Por Luiza Dulci, no site Outras Palavras:
Antonio Gramsci, importante teórico marxista e fundador e militante do Partido Comunista Italiano, viveu num dos períodos mais efervescentes do século XX, os anos 1920, quando os movimentos operários viviam o auge da sua organização política em diversos países do continente. A esperança revolucionária, no entanto, foi derrotada pela ascensão dos movimentos fascistas, dos quais o próprio Gramsci foi vítima direta. Na prisão, dedicou-se àquela que é sua obra mais conhecida, Os cadernos do cárcere, escrita, portanto, no calor do fracasso revolucionário.
Décadas mais tarde, em 1987, à luz das ideias gramsciana, o sociólogo Stuart Hall [1] publicou um breve artigo intitulado Gramsci and us(Gramsci e nós), no qual buscava compreender as bases de apoio ao regime de Margaret Thatcher. Ao invés de esperar respostas para as questões de seu tempo, Hall visitava o pensamento gramsciano para inspirar-se nos questionamentos lá presentes. Que questionamentos são esses? Gramsci investigou a natureza e a composição da direita; o processo que propiciou o encontro de forças políticas distintas, reunidas no que ele chamou de bloco histórico e que resultou na constituição do então novo cenário conservador.
A incoerência aglutinadora do discurso conservador
Stuart Hall empregou as ideias de Gramsci para analisar o cenário a partir da década de 1970 até 1987, período em a direita passou a viabilizar um novo projeto, uma nova agenda política e, fundamentalmente, ideológica. Como sabemos, a nova agenda se contrapunha aos pilares que sustentavam o Estado de Bem Estar Social inglês: a macroeconomia keynesiana e o compromisso de classe entre capital e trabalho. Hall escreveu, portanto, às voltas com um momento de crise, sobre o qual as diversas forças políticas se movimentavam. E a experiência histórica nos ensina que os momentos de crise costumam ser bem aproveitados pela direita, com a ampliação de seu alcance na sociedade. Colocam-se, pois, questões como: o que são os movimentos de direita e quem são eles? Quais interesses eles representam?
Para Hall, aí residia (e reside) o pecado da esquerda, uma vez que julgamos saber, de antemão, quem são eles, quando, na verdade, não o sabemos. Ao encararmos a direita como algo homogêneo, deixamos de captar aspectos-chave de sua constituição, estratégia e repertório de atuação. De fato, não é trivial decodificar um segmento que atua de forma incoerente, reúne interesses diversos, mobiliza discursos variados e contraditórios para públicos também variados. O ideário por eles mobilizado dirige-se a públicos tão distintos quanto o grande capital internacional, as burguesias nacionais, os médios e pequenos empresários da cidade e do campo, as classes médias e até mesmo a classe trabalhadora e os pobres.
Enquanto a esquerda subestima o alcance de uma ideologia incoerente, a direita sai na frente e mobiliza discursos fáceis, que falam aos ouvidos das pessoas. É o que Gramsci chamava de ideologia orgânica, que articula diferentes sujeitos, identidades, projetos e aspirações. Em vez de refletir a unidade na diferença, a ideologia orgânica constrói a unidade na diferença – daí sua enorme potência.
Resgato este texto de Stuart Hall porque sua análise das razões da popularidade do governo Thatcher nos ajudam a pensar o Brasil de hoje. Ele se perguntava: Como um projeto que visa desmontar direitos e reverter conquistas sociais históricas se viabiliza politicamente?
As explicações são tão variadas quanto controversas, podendo ser menos ou mais economicistas, menos ou mais culturalistas (o cinquentenário de Maio/1968 não nos deixa relegar a importância do assunto). Mas o fato é que o apoio popular ao governo Thatcher não tinha a ver com suas ações no plano das políticas públicas e com a materialidade da vida cotidiana. Ao contrário, sua fortaleza estava na promoção da agenda liberalizante e na construção de um ideal modernizador, que se dirigia aos temores, às ansiedades e às identidades perdidas da população inglesa. Enquanto seu governo empregava a gramática do imaginário coletivo e das fantasias inglesas, dizia Stuart Hall, a esquerda via-se apegada aos argumentos das políticas públicas e das condições da reprodução social do dia a dia.
