sábado, 19 de maio de 2018

Os privatistas de palanque

Por André Araújo, no site da Fundação Maurício Grabois:

Na esteira da cruzada moralista rebrotou com mais força do que em 1994 a campanha pela privatização das empresas estatais brasileira, agora não por uma razão econômica como no governo FHC e sim por questões morais, para evitar a corrupção.

Jornalistas políticos e comentaristas de economia malham a tecla da privatização de todas as estatais para evitar corrupção, o que serve como uma luva para o ultra neoliberalismo que quer a privatização por razões ideológicas, na esteira de que o mercado é sempre melhor que o Estado. As correntes assim se encaixam, os moralistas e os neoliberais se dão as mãos para juntos liquidarem com as empresas estatais e venderem tudo o que o Estado criou a partir dos anos 50 e no caso do Banco do Brasil e Caixa antes da própria Republica, com a finalidade de promover o desenvolvimento de um País que patinava na estagnação.

Alguns gurus econômicos de vários candidatos são privatistas fanáticos, alguns candidatos são eles próprios de fé privatizante e assim pode-se considerar que a cruzada moralista deu um reforço aos ideólogos do mercado na atual crise politica brasileira, uma ideia que estava no arquivo da historia dos anos 90 é ressuscitada fora de época, não há no mundo uma onda privatista renovada, as prioridades e os desafios de hoje são de outra natureza, a Era Thatcher acabou, mas esqueceram de avisar aos privatistas brasileiros congelados no tempo.

Os grandes alvos são a Petrobras, o Banco do Brasil, a Eletrobras, a Caixa Econômica e o BNDES, instituições de Estado, fundamentais para o desenvolvimento econômico brasileiro desde os anos 50 e através desses instrumentos o Brasil já teve a maior taxa de crescimento médio de um País na segunda metade do Século XX e a maior taxa em um único ano, com crucial participação das grandes estatais, locomotivas desse desenvolvimento.

A referência internacional
Das vinte maiores empresas de petróleo do mundo, 13 são estatais e elas detém 91,4% das reservas mundiais. Na própria Europa companhias petrolíferas estratégicas se mantem estatais e nem se pensa em privatiza-las, como a STATOIL da Noruega. As quatro primeiras petroleiras do ranking das 20 maiores são estatais (Sinopec, China National Peroleum, Saudi Aramco, Petro China).

Na Europa grandes empresas estatais são eixos da economia de países ricos e de economia solida. As estatais fizeram parte da formação econômica da Europa operando dentro do modelo de combinação entre Estado e mercado nas circunstancias de cada época, havendo ainda o caso de grandes multinacionais privadas com forte participação do Estado, caso da Renault, embora geridas como se fossem empresas privadas.

Empresas como a EdF, a grande companhia de energia elétrica da França, a Enel, companhia elétrica da Itália, a SNCF, a companhia das ferrovias francesa, a Deutsche Bahn, a companhia ferroviária alemã, FS, a companhia ferroviária da Itália, o padrão das ferrovias por toda a Europa é de empresas estatais, assim como bancos, empresas de energia e de telecomunicações, na Suécia são 49 empresas estatais com valor de mercado de 60 bilhões de dólares, submetidas ao Serviço Nacional de Auditoria, padrão de referencia no mundo.

A França tem em conjunto com Itália, Espanha e Alemanha o Airbus Group, segunda maior empresa aeronáutica do mundo, onde os governos tem 26% do capital e através de acordo de acionistas o efetivo controle da empresa, a RAI maior rede de televisão e radio da Itália, França e Itália tem larga tradição de grandes e eficientes empresas estatais como eixo da economia.

Na Alemanha o Estado da Baixa Saxônia controla a Volkswagen, uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo, o grupo inclui Audi e Porsche, e o Estado federal alemão controla a Deutsche Telekon, a grande empresa de telecomunicações que inclusive tem forte participação na British Telecom. O Estado federal tem 15% da DT e o banco de fomento estatal KfG tem 16% da DT, o que dá ao Estado o controle efetivo Dessa mega empresa.

O Estado federal alemão é dono do grande banco de fomento KfG, financiador de exportações alemãs, além de banco de fomento , a Alemanha tem também uma rede de 11 bancos regionais controlados por Estados federados, importantes para a economia alemã.

A Coreia do Sul tem estatais que controlam a energia, as ferrovias, o petróleo e as telecomunicações, o Estado direciona também as grandes empresas privadas como a Posco, a maior siderúrgica sul coreana e coordena de forma central os grandes conglomerados.

No México a energia elétrica é estatal através da Comission Federal de Electricidad e obviamente a Pemex, primeira estatal de petróleo do mundo.

No Chile é estatal a Codelco, a maior produtora de cobre do mundo e eixo central da economia chilena, O Chile é um pais paladino da economia de mercado na América Latina, MAS não abre mão do controle estratégico de sua maior matéria prima de exportação, o cobre, sob absoluto controle do Estado chileno sobre a maior empresa do Pais.

No Japão o Estado controla a maior parte das ferrovias, a telefonia, o tabaco.

