Por Paulo Kliass, no site Vermelho:
O atual quadro dramático da segurança pública em nosso País não é coisa recente. As estatísticas e os estudos a esse respeito são de conhecimento público há muito tempo. Afinal, não se atingem marcas trágicas e vergonhosas como 60 mil assassinatos anuais ou 720 mil indivíduos encarcerados no sistema prisional da noite para o dia.
Para além do retrato fiel da desigualdade social e econômica, esses números falam de uma Nação cujo poder público está sendo capaz de oferecer segurança e cidadania para boa parte de sua população. As informações oficiais confirmam a tendência ao quase extermínio de jovens negros e pobres, em sua grande maioria residindo nas franjas periféricas das grandes metrópoles.
O complexo sistema do tráfico de drogas e as redes envolvendo milícias são alguns dos pontos de tangência com os interesses políticos e econômicos envolvidos no tema. Ao contrário do que apregoa o discurso fácil do moralismo de plantão, o endurecimento da legislação antidrogas só fez aumentar os índices de violência e criminalidade. A obsessão com a repressão indiscriminada contra usuários e traficantes tem provocado o aumento de todos os índices negativos da segurança, com a falsa sensação de vitória com a escalada da população carcerária.
A crise e o aumento da violência
Ora, esse quadro crônico guarda uma relação direta com a conjuntura econômica que o Brasil atravessa. Não é difícil compreender que a recessão profunda e o desemprego recorde sejam fatores diretamente responsáveis pelo aumento da criminalidade. Caso sejam somadas também a redução de verbas orçamentárias direcionadas aos programas sociais e a falta de capacitação da administração pública do Executivo e do Judiciário para lidar com o tema, a espiral só pode mesmo ser explosiva.
Ora, esse contexto é o caldo de cultura para o borbulhar das propostas simplistas e demagogas. Elas vão desde o bordão do “bandido bom é bandido morto” até as propostas de redução da maioridade penal, passando pela implantação “de jure” da pena de morte e pela liberalização do porte de armas. Afinal, se o Estado não se revela mesmo capaz de oferecer segurança e justiça aos cidadãos, que eles então sejam autorizados a ter os meios de fazê-la com as próprias mãos. Uma loucura!
Nessa pegada, entram em cena a política institucional e agenda prioritária de nosso governantes. Tendo em vista a evidente falência do projeto das forças que promoveram o golpeachment de Dilma Roussef, o desespero começa a aumentar de tonalidade desde o final do ano passado, à medida que se avançava no calendário associado às eleições de outubro. O recurso ao cenário teatralizado mais uma vez virou moeda de troca na tentativa de passar a imagem forte de que tudo estaria sob controle no domínio da segurança pública. Só que não!
A intervenção militar e a continuidade da insegurança
Dias depois do feriado de Carnaval, Temer promove uma intervenção “de natureza militar” no Estado do Rio de Janeiro. Aproveitando o vácuo das lideranças políticas da elite local, o Palácio do Planalto lança as Forças Armadas em mais uma aventura perigosa e inadequada. É amplamente sabido que elas não possuem a competência para esse tipo de ação. Basta olharmos em retrospectiva para os momentos em que outras operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foram utilizadas no Rio para anteciparmos seu novo fracasso.
Mas a jogada da intervenção foi ainda mais ardilosa, uma vez que sua intenção inicial era também desviar o foco da derrota política iminente que o governo sofreria em sua proposta de Reforma da Previdência. Como a durante a vigência de uma intervenção federal está proibida qualquer alteração na Constituição, o núcleo duro do governo pode recuar em um aspecto essencial de sua existência sem passar a imagem de derrota.
Mas o enredo seguiu em frente. Nada como construir uma narrativa azeitadinha e contar com o amplo apoio dos grandes meios de comunicação. Para solucionar um problema de política pública, nada melhor do que criar um ministério para se ocupar dela. E assim foi feito. Dias depois da decretação da intervenção, Temer editou medida provisória criando o Ministério da Segurança Pública. Trata-se da MP 821/18 que juntou alguns órgãos do Ministério da Justiça e tornou-os subordinados ao novo órgão ministerial.
O tempo foi passando, o Ministro Jungmann foi deslocado da Defesa para a recém criada pasta, mas continuou envolvendo-se em suas conhecidas trapalhadas. O mais grave é que as estatísticas a respeito da violência e da insegurança não recuaram um milímetro sequer. Apesar da criação do novo arcabouço institucional, tudo se passa como se o tráfico, as milícias e as forças políticas e econômicas envolvidas com o crime e a marginalidade pouco alterassem suas práticas e suas rotinas.
O risco de esquartejamento do IPEA
Poucas pessoas se lembram, mas as Medidas Provisórias têm prazo de 120 dias para serem aprovados pelo Congresso Nacional, sob pena de caducarem e perderem a sua validade. Pois agora no final de junho, a referida MP 821 entra nessa condição. Assim, Raul Jungmann lança mão de uma derradeira estratégia, na tentativa de reduzir os imperdoáveis estragos em sua imagem política. Ele convence o relator da matéria na Comissão Especial (Senador Dário Berger – PMDB/SC) a incluir no texto, a ser votado pelo Congresso Nacional nos próximos dias, uma emenda bem ao estilo da malandragem escondidinha. Em um parágrafo único de último momento, o novo teto cria um certo Instituto Nacional de Estudos de Segurança Pública. Com isso, ele tenta edulcorar sua passagem pelo governo do golpe com uma medida de natureza quase intelectual, meio metida a chique até.
Ora, nada contra que a administração pública federal constitua institutos de pesquisa para determinadas área do conhecimento, com já existem alguns de excelência na educação, na saúde e outros. O problema é que a “solução fácil” apresentada por Jungmann propõe que o novo organismo seja viabilizado por um verdadeiro esquartejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA. Um absurdo! Essa instituição completou 5 décadas de existência esse ano e tem contribuído de maneira exemplar para a formulação e a avaliação das políticas públicas do governo federal.
