sexta-feira, 27 de abril de 2018

Liberdade de Lula terá de ser obtida na luta

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

O contra-ataque selvagem dos sentinelas da Lava Jato na mídia para condenar a decisão da 2a Turma do STF que retirou as delações premiadas de executivos da Odebrecht da guarda de Sérgio Moro para enviá-las a São Paulo é mais grave do parece.

Representa uma tentativa de definir um novo limite, ainda mais estreito, para o espaço de liberdade que pode ser usufruído por Lula - e, através dele, pelo PT, pelos movimentos sociais e dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras que se opõem ao projeto anti-nacional em curso desde o trágico abril de 2016.

Com ou sem eleição em outubro, o que se busca é construir uma democracia de fachada com essência de ditadura, sem garantias individuais elementares, um projeto sem lugar para qualquer adversário real, muito menos alternância no poder, agora ou por muitos e muitos anos. Este é o horizonte.

O impeachment sem crime de responsabilidade foi uma demonstração da ferocidade reservada aos adversários da nova ordem imperial, que desembarcou no país através de Temer-Meirelles.

Apoiada numa versão cruel e duradoura das "pedaladas fiscais", a prisão de Lula dá continuidade ao projeto inicial, a um esforço de reorganização geral do país -- economia, direitos sociais, sistema político -- a partir de linhas determinadas de fora para dentro, que não admitem confrontação nem pequenos desvios.

Ao confinar Lula numa solitária, a Lava Jato evidenciou sua tentativa de isolamento, o melhor caminho para o esquecimento forçado.

Ao impedir a visita do Premio Nobel Afonso Perez Esquivel, tenta-se diminuir sua estatura internacional.

O veto a visita de parlamentares -- que têm imunidade assegurada em lei -- confirma que a repressão tem prioridade sobre a Constituição.

A recusa ao atendimento médico demonstra uma opção deliberada para gerar todo tipo de desconforto na rotina do prisioneiro, presidente da República por dois mandatos, 72 anos.

A liberdade de Lula é a prioridade absoluta do momento e a única certeza é que se trata de um combate difícil.

Responsável por abrigar o mais longo período histórico no qual interesses populares puderam se fazer representar no Estado e colher, ao menos em parte, benefícios correspondentes, a Constituição de 1988 é o alvo de todos os dias e todas as horas, em ataques evidentes ou camuflados.

Foi e será combatida em todos os planos, sempre que se colocar como obstáculo no caminho de quem planeja ofender a liberdade dos cidadãos e esmagar os direitos dos humildes. Não surpreende, assim, que o artigo 5o, que define os direitos individuais, esteja no centro da disputa.

É assim na discussão -- longe de encerrada -- sobre o necessário transito em julgado para o cumprimento de sentença penal condenatória. Mais uma vez, a presidente Cármen Lúcia faz o possível para evitar o debate em torno de uma Ação Direta de Constitucionalidade, assinada pelo professor Celso Bandeira de Mello, um dos mais consagrados juristas brasileiros.

Também é assim em torno do princípio do "juiz natural", garantia constitucional que levou a 2a. Turma a afastar, por 3 votos a 2, as delações de executivos da Odebrecht que tentam incriminar Lula no Sítio em Atibaia.

Há caminhos legítimos para abrir a porta da prisão para Lula.

A base encontra-se numa fraqueza reconhecida da Lava Jato.

Cérebro da Operação, destinada a apurar corrupção na Petrobras, até agora Sérgio Moro não conseguiu demonstrar a conexão entre pagamentos de propina na estatal e os benefícios que aponta em Lula, seja o tríplex, sejam benfeitorias no sítio. Sem isso, a condenação de Lula pela Vara de Curitiba não se sustenta.

Entre as ilusões cultivadas nestes tempos tão difíceis, o país precisa despedir-se de uma das mais recentes. Por muito tempo se cultivou a noção de que haveria uma barganha no meio do caminho.

Conforme essa visão, Lula só precisaria desistir de disputar a presidência para garantir sua liberdade.

O Partido dos Trabalhadores resolveu registrar sua candidatura em agosto e está correto. É uma forma de defender os direitos de Lula e dos milhões de brasileiros que desejam lhe dar seu voto.

A reação à decisão da 2a. turma mostra que, candidato ou não, a liberdade de Lula dificilmente será produzida a partir de negociações pelo alto, mas como fruto de uma mobilização permanente para garantir seus direitos.

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