Por Ignacio González Bozzolasco, no blog Socialista Morena:
Ao mesmo tempo, durante 35 anos, ergueu um regime autoritário brutal. Deixou como saldo mais de 20 mil vítimas diretas de violações de direitos humanos, com 18772 pessoas torturadas, 9862 detidos de forma arbitrária, 3470 exilados, 336 desaparecidos e 59 executados extrajudicialmente, segundo os informes da Comissão da Verdade e da Justiça. O Paraguai tem atualmente uma população de 6,7 milhões de habitantes.
O pai do presidente eleito Mario Abdo Benítez, seu homônimo, formou parte do círculo mais íntimo do ditador, conhecido como o quarteto de ouro. Como secretário particular de Stroessner, Abdo Benítez desenvolveu o papel de articulador e referência da juventude colorada que respaldava o regime.
Durante a campanha presidencial, Abdo sempre evitou se colocar no lugar de defensor do ditador. Diante das perguntas sobre qual sua opinião em relação a Stroessner, tentou separar a política repressiva de outros aspectos do regime. “Não posso respaldar a tortura, a corrupção, o autoritarismo, a perseguição à imprensa”, disse, em uma entrevista ao jornal ABC, “mas, em seu momento, quando houver sentimentos menos apaixonados, se poderá fazer um julgamento mais equilibrado de Stroessner”.
É preciso reconhecer também que quase um terço dos votantes registrados no tribunal eleitoral nasceram em tempos de democracia. Neste sentido, pode ser que o resultado apertado tenha mais a ver com algumas das propostas e posturas conservadoras de Abdo. Antes de ser indicado como o candidato oficial do Partido Colorado, Marito começou a pré-campanha de 2017 criticando as políticas econômicas e sociais do presidente colorado Horacio Cartes. Inclusive o questionou sobre a utilização do cargo para facilitar a ampliação de seus negócios como magnata do tabaco.
Esta estratégia tentava capitalizar o desgaste geral com o Partido Colorado, após vários anos no poder. Este partido, que é o partido de Stroessner, governou o Paraguai de forma ininterrupta desde 1948. Em 2008, os paraguaios elegeram como presidente um sacerdote progressista, Fernando Lugo, mas ele foi destituído em 2012 antes de terminar seu mandato de cinco anos. Oficialmente, o Congresso destituiu o presidente após “a matança de Curuguaty”, uma violenta repressão policial a camponeses sem-terra que custou a vida de 11 agricultores e 6 policiais.
O Partido Colorado voltou ao poder em 2013, com a eleição do atual presidente Cartes.
Uma vez nomeado candidato oficial, Abdo se posicionou mais confortavelmente com posturas conservadoras tradicionais. Diante das posições mais progressistas de seu adversário, defendeu o serviço militar obrigatório para os jovens paraguaios, explicando que o serviço militar não é somente uma oportunidade de educação, mas “uma ferramenta a mais” para aquelas mães em situação de vulnerabilidade que não conseguem controlar os filhos. Abdo também se opôs às demandas feministas de descriminalizar o aborto no Paraguai e prometeu vetar qualquer tentativa de legalizar o casamento gay.
Em geral, estas bandeiras conservadoras não confrontavam posições de seu adversário nem respondiam a propostas concretas da sociedade civil paraguaia. Em minha concepção, não havia chance real de que o Paraguai impulsionasse leis contra o serviço militar obrigatório nem a favor do matrimônio igualitário nesta conjuntura. Mas incitar o medo do progressismo ajudou Abdo a colocar seu adversário em situações incômodas perante amplos setores da sociedade com acentuado pensamento conservador.
Ao mesmo tempo, projetou a si próprio como defensor dos valores tradicionais católicos latino-americanos, num momento em que toda a região está experimentando uma guinada à direita. Brasil, Argentina e Chile, anteriormente conhecidos por sua liderança de esquerda, também viram presidentes conservadores chegarem ao poder nos últimos anos.
Com o triunfo de Mario Abdo, o Paraguai continua inserido no caminho do conservadorismo em que se recolocou após a destituição de Lugo em 2012. O presidente eleito prometeu manter os impostos baixos e buscar melhores formas de investir na educação e na saúde.
