na lataria dos ônibus.
Sabemos que essa opção ignora o ambiente de tumulto, ameaças e atos de violência que marcaram a caravana desde o início. Também contraria opiniões tecnicamente respeitadas, como a delegado Wilkinson Fabiano de Arruda, o primeiro a cuidar do caso, e do próprio procurador de Justiça do Paraná Olympio Sotto Mayor Neto. Não se pode esquecer o que eles já disseram.
Para o delegado, "se há disparo de arma de fogo em direção a diversas pessoas num ônibus, isso será considerado, num primeiro momento, tentativa de homicídio, aqui e em qualquer parte do mundo".
No mesmo raciocínio lógico, o procurador disse ao Valor Econômico: "Eu diria que quem atirou naquele ônibus assumiu o risco de matar alguém."Olympio Sotto Maior Neto também apontou indícios anteriores deixados nas redes sociais. Apontou conversas em que se faz referência a ovos e "miguelitos" até que, "em determinados momentos, começou-se a falar em utilização de armas de fogo".
Durante o regime militar, o esforço para acobertar crimes contra militantes de oposição era uma forma de proteger o aparato de repressão e seus integrantes. A divulgação de versões fantasiosas era sustentada sob um regime de força e intimidação, no qual a censura prévia garantia a última palavra a temas delicados. Assim, ninguém foi investigado, julgado ou punido.
Na campanha de 2018, a proteção aos pistoleiros serve de escudo a violência.
É sintomático que a reação de Bolsonaro diante dos tiros contra caravana tenha sido colocar a responsabilidade no próprio PT: "para mim, é algo feito por eles, para buscar a vitimização, como se o outro fosse violento e eles os pacíficos", disse.
Obviamente ninguém tem o direito de estranhar esse comportamento. Enquanto as hordas fascistas que atacaram as caravanas se apresentam como cabos eleitorais de Bolsonaro, ele próprio se coloca como o candidato que pretende submeter o país a um estado policialesco.
O lamentável é que meios de comunicação tradicionais, que se pretendem sérios, reproduzam essas palavras, sem comentários nem questionamentos. Sempre que se referem aos ataques, repetem a alegação de Bolsonaro, candidato que fez do gesto de disparar uma metralhadora a marca número 1 de sua campanha.
Com isso, os jornais contribuem para embaralhar a investigação e deixar no ar a impressão de que é possível atribuir uma gota de semelhança a uma declaração que obviamente não possui valor algum. Equivale, 43 anos depois, a dar credibilidade à tese de que Herzog havia cometido suicídio -- ato de covardia que nem a imprensa da época, sob censura e a imensa pressão de um país sob ditadura, não cometeu.
Acobertar os pistoleiros que atacaram a caravana é fazer o mesmo jogo do passado, agora num sinal invertido.
Os inquéritos truncados da ditadura militar ajudavam a conservar um regime moribundo. A linha de investigação de 2018 abre caminho para um estado policialesco, do qual Bolsonaro pretende, assumidamente, ser a voz na eleição presidencial.
A proteção aos pistoleiros do Sul, a falta de interesse para apurar quem são, de onde vieram, num ambiente geral de tolerância e impunidade, é a melhor forma de deixar o terreno livre para novos ataques fascistas durante a campanha.
Alguma dúvida?
Mesmo num país no qual crimes políticos raramente são investigados, muito menos esclarecidos, a apuração sobre os três tiros contra dois ônibus da caravana de Lula já atinge um nível grotesco, justificando a certeza de que tudo será feito para que não se chegue a lugar nenhum - exatamente como ocorria nos piores momentos da ditadura militar.
Só para rememorar com três exemplos. Em 1971, quando o empresário Rubens Paiva foi torturado e morto, divulgou-se que havia escapado dos meganhas que o sequestraram e nunca mais fora visto. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, foi apresentado como suicídio, inclusive com foto forjada. Em 1981, o atentado a bomba do RioCentro, que poderia ter custado a vida de milhares de pessoas reunidas num show de 1 de Maio, no Rio de Janeiro, foi atribuído a uma organização armada, VPR.
