Frederico d’Avila. Foto: Reprodução/YouTube |
O bolsomínion na tevê volta a repetir que “o fascismo é de esquerda”. Surfa no analfabetismo político generalizado e segue a velha recomendação de Goebbels – seu correligionário, pois não? – de repetir uma mentira até torná-la “verdade”.
Desde que a metáfora esquerda-direita surgiu, no contexto da Revolução Francesa, ela se relaciona ao eixo progresso social versus conservadorismo e atraso. Da esquerda para a direita, caminhava-se da defesa dos sans-culottes, da laicidade e da república para a defesa da nobreza, da Igreja e da monarquia.
Os contextos mudaram, mas o sentido da metáfora permanece. A esquerda se associa à defesa da classe trabalhadora e ao combate à exploração e à injustiça social; na definição de Norberto Bobbio, seu traço definidor é a adesão à ideia de igualdade. Já a direita julga que as desigualdades são inevitáveis e mesmo benéficas, como recompensa para o talento e a perseverança e como resultado esperado da competição dentro da sociedade, ou então que o combate às desigualdades lesa a liberdade e por isso precisa ser evitado.
Como o conceito de “igualdade” se tornou mais complexo, tendo que lidar também com as reivindicações de respeito às diferenças, prefiro colocar a questão em outros termos. A esquerda se associa às demandas emancipatórias, ao passo que a direita entende que padrões de dominação vigentes na sociedade formam uma base sem a qual a própria sociedade não pode existir (a família tradicional, a propriedade privada etc.).
Fala-se de esquerda e direita como um continuum, mas é mais complexo do que isso, sobretudo por ser uma metáfora que encapsula muitas dimensões. Mas não todas: a questão ambiental, por exemplo, que é cada vez mais evidentemente essencial na política contemporânea, não está bem ajustada. Se ruralistas e mineradores são exemplos da insensibilidade ambiental à direita, na esquerda por vezes grassa um desenvolvimentismo que desqualifica a agenda ecológica. E há um ambientalismo de direita, sintetizado no lema “desenvolvimento sustentável”, em concorrência com os ecossocialismos, ecofeminismos etc., que relacionam a degradação ecológica às desigualdades sociais e à exploração capitalista.
Em todo esse percurso, não surge uma única brecha para caracterizar o fascismo como de esquerda. Se “esquerda” e “direita” são conceitos com algum significado, não palavras vazias, a declaração do tal Frederico d’Ávila só pode ser contabilizada como estupidez ou má fé (eu marco um duplo). É por isso que todo - e todo é todo mesmo, sem exceção - o estudo da história e da ciência política identificam o fascismo como sendo extrema-direita.
Os direitistas honestos (que existem, embora escasseiem no Brasil) não refutam esta constatação. Assim como eu, sendo de esquerda, não vou negar que Stálin era de esquerda. Embora os valores que guiam a esquerda sejam, a meu ver de forma indiscutível, muito superiores aos da direita, as práticas dos grupos políticos que os abraçam podem andar por vielas obscuras.
Mas ter esta honestidade já representa uma abertura para o verdadeiro debate político. E a direita brasileira vive de mistificações e foge do debate o quanto pode, já que defender a desigualdade e a injustiça num país como o nosso é realmente tarefa inglória.
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