Países com 40 a 50% da economia estatizada são a Polônia, Singapura, Israel, Noruega, Suécia, Hungria, Romênia, Áustria, Malásia, nem aqui cite-se países menores.

Na Holanda o Estado controla o maior banco, o ABN e a maior parte dos serviços públicos.

Mesmo nos EUA, referencia do neoliberalismo, há setores que permanecem estatais como a geração de energia hidroelétrica (TVA), o financiamento à agricultura e às exportações, a grande maioria dos transportes coletivos nas áreas metropolitanas, os portos e aeroportos, o transporte ferroviário de passageiros (AMTRAK), o saneamento em geral, o financiamento a exportação (EXIMBANK), o financiamento à construção naval (Maritime Commision), o financiamento à exportação de equipamentos, materiais e serviços bélicos (Defense Cooperation Agency). Na imensa malha rodoviária americana há raríssimas concessões de rodovias para firmas privadas, é quase 100% gestão estatal com ou sem pedágio.

O gigantesco sistema de seguro de hipotecas residenciais, dividido em varias empresas, é de controle estatal, a Fannie Mae, maior dessas seguradoras, pagou em 2014 dividendos de 124 bilhões de dólares ao Tesouro dos EUA. Há seguradoras especificas para hipotecas de imóveis de baixa renda e de veteranos de guerra (Ginnie Mae), todas com recursos do Tesouro, há plena noção de que certos setores da economia precisam do Estado, os EUA não operam por ideologia na economia e sim por pragmatismo, combinando Estado e mercado como pode e deve ser feito, de acordo com as circunstancias. Para sair da Grande Depressão de 1933 foi criada a Reconstruction Finance Corp. que salvou milhares de bancos e empresas com dinheiro publico, puro pragmatismo de Estado e mercado.

No setor agrícola, a Commodity Credit Corp., inteiramente estatal, financia os agricultores americanos com recursos do Tesouro, ao nível de 200 bilhões de dólares por ano.

Mas o principal contra-exemplo da ressurreição dos privatistas é a CHINA, onde 70% das grandes empresas são estatais e são elas que formam a base do desenvolvimento econômico chinês, o maior do planeta, são as grandes estatais da energia, da construção civil, dos transportes que constituem o eixo de expansão internacional do PROJETO NACIONAL chinês.

Em todo mundo, inclusive no Brasil, onde a State Grid é a maior detentora de linhas de transmissão e controladora da segunda maior distribuidora do País, a CPFL, a expansão geopolítica e econômica da China se dá por empresas estatais, na linha de frente do secular processo de engrandecimento da China como potencia mundial.

A ironia é trágica. Os privatistas brasileiros querem desestatizar empresas fundamentais para um projeto nacional de desenvolvimento e os potenciais compradores são ESTATAIS CHINESAS, que agem no Brasil como parte de um plano de longo prazo do Estado chinês.

Nossos privatistas medíocres cegos e antipatriotas, não enxergam o País como um grande projeto nacional, sua miopia vê apenas a Bolsa de Nova York e a opinião de seus corretores e agencias de rating, ai acaba o mundo deles, o Brasil apenas como uma plataforma de negócios.

A formula ajuste-privatizações nunca levará pais algum ao desenvolvimento, mesmo porque o ajuste dos neoliberais se limita a cortar benefícios sociais, educação e saúde e nem sequer toca nos altos salários, nas aposentadorias precoces, nas crescentes mordomias das corporações, é o ajuste por baixo somado à venda do patrimônio nacional a preço de fim de feira para cobrir o orçamento e garantir o pagamento dos juros da divida publica, mas até isso não é racional, uma vez vendido o patrimônio, como em 1996, nada garante finanças publicas sadias para frente, vende-se a mobília para pagar o almoço, mas no dia seguinte também precisa de almoço e jantar e ai não tem mais o que vender, é uma politica insustentável.

Não fica de pé também o único exemplo de privatização virtuosa, o da telefonia, as grandes mudanças no setor se deram por causa da gigantesca evolução tecnológica de telefonia fixa para celular, o que aconteceria com ou sem privatização, é uma questão de tecnologia e não de ideologia, telefonia celular não é um monopólio natural e é um setor competitivo em todo o mundo por sua própria natureza, aconteceria no Brasil mesmo sem privatização da Telebras.

A questão das empresas estratégicas
Na maioria dos países do mundo há um conjunto de empresas consideradas estratégicas porque são indutoras de desenvolvimento, de pesquisa, de formação de pessoal e há um consenso de que essas empresas precisam ser estatais porque cabe ao Estado combinar as esferas da ação do Estado e da ação do mercado. O mercado só funciona com a moldura do Estado e o mercado não tem a capacidade de sozinho conduzir o País. A crise de 2008 nos EUA demonstrou que o mercado provocou a crise e coube ao Estado resgata-lo, o que nos EUA foi feito com o plano TARP a um custo de 780 bilhões de dólares, algo que só o Estado pode fazer.