Esse ponto é chave para o argumento aqui pretendido. Vivemos num Brasil dividido. O projeto da esquerda venceu os últimos quatro pleitos eleitorais e foi tirado do governo em um controverso processo de impeachment da presidenta Dilma, que levou a uma guinada na agenda à direita. (Não desconsideramos, portanto, a diferença radical entre Inglaterra e Brasil, uma vez que Thatcher venceu eleições e Temer não). De 2015 para cá vimos o que para muitos era inimaginável: o desmonte do Estado brasileiro, a extinção de diversas políticas públicas, a reversão de legislações e normas ambientais, educacionais e trabalhistas, alterações constitucionais drásticas e a entrega do patrimônio (empresas e recursos naturais) nacional ao capital internacional. O conflito de classe se aprofunda a cada dia e é visível a ascensão de grupos de direita, muitos dos quais de ideologia e repertório propriamente fascista.
Se a percepção do golpe – não necessariamente em relação à tramitação formal, mas em relação à agenda – já é sentida pela maior parte da população, como explicamos a sustentação ou a sobrevida do atual governo Temer? Como explicamos a vitória de sujeitos que não possuem sequer cerimônia para aflorar suas posições antipovo? E mais: como explicamos a adesão popular a candidaturas que encampam projetos conservadores e mesmo fascistas ao Executivo e ao Legislativo? Como isso é possível considerando o cenário de aumento da pobreza e da desigualdade, do desemprego e da informalidade, de redução dos salários e do crédito, do corte de direitos sociais, do aumento da violência no campo e na cidade e da repressão aos movimentos sociais?
As respostas, apontaram Gramsci e Stuart Hall, devem ser buscadas na ideologia mobilizada pela direita, que visa tanto construir uma unidade alternativa, ainda que incoerente, aos projetos progressistas, quanto atingir seus núcleos de resistência .
O capitalismo contra a democracia
Se por um lado é possível identificar semelhanças entre a Inglaterra dos anos 1980 e o Brasil dos dias de hoje, por outro lado sabemos que há diferenças marcantes. Foucault diagnosticou a emergência da nova ontologia neoliberal – vis a vis o capitalismo liberal de até então – ainda em 1978/79, em suas aulas sobre o nascimento da biopolítica [2]. O que mudou de lá para cá? Quais novidades históricas importam? Quais os efeitos do aumento da desigualdade e da concentração de poder dela decorrente? Como os 99% se expressam politicamente em cada país? Quais os efeitos da distopia produzida e difundida pelo neoliberalismo sobre a aposta popular na democracia e sobre seu potencial transformador?
A esperança de que a crise de 2007/8 pudesse solapar ou ao menos enfraquecer a hegemonia neoliberal não se concretizou. Ao contrário, vimos o aprofundamento da lógica rentista sobre as diversas dimensões da vida humana e a guinada política conservadora em boa parte do mundo, em muitos casos apoiando-se em candidaturas de “fora da política” em países como Inglaterra, Estados Unidos, França, Argentina, Colômbia e tantos outros. O Brasil integra esse quadro global.
Ainda que a (in)compatibilidade entre capitalismo e democracia não seja uma discussão recente, o cenário atual é considerado dramático. À medida que a racionalidade neoliberal se estende do mercado para o Estado e para a sociedade, governos e pessoas são estimulados a pensar e a agir como empresas, buscando a maximização de seus interesses em meio a um ambiente competitivo. Valores como a igualdade e a garantia dos direitos das minorias perdem o sentido e a própria crença no ideal democrático é fragilizada. São duas as reações mais comuns diante deste cenário: o desespero por conta do que seria um apocalipse político; e o desligamento e a descrença na política. O que vem a seguir? Estão abertos os espaços para reivindicações e clamores populares por outras formas de organização política que vocalizam promessas radicais mais assertivas, quase sempre de ordem autoritária – que, diga-se de passagem, são recorrentes na história brasileira.
