Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
Que semana para Michel Temer. Ele lançou Henrique Meirelles à Presidência por não ter nenhuma chance de ser o candidato do MDB. Disse que quem não apoiasse Meirelles deveria sair do partido, mas teve de engolir o presidente do Senado, Eunicio Oliveira, reagir: “Não vou sair e ninguém me tira”. Pediu “trégua” a caminhoneiros grevistas e ouviu um sonoro “não”. Viu o Congresso enterrar de vez sua tentativa de privatizar a Eletrobras.
Não bastasse tudo isso, o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão auxiliar dos parlamentares, mandou o governo desfazer um contrato assinado, em 2015, pelo ministério dos Portos com uma empresa atuante no Porto de Santos, Libra, cujos donos são financiadores eleitorais de Temer. Dele e de seu velho parceiro Eduardo Cunha, ex-deputado preso por corrupção.
O motivo da anulação? Indícios de irregularidades no contrato, nascido de uma história cheia de digitais do MDB. A ordem é para o governo cancelar o acordo em até 15 dias e começar a tomar já providências para realizar uma licitação da área usada por Libra no porto de Santos. Mais: o TCU vai abrir outro processo, para identificar os responsáveis pelas irregularidades, e mandará a decisão anulatória para alguns interessados, que podem ajudar a desvendar responsabilidades criminais.
A Polícia Federal (PF), por exemplo, já toca uma investigação contra o presidente a devassar a ligação histórica de Temer com o Porto de Santos, e nessa investigação Libra é personagem. O cancelamento determinado pelo TCU pode até ser incorporado a esse inquérito, conduzido pelo delegado Cleyber Malta Lopes.
Uma das assinaturas no contrato anulado é do deputado Edinho Araújo (MDB-SP), nomeado em 2015 para o ministério de Portos por pressão de Temer sobre a então presidente Dilma Rousseff. Uma nomeação essencial para encerrar uma novela iniciada em 2013 graças à dobradinha Temer-Cunha.
O contrato anulado renovou até 2035 três concessões tidas por Libra para atuar no Porto de Santos. Uma das concessões era de 1998 e valia por 20 anos. Logo após assiná-la em 1998, a empresa entrou na Justiça com a alegação de que o Porto não cumpria o que devia. E parou de pagar suas obrigações contratuais. O calote virou uma dívida bilionária, de 2,7 bilhões de reais em valores atuais.
Em 2012, Dilma baixou uma medida provisória (MP), a 595, com uma nova Lei de Portos. Só poderiam ter concessão com o poder público as empresas portuárias sem dívida com órgãos estatais. Como era caloteira, Libra corria o risco de ser enxotada de Santos quando vencesse a concessão de 1998.
Na votação da MP na Câmara em 2013, Cunha, então líder do MDB, derrotou Dilma e emplacou na lei uma brecha salvadora para Libra. Devedor poderia ter contrato de concessão caso o débito fosse negociado em uma arbitragem, longe dos tribunais. Um dispositivo feito sob medida para Libra, única do ramo portuário até hoje a recorrer à arbitragem.
A negociação arbitral está em curso desde janeiro deste ano e é aí que Libra está sendo cobrada a pagar 2,7 bilhões de reais. Nos últimos dias, houve várias audiências na arbitragem, levada adiante em São Paulo, na Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Diante da decisão do TCU, fica a dúvida sobre como as negociações vão correr daqui para a frente.
A brecha aberta por Cunha em 2013 não encerrava, porém, o assunto para Libra. Era preciso que o governo baixasse um decreto complementar à lei. E que topasse renovar o contrato de 1998 da empresa com o Porto de Santos. E aí era com Temer.
O decreto regulamentador foi discutido pessoalmente por ele ao menos uma vez. Foi no segundo semestre de 2013, em uma reunião no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente. Participaram Temer, Cunha e um dos dirigentes de Libra, Gonçalo Borges Torrealba, membro do Conselho de Administração e do Comitê de Relações Institucionais.
Na montagem do segundo governo de Dilma, após a eleição de outubro de 2014, Temer exigiu da petista que o ministério dos Portos fosse dado ao MDB. Até então, a pasta estava com outro partido, o PR. Para o cargo, Temer indicou um fiel escudeiro, Edinho Araújo.
O então ministro antecipou em três anos a renovação do contrato com Libra. Assinou o novo em 2 de setembro de 2015. Ao mesmo tempo, concordou que a dívida dela com o Porto fosse discutida em uma arbitragem. Entre as pré-condições da arbitragem, empresa e governo aceitaram retirar da Justiça todas as ações sobre a dívida. Um mês depois, Araújo deixava o cargo.
Em 23 de agosto de 2016, três semanas após CartaCapital contar em detalhes o rolo de Libra em Santos, o Ministério Público Federal atuante no TCU pediu o cancelamento do contrato renovado.