Mas no Paraguai parece que o velho retorna com rostos remoçados. Há uma década, a entrada de figuras midiáticas, empresários como o presidente Cartes e outsiders como Lugo, um ex-bispo católico, à cena política fez alguns analistas vaticinarem que o Paraguai estava entrando em uma nova era política.
Ao que tudo indica, isso mudou. Os mesmos partidos de sempre voltaram a ser os grandes protagonistas das últimas eleições, tanto em nível nacional como local, com políticos profissionais nas principais candidaturas. Este retorno à política tradicional já começa a se notar nos primeiros nomes escolhidos pelo presidente eleito. Os primeiros anúncios de Abdo para seu gabinete foram na Chancelaria e no ministério do Interior, com dois políticos de longa trajetória.
Marcando uma diferença com seu antecessor, Cartes, que privilegiara burocratas e executivos do setor privado, Abdo voltou a considerar expoentes do Partido Colorado para o novo gabinete. Desta forma, o retorno às forças tradicionais de seu partido é a primeira marca do início de seu governo.
* Ignacio González Bozzolasco é professor de Política Comparada na Universidade Católica de Assunção.
Quase três semanas depois das eleições para presidente, congresso e governos regionais no Paraguai, os resultados das urnas permanecem causando polêmica. O vencedor, por uma diferença de apenas 3,7%, segundo os resultados parciais, foi o senador Mario Abdo Benítez, o “Marito”, candidato do Partido Colorado, que derrotou o adversário, o opositor Efraín Alegre, liberal, da Alianza Ganar.
A partir do início da contagem oficial dos votos começaram as denúncias e protestos. Entre acusações de fraude por parte da Alianza Ganar e o pedido de recontagem oficial, Alegre se negou a admitir a derrota. Tudo isso colocou em dúvida a confiabilidade não só dos resultados como do sistema eleitoral paraguaio como um todo, minha área de pesquisa acadêmica. No entanto, o triunfo de Abdo já é oficial.
Com 46 anos, Marito é filho do antigo secretário particular do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, que governou o país de 1954 a 1989. Stroessner encabeçou um processo de modernização conservadora que impulsionou o desenvolvimento de infraestrutura neste pequeno país sul-americano e o orientou para a agroindústria.
A partir do início da contagem oficial dos votos começaram as denúncias e protestos. Entre acusações de fraude por parte da Alianza Ganar e o pedido de recontagem oficial, Alegre se negou a admitir a derrota. Tudo isso colocou em dúvida a confiabilidade não só dos resultados como do sistema eleitoral paraguaio como um todo, minha área de pesquisa acadêmica. No entanto, o triunfo de Abdo já é oficial.
Com 46 anos, Marito é filho do antigo secretário particular do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, que governou o país de 1954 a 1989. Stroessner encabeçou um processo de modernização conservadora que impulsionou o desenvolvimento de infraestrutura neste pequeno país sul-americano e o orientou para a agroindústria.
Ao mesmo tempo, durante 35 anos, ergueu um regime autoritário brutal. Deixou como saldo mais de 20 mil vítimas diretas de violações de direitos humanos, com 18772 pessoas torturadas, 9862 detidos de forma arbitrária, 3470 exilados, 336 desaparecidos e 59 executados extrajudicialmente, segundo os informes da Comissão da Verdade e da Justiça. O Paraguai tem atualmente uma população de 6,7 milhões de habitantes.
O pai do presidente eleito Mario Abdo Benítez, seu homônimo, formou parte do círculo mais íntimo do ditador, conhecido como o quarteto de ouro. Como secretário particular de Stroessner, Abdo Benítez desenvolveu o papel de articulador e referência da juventude colorada que respaldava o regime.
Durante a campanha presidencial, Abdo sempre evitou se colocar no lugar de defensor do ditador. Diante das perguntas sobre qual sua opinião em relação a Stroessner, tentou separar a política repressiva de outros aspectos do regime. “Não posso respaldar a tortura, a corrupção, o autoritarismo, a perseguição à imprensa”, disse, em uma entrevista ao jornal ABC, “mas, em seu momento, quando houver sentimentos menos apaixonados, se poderá fazer um julgamento mais equilibrado de Stroessner”.