O ponto que defendo neste texto direciona-se à urgência de repensarmos nosso discurso na luta política no Brasil de hoje. O tema das políticas públicas, do dinheiro no bolso, deve seguir sendo mobilizado. No entanto, ele é insuficiente para conquistar corações e mentes — ou não estaríamos onde estamos, dado estrago já feito pelo governo golpista. Tampouco podemos restringir nossa linha argumentativa à ideia do “já fizemos e vamos fazer de novo”.
Precisamos trazer à baila questões que dialoguem com as subjetividades das pessoas e que sejam capazes de despertá-las para um projeto político maior, ideologicamente definido, onde caibam sonhos e utopias. Precisamos atualizar e (re) construir nosso projeto recuperando um dos anseios que motivaram a criação do PT: transformar a forma e o conteúdo da política – lembrando que forma também é conteúdo e vice-versa. A prisão de Lula é um ponto de inflexão que abre espaço para essa guinada. Cabe a nós expor publicamente as motivações de sua prisão, de maneira que cada cidadã e cidadão possa refletir sobre o sentido e os desdobramentos desse fato político sobre suas vidas e seus projetos de vida.
Essa não será uma tarefa fácil, pois um dos efeitos do avanço do neoliberalismo é esvaziar os espaços de contestação existentes na democracia e minar a própria crença das pessoas na política. A boa notícia é que o processo não está dado. Ao contrário do que preconizam análises marxistas mais esquemáticas, onde a política é uma arena que apenas reflete identidades coletivas já dadas, Gramsci mostrou-nos que ela é uma arena de construção de interesses e de identidades coletivas. O resultado das lutas políticas está aberto e nos convida à luta. Como nos orientou Lula, nossa tarefa é construir a primavera.
Notas
[1] O sociólogo Stuart Hall (1932-2014) foi um dos pioneiros do campo dos estudos culturais e fundador da famosa revista acadêmica de esquerda, New Left Review. De origem jamaicana, Hall construiu sua vida acadêmica majoritariamente na Inglaterra, até seu falecimento em Londres.
[2] O significado e a singularidade do que Foucault chama de biopolítica está ligado à imposição da racionalidade neoliberal não propriamente pela força, mas pelo discurso, pela disciplina, pela norma. E quando necessário, quando esgotados esses recursos, pelo emprego da violência explícita.
Antonio Gramsci, importante teórico marxista e fundador e militante do Partido Comunista Italiano, viveu num dos períodos mais efervescentes do século XX, os anos 1920, quando os movimentos operários viviam o auge da sua organização política em diversos países do continente. A esperança revolucionária, no entanto, foi derrotada pela ascensão dos movimentos fascistas, dos quais o próprio Gramsci foi vítima direta. Na prisão, dedicou-se àquela que é sua obra mais conhecida, Os cadernos do cárcere, escrita, portanto, no calor do fracasso revolucionário.
Décadas mais tarde, em 1987, à luz das ideias gramsciana, o sociólogo Stuart Hall [1] publicou um breve artigo intitulado Gramsci and us(Gramsci e nós), no qual buscava compreender as bases de apoio ao regime de Margaret Thatcher. Ao invés de esperar respostas para as questões de seu tempo, Hall visitava o pensamento gramsciano para inspirar-se nos questionamentos lá presentes. Que questionamentos são esses? Gramsci investigou a natureza e a composição da direita; o processo que propiciou o encontro de forças políticas distintas, reunidas no que ele chamou de bloco histórico e que resultou na constituição do então novo cenário conservador.
A incoerência aglutinadora do discurso conservador
Stuart Hall empregou as ideias de Gramsci para analisar o cenário a partir da década de 1970 até 1987, período em a direita passou a viabilizar um novo projeto, uma nova agenda política e, fundamentalmente, ideológica. Como sabemos, a nova agenda se contrapunha aos pilares que sustentavam o Estado de Bem Estar Social inglês: a macroeconomia keynesiana e o compromisso de classe entre capital e trabalho. Hall escreveu, portanto, às voltas com um momento de crise, sobre o qual as diversas forças políticas se movimentavam. E a experiência histórica nos ensina que os momentos de crise costumam ser bem aproveitados pela direita, com a ampliação de seu alcance na sociedade. Colocam-se, pois, questões como: o que são os movimentos de direita e quem são eles? Quais interesses eles representam?
