segunda-feira, 14 de maio de 2018

É preciso estar atento e forte

Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:

A legitimidade da eleição deste ano precisa ser construída com determinação. Não há nada garantido e a luta renhida para tirar Lula da disputa é um sinal claro de que tudo é possível para completar a estratégia do golpe, inclusive a instauração de outro golpe, ainda mais radicalmente antipopular. É preciso ficar de olho no gato.

Enquanto isso, a onda conservadora não dá trégua e segue no seu propósito de piorar o país até o limite da barbárie. Capitaneado pelas bancadas da bala, do boi e da Bíblia, o Congresso mantém em andamento pautas reacionárias, de defesa de interesses econômicos perniciosos e de intransigência moral. É fundamental ficar de olho no peixe.

A defesa de candidaturas representativas e de um processo eleitoral livre e plural, sem condução pelo ativismo judicial ou pelo poder econômico, é uma bandeira essencial. É o momento de ampliar o debate sobre propostas, de fortalecer a política, de apostar no papel saneador da democracia num contexto de arbítrio.

Mas a vanguarda do atraso está em ação e não se pode fraquejar a vigilância em torno de suas ações. Por obra e graça dos parlamentares ligados aos segmentos evangélicos mais conservadores – seguido por outros grupos de fascistas petizes –, o debate sobre a escola sem partido está avançando. Não é um acaso que a questão educacional tenha recebido prioridade pela bancada da Bíblia. O moralismo é um caminho seguro para a ideologia da exclusão.

O projeto da Escola sem Partido incluiu no texto discutido entre os deputados esta semana a proibição do uso da palavra “gênero” e da expressão “orientação sexual” em sala de aula, mesmo em disciplinas complementares. Imaginam viver em um mundo de anjos sem sexo e que não fazem sexo. Além disso, aprovou a obrigatoriedade da exibição de um cartaz em sala de aula, que elenca proibições do livre ensino por parte do professor. O mestre fica submetido ainda ao poder final da escolha familiar, sabe-se lá o que isso pode significar quando se pensa no domínio obscuro do universo fundamentalista de todas as vertentes.

De acordo com o texto apresentado, as ideias políticas, científicas e religiosas devem ser tratadas sem juízo de valor, como se todas se equivalessem e respondessem com o mesmo grau de veracidade às questões postas pelo desafio do conhecimento. Mesmo a dimensão ética, o conhecimento científico e os direitos humanos não podem ser chamados a contextualizar e dar dimensão histórica aos conteúdos ministrados em sala de aula. O preconceito passa a valer tanto quanto o saber.

Não satisfeitos em criar um fantasma inexistente – a “ideologia de gênero” – os parlamentares biblistas, numa péssima leitura fundamentalista da própria Bíblia, sem a saudável contribuição da história, abrem espaço para sedimentação dos nossos maiores defeitos em termos de civilização.

A ESP é o triunfo do machismo, da homofobia, da violência contra a mulher em todos os setores. A consagração da ignorância, o amortecimento da visão crítica e a justificação da desigualdade como destino. O fim da liberdade de cátedra. A troca da educação pela doutrinação.

Veneno
Na mesma inspiração, a bancada do boi também mostrou serviço esses dias. O projeto que flexibiliza o registro de produtos químicos nas lavouras, alterando a Lei dos Agrotóxicos, ganhou comissão especial e holofotes da mídia. Em resumo, o projeto retira a questão do registro e fiscalização do uso e comercialização dos venenos do âmbito do meio ambiente e da saúde pública, ficando a responsabilidade nas mãos da agricultura.

Até então, cada processo corria em seu trilho próprio: o Ministério da Saúde atestava que o produto não era prejudicial à saúde dos trabalhadores e consumidores; o Ibama seguia o rastro dos produtos no meio ambiente – ar, solo e águas -, e Ministério da Agricultura dava conta da comercialização. De um lado a saúde e o meio ambiente; de outro a oportunidade de negócio. A vida e o mercado. O mercado ganhou.

E não é só isso. O registro dos produtos deixa de obedecer a normas mais restritivas (nem tanto assim, já que o prato brasileiro é temperado de agrotóxicos em doses perigosas há muitos anos) e pode ser feito, provisoriamente. Basta que o produto tenha recebido autorização em outros três países. Em outras palavras, se o veneno é bom para os outros, deve ser bom também para nós. Atestamos nossa incompetência reguladora e barateamos o lobby das indústrias químicas.

Embalando esse produto altamente tóxico, está prevista até mesmo uma mudança no nome dos venenos, que passam a ser conhecidos como produtos “fitossanitários” ou de “controle ambiental”, para evitar uso depreciativo. O que o corpo não absorve e transforma em câncer, a legislação cura na linguagem e transmuta em lucro.

A defesa do projeto se escora na força econômica dos dois setores – agronegócio e indústria química – que vem despejando verbas em publicidade nos meios de comunicação, como quem espalha nuvens de veneno sobre as plantações. O que também não é dito é que a alternativa ao agronegócio, monocultor e intensivo em tecnologia, é não apenas sustentável em termos ambientais e sanitários, como também no setor econômico.

A vertente da agroecologia, sem uso de agrotóxicos, fertilizantes químicos e manejo inadequado do solo, tem sido decisiva naquilo que deveria de fato ser pop no setor agro: colocar alimento na mesa do brasileiro. A 3 ª Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada no Parque da Água Branca, em São Paulo, deu a dimensão de que outro mundo é possível na produção de alimentos saudáveis.

Insegurança
A bancada da bala, que se tornou protagonista das ações do governo federal de enfrentamento da questão da segurança, vem mostrando suas armas a todo momento. Na defesa da militarização da segurança pública, na retomada do debate sobre o estatuto do desarmamento, na tentativa de trazer de volta as discussões sobre a redução da maioridade penal.

Assumidamente punitivista, as estruturas da Justiça, Ministério Público e Polícia Federal se prontificam para dar sustentação a projetos de revisão das leis e práticas de segurança pública. Com direito a propostas de aumento de penas e justificação e cumprimento de prisões sem trânsito em julgado. A própria prática de execução penal se tornou, como no caso de Lula, uma forma de exercício de arbítrio e diferenciação entre os condenados. Além de injusta, desumana.

Ainda que a Justiça, sobretudo os tribunais federais, de segunda instância e superiores, se consideram senhores da lei, têm feito de tudo para merecer a companhia dos parlamentares de arma na cinta. Os modos podem ser outros (embora nem sempre), mas os intentos parecem os mesmos: a imposição do julgamento como uma sentença inquestionável, fruto de convicções e visões salvacionistas.

Enquanto as eleições não chegam, há muito o que fazer, todos dias, em todas as frentes de luta. Afinal, não é pouco enfrentar o veneno, a ignorância e a prepotência.

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