Para o MPF, o interesse público tinha sido deixado de lado. Libra não pagou nada pela renovação, nem mesmo um naco de sua bilionária dívida. Apenas prometeu investir 750 milhões de reais em 20 anos, proposta que Edinho Araújo aceitou.
A relatora do processo no TCU, Ana Arraes, concordou com o MPF. Por essa razão, votou por desfazer o contrato, uma posição endossada pelo plenário da corte de contas nesta quarta-feira 23.
E qual seria a razão de o interesse público ter sido ignorado? Grana é um bom palpite.
Na eleição de 2014, a família Torrealba, dona de Libra, foi generosa com quem tinha lhe socorrido no ano anterior. Os irmãos Rodrigo, Ana Carolina e Celina deram oficialmente quase 1 milhão de reais a Temer e outros 750 mil ao MDB fluminense, então comandado por Cunha. A matriarca Zuleika Torrealba deu 1 milhão de reais à direção do MDB, controlada por Temer na ocasião.
A relação financeira da empresa com Temer vinha de longe. Quando Libra assinou com o Porto de Santos, em 1998, o contrato prorrogado em 2015, o presidente do Porto era um apadrinhado de Temer, Marcelo Azeredo. Este foi processado por uma ex-mulher, Érika, que queria uma pensão maior e, nos autos do caso, surgiu uma planilha a registrar propina.
Nessa planilha, vê-se que Libra pagou uma caixinha de 1,280 milhão de reais por dois contratos, entre eles, aquele de 1998. Metade da grana, 640 mil reais, foi para alguém identificado como “MT”, provavelmente Michel Temer. A outra metade era para “MA”, possivelmente Marcelo Azeredo, e “Lima”, provavelmente João Batista Lima Filho, o coronel Lima, amigão de Temer.
A planilha foi ressuscitada pela PF e agora faz parte do inquérito conduzido pela delegado Lopes. O inquérito corre sob a supervisão do juiz Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 7 de maio, Barroso prorrogou-o por 60 dias, a pedido do delegado.
Quando a investigação terminar, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, terá de decidir se denuncia Temer criminalmente. A apuração começou em setembro de 2017 com foco na seguinte suspeita: houve dinheiro por trás de um decreto baixado pelo presidente a permitir a renovação de um contrato tido por outra empresa atuante no Porto de Santos, a Rodrimar?
De lá para cá, porém, o escopo aumentou. A investigação passou a abranger os desdobramentos da MP 595, aquela que deu origem à salvação de Libra e ao contrato que acaba de ser anulado. Terá a “xerife” Raquel Dodge disposição para agir contra o presidente que a indicou para chefe da PGR?
Não bastasse tudo isso, o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão auxiliar dos parlamentares, mandou o governo desfazer um contrato assinado, em 2015, pelo ministério dos Portos com uma empresa atuante no Porto de Santos, Libra, cujos donos são financiadores eleitorais de Temer. Dele e de seu velho parceiro Eduardo Cunha, ex-deputado preso por corrupção.
O motivo da anulação? Indícios de irregularidades no contrato, nascido de uma história cheia de digitais do MDB. A ordem é para o governo cancelar o acordo em até 15 dias e começar a tomar já providências para realizar uma licitação da área usada por Libra no porto de Santos. Mais: o TCU vai abrir outro processo, para identificar os responsáveis pelas irregularidades, e mandará a decisão anulatória para alguns interessados, que podem ajudar a desvendar responsabilidades criminais.
A Polícia Federal (PF), por exemplo, já toca uma investigação contra o presidente a devassar a ligação histórica de Temer com o Porto de Santos, e nessa investigação Libra é personagem. O cancelamento determinado pelo TCU pode até ser incorporado a esse inquérito, conduzido pelo delegado Cleyber Malta Lopes.
Uma das assinaturas no contrato anulado é do deputado Edinho Araújo (MDB-SP), nomeado em 2015 para o ministério de Portos por pressão de Temer sobre a então presidente Dilma Rousseff. Uma nomeação essencial para encerrar uma novela iniciada em 2013 graças à dobradinha Temer-Cunha.
O contrato anulado renovou até 2035 três concessões tidas por Libra para atuar no Porto de Santos. Uma das concessões era de 1998 e valia por 20 anos. Logo após assiná-la em 1998, a empresa entrou na Justiça com a alegação de que o Porto não cumpria o que devia. E parou de pagar suas obrigações contratuais. O calote virou uma dívida bilionária, de 2,7 bilhões de reais em valores atuais.
Em 2012, Dilma baixou uma medida provisória (MP), a 595, com uma nova Lei de Portos. Só poderiam ter concessão com o poder público as empresas portuárias sem dívida com órgãos estatais. Como era caloteira, Libra corria o risco de ser enxotada de Santos quando vencesse a concessão de 1998.