Para Hall, aí residia (e reside) o pecado da esquerda, uma vez que julgamos saber, de antemão, quem são eles, quando, na verdade, não o sabemos. Ao encararmos a direita como algo homogêneo, deixamos de captar aspectos-chave de sua constituição, estratégia e repertório de atuação. De fato, não é trivial decodificar um segmento que atua de forma incoerente, reúne interesses diversos, mobiliza discursos variados e contraditórios para públicos também variados. O ideário por eles mobilizado dirige-se a públicos tão distintos quanto o grande capital internacional, as burguesias nacionais, os médios e pequenos empresários da cidade e do campo, as classes médias e até mesmo a classe trabalhadora e os pobres.
Enquanto a esquerda subestima o alcance de uma ideologia incoerente, a direita sai na frente e mobiliza discursos fáceis, que falam aos ouvidos das pessoas. É o que Gramsci chamava de ideologia orgânica, que articula diferentes sujeitos, identidades, projetos e aspirações. Em vez de refletir a unidade na diferença, a ideologia orgânica constrói a unidade na diferença – daí sua enorme potência.
Resgato este texto de Stuart Hall porque sua análise das razões da popularidade do governo Thatcher nos ajudam a pensar o Brasil de hoje. Ele se perguntava: Como um projeto que visa desmontar direitos e reverter conquistas sociais históricas se viabiliza politicamente?
As explicações são tão variadas quanto controversas, podendo ser menos ou mais economicistas, menos ou mais culturalistas (o cinquentenário de Maio/1968 não nos deixa relegar a importância do assunto). Mas o fato é que o apoio popular ao governo Thatcher não tinha a ver com suas ações no plano das políticas públicas e com a materialidade da vida cotidiana. Ao contrário, sua fortaleza estava na promoção da agenda liberalizante e na construção de um ideal modernizador, que se dirigia aos temores, às ansiedades e às identidades perdidas da população inglesa. Enquanto seu governo empregava a gramática do imaginário coletivo e das fantasias inglesas, dizia Stuart Hall, a esquerda via-se apegada aos argumentos das políticas públicas e das condições da reprodução social do dia a dia.
Esse ponto é chave para o argumento aqui pretendido. Vivemos num Brasil dividido. O projeto da esquerda venceu os últimos quatro pleitos eleitorais e foi tirado do governo em um controverso processo de impeachment da presidenta Dilma, que levou a uma guinada na agenda à direita. (Não desconsideramos, portanto, a diferença radical entre Inglaterra e Brasil, uma vez que Thatcher venceu eleições e Temer não). De 2015 para cá vimos o que para muitos era inimaginável: o desmonte do Estado brasileiro, a extinção de diversas políticas públicas, a reversão de legislações e normas ambientais, educacionais e trabalhistas, alterações constitucionais drásticas e a entrega do patrimônio (empresas e recursos naturais) nacional ao capital internacional. O conflito de classe se aprofunda a cada dia e é visível a ascensão de grupos de direita, muitos dos quais de ideologia e repertório propriamente fascista.
Se a percepção do golpe – não necessariamente em relação à tramitação formal, mas em relação à agenda – já é sentida pela maior parte da população, como explicamos a sustentação ou a sobrevida do atual governo Temer? Como explicamos a vitória de sujeitos que não possuem sequer cerimônia para aflorar suas posições antipovo? E mais: como explicamos a adesão popular a candidaturas que encampam projetos conservadores e mesmo fascistas ao Executivo e ao Legislativo? Como isso é possível considerando o cenário de aumento da pobreza e da desigualdade, do desemprego e da informalidade, de redução dos salários e do crédito, do corte de direitos sociais, do aumento da violência no campo e na cidade e da repressão aos movimentos sociais?
As respostas, apontaram Gramsci e Stuart Hall, devem ser buscadas na ideologia mobilizada pela direita, que visa tanto construir uma unidade alternativa, ainda que incoerente, aos projetos progressistas, quanto atingir seus núcleos de resistência .