Os candidatos a Presidente que acolhem em seus palanques esses “privatistas de proveta” personagens tragicômicos pelo seu anacronismo histórico estão divorciados do que pensa povo brasileiro, que não são os rentistas dos Jardins e do Leblon que abraçam as teses “de mercado”, o povo brasileiro é muito mais que um grupinho de rapazes da Bolsa.

A questão da corrupção
Os privatistas de palanque invocam a questão da corrupção como razão de privatização.

Mas a corrupção não se faz apenas nas empresas estatais. O Estado brasileiro tem Ministérios, Agências e uma multiplicidade de instancias e órgãos ondem a corrupção pode se exercer, independentemente de existirem ou não empresas estatais, a corrupção é um processo nascido da ineficiência da administração publica, para acabar a primeira é preciso corrigir a segunda. As estatais europeias funcionam com razoável eficiência porque tem normas de controle bem estabelecidas, o que diminui a margem para a corrupção.

A questão da corrupção se limita através de regras de controle e não de extinção de empresas estatais. Na realidade os privatistas estão se aproveitando da onda de inquéritos para justificar privatizações injustificáveis como Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil, empresas que nasceram e cresceram com razoável eficiência por longo tempo e são um patrimônio institucional do povo e do Estado, não são apenas bens físicos.

Os privatistas da era FHC
Os “economistas do Real” que foram os privatistas de 1996 ressuscitaram vinte anos depois para assessorar alguns candidatos do centro direita com as MESMAS teses hoje sob revisão em todo o mundo, as privatizações da Era Thatcher deixaram de ser uma unanimidade até mesmo na Inglaterra onde se cogita em uma onda de reestatizações.

O neoliberalismo de Thatcher tinha como fundamento que com a economia de mercado triunfante todos ganhariam. Não foi esse o resultado. O neoliberalismo por todo o lado aumentou exponencialmente a desigualdade social, criando novas e grandes tensões mesmo nas economias desenvolvidas da Europa e dos EUA. A eleição de Trump nos EUA é um dos resultados desse processo de regressão social, onde uma outrora classe média tornou-se pobre por causa dos excesso da concentração de renda e da globalização, produto do ultra neoliberalismo de mercado. Há um reexame em nível mundial do neoliberalismo como fonte de bem estar e prosperidade, há sérias criticas nos países centrais, as promessas dos neoliberais enriqueceram os banqueiros e financistas, mas prejudicaram e muito o povo, o equilíbrio social, o emprego, o futuro dos jovens.

Os privatistas da Era FHC, aqueles que chegaram ao governo de Fusca velho e saíram de Mercedes novos, voltam com as mesmíssimas teses de 1994, sem adaptação aos novos tempos, sem uma reflexão ou revisão de teorias hoje velhas, os Aridas e Landaus não trocaram de camisa e de penteado, com uma exceção, André Lara Resende fazendo jus ao sobrenome soube enxergar erros e distorções da Era FHC que trouxe para o Governo desde então os “ economistas de banco” que desgraçaram a economia brasileira no rumo da desigualdade e da perda do caminho do desenvolvimento com suas teses de rentistas.

O impressionante é que essas almas penadas ainda encantam candidatos desligados da realidade brasileira onde atingimos um abismo social inédito que não existia nem nos anos 50 ou 60, uma situação onde 30 milhões de brasileiros estão razoavelmente bem de vida e 180 milhões estão de mal a pior, sendo que 30 milhões são miseráveis no fundo do poço.

Nessa impressionante repescagem de ideias velhas os candidatos da centro direita apresentam as privatizações como único projeto, não tem um grande plano de obras de infra estrutura, de saneamento, de moradia popular, de projeção internacional do Brasil, acham que a formula “ajuste com privatização”, a formula que fez a Grécia afundar ainda mais em uma crise que ao invés de diminuir se consolida na estagnação, formulas contestadas até pelo FMI.

Um grande Pais precisa de um grande projeto nacional onde o plano de desenvolvimento é múltiplo e abrangente na infra estrutura, na produção, na inclusão social, privatização não é ferramenta para o desenvolvimento, especialmente em países carentes onde muito há para ser feito e as necessidades da população tem pressa, o Estado tem um papel fundamental e o mercado sozinho não pode e nem lhe cabe resolver todas as carências seculares.

Os eleitores brasileiros tem uma percepção negativa de candidatos abraçados a privatistas, plataformas onde a privatização é o eixo central irão para o limbo da Historia, o eleitor intuitivamente vê nessa mensagem um engodo e nela não embarca.

Aos candidatos abraçados com neoliberais congelados aviso, privatização não é remédio para a crise brasileira, é a bandeira dos Lemman, dos fundos abutres de Nova York, dos banqueiros de investimentos de Londres, dos rapazes do Boletim Focus, do banco J.P.Morgan, dos advogados internacionais, da Câmara de Lobistas Brasileiro Americana de Nova York que dará o titulo de homem do ano ao Ministro da Fazenda que patrocinar privatizações, um bom negocio onde o único perdedor será o povo brasileiro.

O eleitor que fique atento aos candidatos que dizem privatização é a solução.

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