É preciso reconhecer também que quase um terço dos votantes registrados no tribunal eleitoral nasceram em tempos de democracia. Neste sentido, pode ser que o resultado apertado tenha mais a ver com algumas das propostas e posturas conservadoras de Abdo. Antes de ser indicado como o candidato oficial do Partido Colorado, Marito começou a pré-campanha de 2017 criticando as políticas econômicas e sociais do presidente colorado Horacio Cartes. Inclusive o questionou sobre a utilização do cargo para facilitar a ampliação de seus negócios como magnata do tabaco.
Esta estratégia tentava capitalizar o desgaste geral com o Partido Colorado, após vários anos no poder. Este partido, que é o partido de Stroessner, governou o Paraguai de forma ininterrupta desde 1948. Em 2008, os paraguaios elegeram como presidente um sacerdote progressista, Fernando Lugo, mas ele foi destituído em 2012 antes de terminar seu mandato de cinco anos. Oficialmente, o Congresso destituiu o presidente após “a matança de Curuguaty”, uma violenta repressão policial a camponeses sem-terra que custou a vida de 11 agricultores e 6 policiais.
O Partido Colorado voltou ao poder em 2013, com a eleição do atual presidente Cartes.
Uma vez nomeado candidato oficial, Abdo se posicionou mais confortavelmente com posturas conservadoras tradicionais. Diante das posições mais progressistas de seu adversário, defendeu o serviço militar obrigatório para os jovens paraguaios, explicando que o serviço militar não é somente uma oportunidade de educação, mas “uma ferramenta a mais” para aquelas mães em situação de vulnerabilidade que não conseguem controlar os filhos. Abdo também se opôs às demandas feministas de descriminalizar o aborto no Paraguai e prometeu vetar qualquer tentativa de legalizar o casamento gay.
Em geral, estas bandeiras conservadoras não confrontavam posições de seu adversário nem respondiam a propostas concretas da sociedade civil paraguaia. Em minha concepção, não havia chance real de que o Paraguai impulsionasse leis contra o serviço militar obrigatório nem a favor do matrimônio igualitário nesta conjuntura. Mas incitar o medo do progressismo ajudou Abdo a colocar seu adversário em situações incômodas perante amplos setores da sociedade com acentuado pensamento conservador.
Ao mesmo tempo, projetou a si próprio como defensor dos valores tradicionais católicos latino-americanos, num momento em que toda a região está experimentando uma guinada à direita. Brasil, Argentina e Chile, anteriormente conhecidos por sua liderança de esquerda, também viram presidentes conservadores chegarem ao poder nos últimos anos.
Com o triunfo de Mario Abdo, o Paraguai continua inserido no caminho do conservadorismo em que se recolocou após a destituição de Lugo em 2012. O presidente eleito prometeu manter os impostos baixos e buscar melhores formas de investir na educação e na saúde.
Mas no Paraguai parece que o velho retorna com rostos remoçados. Há uma década, a entrada de figuras midiáticas, empresários como o presidente Cartes e outsiders como Lugo, um ex-bispo católico, à cena política fez alguns analistas vaticinarem que o Paraguai estava entrando em uma nova era política.
Ao que tudo indica, isso mudou. Os mesmos partidos de sempre voltaram a ser os grandes protagonistas das últimas eleições, tanto em nível nacional como local, com políticos profissionais nas principais candidaturas. Este retorno à política tradicional já começa a se notar nos primeiros nomes escolhidos pelo presidente eleito. Os primeiros anúncios de Abdo para seu gabinete foram na Chancelaria e no ministério do Interior, com dois políticos de longa trajetória.
Marcando uma diferença com seu antecessor, Cartes, que privilegiara burocratas e executivos do setor privado, Abdo voltou a considerar expoentes do Partido Colorado para o novo gabinete. Desta forma, o retorno às forças tradicionais de seu partido é a primeira marca do início de seu governo.
* Ignacio González Bozzolasco é professor de Política Comparada na Universidade Católica de Assunção.
* Artigo publicado originalmente no site The Conversation. Tradução de Cynara Menezes.
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