O capitalismo contra a democracia
Se por um lado é possível identificar semelhanças entre a Inglaterra dos anos 1980 e o Brasil dos dias de hoje, por outro lado sabemos que há diferenças marcantes. Foucault diagnosticou a emergência da nova ontologia neoliberal – vis a vis o capitalismo liberal de até então – ainda em 1978/79, em suas aulas sobre o nascimento da biopolítica [2]. O que mudou de lá para cá? Quais novidades históricas importam? Quais os efeitos do aumento da desigualdade e da concentração de poder dela decorrente? Como os 99% se expressam politicamente em cada país? Quais os efeitos da distopia produzida e difundida pelo neoliberalismo sobre a aposta popular na democracia e sobre seu potencial transformador?
A esperança de que a crise de 2007/8 pudesse solapar ou ao menos enfraquecer a hegemonia neoliberal não se concretizou. Ao contrário, vimos o aprofundamento da lógica rentista sobre as diversas dimensões da vida humana e a guinada política conservadora em boa parte do mundo, em muitos casos apoiando-se em candidaturas de “fora da política” em países como Inglaterra, Estados Unidos, França, Argentina, Colômbia e tantos outros. O Brasil integra esse quadro global.
Ainda que a (in)compatibilidade entre capitalismo e democracia não seja uma discussão recente, o cenário atual é considerado dramático. À medida que a racionalidade neoliberal se estende do mercado para o Estado e para a sociedade, governos e pessoas são estimulados a pensar e a agir como empresas, buscando a maximização de seus interesses em meio a um ambiente competitivo. Valores como a igualdade e a garantia dos direitos das minorias perdem o sentido e a própria crença no ideal democrático é fragilizada. São duas as reações mais comuns diante deste cenário: o desespero por conta do que seria um apocalipse político; e o desligamento e a descrença na política. O que vem a seguir? Estão abertos os espaços para reivindicações e clamores populares por outras formas de organização política que vocalizam promessas radicais mais assertivas, quase sempre de ordem autoritária – que, diga-se de passagem, são recorrentes na história brasileira.
O ponto que defendo neste texto direciona-se à urgência de repensarmos nosso discurso na luta política no Brasil de hoje. O tema das políticas públicas, do dinheiro no bolso, deve seguir sendo mobilizado. No entanto, ele é insuficiente para conquistar corações e mentes — ou não estaríamos onde estamos, dado estrago já feito pelo governo golpista. Tampouco podemos restringir nossa linha argumentativa à ideia do “já fizemos e vamos fazer de novo”.
Precisamos trazer à baila questões que dialoguem com as subjetividades das pessoas e que sejam capazes de despertá-las para um projeto político maior, ideologicamente definido, onde caibam sonhos e utopias. Precisamos atualizar e (re) construir nosso projeto recuperando um dos anseios que motivaram a criação do PT: transformar a forma e o conteúdo da política – lembrando que forma também é conteúdo e vice-versa. A prisão de Lula é um ponto de inflexão que abre espaço para essa guinada. Cabe a nós expor publicamente as motivações de sua prisão, de maneira que cada cidadã e cidadão possa refletir sobre o sentido e os desdobramentos desse fato político sobre suas vidas e seus projetos de vida.
Essa não será uma tarefa fácil, pois um dos efeitos do avanço do neoliberalismo é esvaziar os espaços de contestação existentes na democracia e minar a própria crença das pessoas na política. A boa notícia é que o processo não está dado. Ao contrário do que preconizam análises marxistas mais esquemáticas, onde a política é uma arena que apenas reflete identidades coletivas já dadas, Gramsci mostrou-nos que ela é uma arena de construção de interesses e de identidades coletivas. O resultado das lutas políticas está aberto e nos convida à luta. Como nos orientou Lula, nossa tarefa é construir a primavera.
Notas
[1] O sociólogo Stuart Hall (1932-2014) foi um dos pioneiros do campo dos estudos culturais e fundador da famosa revista acadêmica de esquerda, New Left Review. De origem jamaicana, Hall construiu sua vida acadêmica majoritariamente na Inglaterra, até seu falecimento em Londres.
[2] O significado e a singularidade do que Foucault chama de biopolítica está ligado à imposição da racionalidade neoliberal não propriamente pela força, mas pelo discurso, pela disciplina, pela norma. E quando necessário, quando esgotados esses recursos, pelo emprego da violência explícita.
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