Na votação da MP na Câmara em 2013, Cunha, então líder do MDB, derrotou Dilma e emplacou na lei uma brecha salvadora para Libra. Devedor poderia ter contrato de concessão caso o débito fosse negociado em uma arbitragem, longe dos tribunais. Um dispositivo feito sob medida para Libra, única do ramo portuário até hoje a recorrer à arbitragem.
A negociação arbitral está em curso desde janeiro deste ano e é aí que Libra está sendo cobrada a pagar 2,7 bilhões de reais. Nos últimos dias, houve várias audiências na arbitragem, levada adiante em São Paulo, na Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Diante da decisão do TCU, fica a dúvida sobre como as negociações vão correr daqui para a frente.
A brecha aberta por Cunha em 2013 não encerrava, porém, o assunto para Libra. Era preciso que o governo baixasse um decreto complementar à lei. E que topasse renovar o contrato de 1998 da empresa com o Porto de Santos. E aí era com Temer.
O decreto regulamentador foi discutido pessoalmente por ele ao menos uma vez. Foi no segundo semestre de 2013, em uma reunião no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente. Participaram Temer, Cunha e um dos dirigentes de Libra, Gonçalo Borges Torrealba, membro do Conselho de Administração e do Comitê de Relações Institucionais.
Na montagem do segundo governo de Dilma, após a eleição de outubro de 2014, Temer exigiu da petista que o ministério dos Portos fosse dado ao MDB. Até então, a pasta estava com outro partido, o PR. Para o cargo, Temer indicou um fiel escudeiro, Edinho Araújo.
O então ministro antecipou em três anos a renovação do contrato com Libra. Assinou o novo em 2 de setembro de 2015. Ao mesmo tempo, concordou que a dívida dela com o Porto fosse discutida em uma arbitragem. Entre as pré-condições da arbitragem, empresa e governo aceitaram retirar da Justiça todas as ações sobre a dívida. Um mês depois, Araújo deixava o cargo.
Em 23 de agosto de 2016, três semanas após CartaCapital contar em detalhes o rolo de Libra em Santos, o Ministério Público Federal atuante no TCU pediu o cancelamento do contrato renovado.
Para o MPF, o interesse público tinha sido deixado de lado. Libra não pagou nada pela renovação, nem mesmo um naco de sua bilionária dívida. Apenas prometeu investir 750 milhões de reais em 20 anos, proposta que Edinho Araújo aceitou.
A relatora do processo no TCU, Ana Arraes, concordou com o MPF. Por essa razão, votou por desfazer o contrato, uma posição endossada pelo plenário da corte de contas nesta quarta-feira 23.
E qual seria a razão de o interesse público ter sido ignorado? Grana é um bom palpite.
Na eleição de 2014, a família Torrealba, dona de Libra, foi generosa com quem tinha lhe socorrido no ano anterior. Os irmãos Rodrigo, Ana Carolina e Celina deram oficialmente quase 1 milhão de reais a Temer e outros 750 mil ao MDB fluminense, então comandado por Cunha. A matriarca Zuleika Torrealba deu 1 milhão de reais à direção do MDB, controlada por Temer na ocasião.
A relação financeira da empresa com Temer vinha de longe. Quando Libra assinou com o Porto de Santos, em 1998, o contrato prorrogado em 2015, o presidente do Porto era um apadrinhado de Temer, Marcelo Azeredo. Este foi processado por uma ex-mulher, Érika, que queria uma pensão maior e, nos autos do caso, surgiu uma planilha a registrar propina.
Nessa planilha, vê-se que Libra pagou uma caixinha de 1,280 milhão de reais por dois contratos, entre eles, aquele de 1998. Metade da grana, 640 mil reais, foi para alguém identificado como “MT”, provavelmente Michel Temer. A outra metade era para “MA”, possivelmente Marcelo Azeredo, e “Lima”, provavelmente João Batista Lima Filho, o coronel Lima, amigão de Temer.
A planilha foi ressuscitada pela PF e agora faz parte do inquérito conduzido pela delegado Lopes. O inquérito corre sob a supervisão do juiz Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 7 de maio, Barroso prorrogou-o por 60 dias, a pedido do delegado.
Quando a investigação terminar, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, terá de decidir se denuncia Temer criminalmente. A apuração começou em setembro de 2017 com foco na seguinte suspeita: houve dinheiro por trás de um decreto baixado pelo presidente a permitir a renovação de um contrato tido por outra empresa atuante no Porto de Santos, a Rodrimar?
De lá para cá, porém, o escopo aumentou. A investigação passou a abranger os desdobramentos da MP 595, aquela que deu origem à salvação de Libra e ao contrato que acaba de ser anulado. Terá a “xerife” Raquel Dodge disposição para agir contra o presidente que a indicou para chefe da PGR?
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