sexta-feira, 25 de maio de 2018

As trapalhadas no Banco Central

Por Paulo Nogueira Batista Jr., no Jornal GGN:

O que não faz um presidente inepto do Banco Central? Ilan Goldfajn conta com mais de US$ 380 bilhões de reservas internacionais em caixa (herdadas do período Lula/Dilma). A posição de balanço de pagamentos do país é sólida. Antes do início da turbulência no mercado, o estoque de swaps cambiais era de apenas US$ 24 bilhões. Mesmo assim, com todos esses trunfos na mão, o sujeito conseguiu se atrapalhar todo. No primeiro teste a que foi submetido, meteu os pés pelas mãos.

Primeiro trapalhada: diante de uma onda especulativa no mercado cambial, alimentada pela alta dos juros nos EUA, o Banco Central permaneceu inerte. Demorou várias semanas a agir, permitindo assim que a situação brasileira começasse a ser vista como pior do que realmente é. Com o real em queda livre, o Brasil corria o risco de ser equiparado a países em posição mais frágil, como a Argentina e a Turquia. A timidez do Banco Central criou terreno fértil para apostas unidirecionais no mercado, contribuindo para enfraquecer a moeda nacional.

Segunda trapalhada: a decisão do Copom (o Comitê de Política Monetária do Banco Central) de manter a taxa básica de juros em 6,5%, contrariando a expectativa generalizada de que haveria um corte adicional de 0,25 ponto percentual. Ocorre que a expectativa de corte havia sido alimentada pelo próprio presidente do Banco Central. Poucos dias antes da reunião do Copom, ele sinalizou que a taxa seria cortada, confirmando a percepção do mercado. Como disse um ex-diretor do Banco Central, Luis Eduardo Assis, foi como dar seta à esquerda e virar à direita.

A comunicação atabalhoada do Banco Central jogou lenha na fogueira, agravando a instabilidade e adicionando incerteza. Instalou-se a dúvida: Goldfajn sabe o que está fazendo? O que houve, provavelmente, foi um princípio de pânico no Banco Central com a forte pressão no mercado cambial. Resolveu-se então dar uma demonstração de “prudência”, mantendo os juros em 6,5%.

O pior é que havia razões de sobra para que a taxa de juro fosse reduzida. Não era por acaso que se consolidara a expectativa de diminuição. A inflação corrente está abaixo do esperado. Os chamados núcleos inflacionários (medidas de tendência da inflação) estão bem-comportados. As expectativas de inflação para 2018 e 2019 vinham retrocedendo. Além disso, o nível de atividade da economia patina desde o início do ano. Acumulam-se indicações de que a modesta recuperação iniciada no ano passado está arrefecendo em 2018, correndo até o risco de ser interrompida.

Há alguma razão para temer que a recente depreciação cambial vá modificar substancialmente o cenário para a inflação, justificando a decisão de não diminuir os juros? Não parece plausível. Algum impacto inflacionário sempre ocorre, uma vez que a depreciação tende a elevar os preços em reais dos bens e serviços importados e dos exportáveis. Mas o efeito dificilmente será expressivo. A economia está muito desaquecida e apresenta elevada capacidade ociosa. As expectativas de inflação estão “ancoradas”. Nesse ambiente, o coeficiente de repasse de câmbio para preços tende a ser baixo. A menos que a depreciação venha a ser muito maior e duradoura, o impacto inflacionário do câmbio será administrável.

Na verdade, a depreciação cambial, desde que não fuja do controle, é bem-vinda. Nas últimas décadas, a economia brasileira tem sofrido consideravelmente com períodos de grande e prolongada apreciação cambial. Com a alta dos preços e salários em dólares, as exportações brasileiras perderam rentabilidade e competitividade. O mesmo aconteceu com os setores que concorrem com importações de bens e serviços no mercado interno. A economia perdeu dinamismo e ficou exposta ao desequilíbrio externo a crises cambiais recorrentes.

A recente depreciação favorece a renda e a capacidade de competir dos setores que exportam e dos que competem com importações, ajudando por essa via a recuperação do nível de atividade e de emprego. Ao fortalecer a competitividade internacional da economia brasileira, ela impede que uma recuperação mais significativa da atividade econômica provoque um déficit perigoso no balanço de pagamentos em conta corrente. Além disso, o impacto da depreciação sobre as finanças públicas é favorável, uma vez que o setor público é credor líquido em moeda estrangeira.

De qualquer maneira, o tumulto das últimas semanas deixa um legado negativo. Os especuladores sentiram o pulso do presidente do Banco Central. E perceberam que ele não é de nada.

* Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

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