Em março de 2018, num lamentável sinal de que tempos sombrios ameaçam voltar, a linha adotada para se investigar os tiros que atingiram a caravana é uma opção que contraria opinião de autoridades do próprio Paraná e os principais dados disponíveis até aqui. Como caminho para chegar aos responsáveis, a hipótese de que tudo não passou de um "disparo de arma de fogo com dano provocado", é uma opção sob medida para não se levar a lugar algum. Permite uma encenação investigatória que poderá resultar, no máximo, numa ação indenizatória -- quem sabe para pagar o serviço de funilaria na lataria dos ônibus.
Sabemos que essa opção ignora o ambiente de tumulto, ameaças e atos de violência que marcaram a caravana desde o início. Também contraria opiniões tecnicamente respeitadas, como a delegado Wilkinson Fabiano de Arruda, o primeiro a cuidar do caso, e do próprio procurador de Justiça do Paraná Olympio Sotto Mayor Neto. Não se pode esquecer o que eles já disseram.
Para o delegado, "se há disparo de arma de fogo em direção a diversas pessoas num ônibus, isso será considerado, num primeiro momento, tentativa de homicídio, aqui e em qualquer parte do mundo".
No mesmo raciocínio lógico, o procurador disse ao Valor Econômico: "Eu diria que quem atirou naquele ônibus assumiu o risco de matar alguém."Olympio Sotto Maior Neto também apontou indícios anteriores deixados nas redes sociais. Apontou conversas em que se faz referência a ovos e "miguelitos" até que, "em determinados momentos, começou-se a falar em utilização de armas de fogo".
Durante o regime militar, o esforço para acobertar crimes contra militantes de oposição era uma forma de proteger o aparato de repressão e seus integrantes. A divulgação de versões fantasiosas era sustentada sob um regime de força e intimidação, no qual a censura prévia garantia a última palavra a temas delicados. Assim, ninguém foi investigado, julgado ou punido.
Na campanha de 2018, a proteção aos pistoleiros serve de escudo a violência.
É sintomático que a reação de Bolsonaro diante dos tiros contra caravana tenha sido colocar a responsabilidade no próprio PT: "para mim, é algo feito por eles, para buscar a vitimização, como se o outro fosse violento e eles os pacíficos", disse.
Obviamente ninguém tem o direito de estranhar esse comportamento. Enquanto as hordas fascistas que atacaram as caravanas se apresentam como cabos eleitorais de Bolsonaro, ele próprio se coloca como o candidato que pretende submeter o país a um estado policialesco.
O lamentável é que meios de comunicação tradicionais, que se pretendem sérios, reproduzam essas palavras, sem comentários nem questionamentos. Sempre que se referem aos ataques, repetem a alegação de Bolsonaro, candidato que fez do gesto de disparar uma metralhadora a marca número 1 de sua campanha.
Com isso, os jornais contribuem para embaralhar a investigação e deixar no ar a impressão de que é possível atribuir uma gota de semelhança a uma declaração que obviamente não possui valor algum. Equivale, 43 anos depois, a dar credibilidade à tese de que Herzog havia cometido suicídio -- ato de covardia que nem a imprensa da época, sob censura e a imensa pressão de um país sob ditadura, não cometeu.
Acobertar os pistoleiros que atacaram a caravana é fazer o mesmo jogo do passado, agora num sinal invertido.
Os inquéritos truncados da ditadura militar ajudavam a conservar um regime moribundo. A linha de investigação de 2018 abre caminho para um estado policialesco, do qual Bolsonaro pretende, assumidamente, ser a voz na eleição presidencial.
A proteção aos pistoleiros do Sul, a falta de interesse para apurar quem são, de onde vieram, num ambiente geral de tolerância e impunidade, é a melhor forma de deixar o terreno livre para novos ataques fascistas durante a campanha.
Alguma dúvida?
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