Ao que tudo indica, o novo ministro ficou bastante bem impressionado com a qualidade e a competência dos técnicos do IPEA que trabalham e pesquisam com o tema da segurança pública. A lista de trabalhos e publicações é enorme, em especial a divulgação do Atlas da Violência, que tornou-se referência obrigatória no assunto. Assim, Jungmann teve a ideia brilhante de cindir o instituto e retirar dele servidores, atribuições, patrimônio e orçamento. Com isso, pretende criar um outro órgão para chamar de seu - durante apenas exatos seis meses, quando termina o mandato do chefe de governo mais impopular de nossa História.
Alguém ai questionou a respeito dos riscos institucionais dessa aventura irresponsável para o futuro de uma importante ilha de excelência como o IPEA? Mas isso não entra na conta de quem não apresenta a menor preocupação com a qualidade dos serviços públicos. Afinal, a lógica e a encomenda desse governo têm sido exclusivamente a promoção do desmonte do Estado e a destruição das políticas públicas. Segue a mesma orientação que levou à Emenda Constitucional que congela os gastos públicos por 20 anos ou que tem promovido a liquidação da Petrobrás ou ainda a privatização da Eletrobrás.
Felizmente a importância do IPEA é percebida por amplos setores em nosso País e a campanha desenvolvida pela Associação dos Servidores em defesa da instituição tem obtida aceitação e simpatia inclusive no interior da base governista. Se o governo quiser criar um novo instituto de pesquisas para segurança pública, que o faça. Mas não às custas de provocar ainda maiores prejuízos ao IPEA.
O atual quadro dramático da segurança pública em nosso País não é coisa recente. As estatísticas e os estudos a esse respeito são de conhecimento público há muito tempo. Afinal, não se atingem marcas trágicas e vergonhosas como 60 mil assassinatos anuais ou 720 mil indivíduos encarcerados no sistema prisional da noite para o dia.
Para além do retrato fiel da desigualdade social e econômica, esses números falam de uma Nação cujo poder público está sendo capaz de oferecer segurança e cidadania para boa parte de sua população. As informações oficiais confirmam a tendência ao quase extermínio de jovens negros e pobres, em sua grande maioria residindo nas franjas periféricas das grandes metrópoles.
O complexo sistema do tráfico de drogas e as redes envolvendo milícias são alguns dos pontos de tangência com os interesses políticos e econômicos envolvidos no tema. Ao contrário do que apregoa o discurso fácil do moralismo de plantão, o endurecimento da legislação antidrogas só fez aumentar os índices de violência e criminalidade. A obsessão com a repressão indiscriminada contra usuários e traficantes tem provocado o aumento de todos os índices negativos da segurança, com a falsa sensação de vitória com a escalada da população carcerária.
A crise e o aumento da violência
Ora, esse quadro crônico guarda uma relação direta com a conjuntura econômica que o Brasil atravessa. Não é difícil compreender que a recessão profunda e o desemprego recorde sejam fatores diretamente responsáveis pelo aumento da criminalidade. Caso sejam somadas também a redução de verbas orçamentárias direcionadas aos programas sociais e a falta de capacitação da administração pública do Executivo e do Judiciário para lidar com o tema, a espiral só pode mesmo ser explosiva.
Ora, esse contexto é o caldo de cultura para o borbulhar das propostas simplistas e demagogas. Elas vão desde o bordão do “bandido bom é bandido morto” até as propostas de redução da maioridade penal, passando pela implantação “de jure” da pena de morte e pela liberalização do porte de armas. Afinal, se o Estado não se revela mesmo capaz de oferecer segurança e justiça aos cidadãos, que eles então sejam autorizados a ter os meios de fazê-la com as próprias mãos. Uma loucura!
Nessa pegada, entram em cena a política institucional e agenda prioritária de nosso governantes. Tendo em vista a evidente falência do projeto das forças que promoveram o golpeachment de Dilma Roussef, o desespero começa a aumentar de tonalidade desde o final do ano passado, à medida que se avançava no calendário associado às eleições de outubro. O recurso ao cenário teatralizado mais uma vez virou moeda de troca na tentativa de passar a imagem forte de que tudo estaria sob controle no domínio da segurança pública. Só que não!
A intervenção militar e a continuidade da insegurança
Dias depois do feriado de Carnaval, Temer promove uma intervenção “de natureza militar” no Estado do Rio de Janeiro. Aproveitando o vácuo das lideranças políticas da elite local, o Palácio do Planalto lança as Forças Armadas em mais uma aventura perigosa e inadequada. É amplamente sabido que elas não possuem a competência para esse tipo de ação. Basta olharmos em retrospectiva para os momentos em que outras operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foram utilizadas no Rio para anteciparmos seu novo fracasso.
Mas a jogada da intervenção foi ainda mais ardilosa, uma vez que sua intenção inicial era também desviar o foco da derrota política iminente que o governo sofreria em sua proposta de Reforma da Previdência. Como a durante a vigência de uma intervenção federal está proibida qualquer alteração na Constituição, o núcleo duro do governo pode recuar em um aspecto essencial de sua existência sem passar a imagem de derrota.
Mas o enredo seguiu em frente. Nada como construir uma narrativa azeitadinha e contar com o amplo apoio dos grandes meios de comunicação. Para solucionar um problema de política pública, nada melhor do que criar um ministério para se ocupar dela. E assim foi feito. Dias depois da decretação da intervenção, Temer editou medida provisória criando o Ministério da Segurança Pública. Trata-se da MP 821/18 que juntou alguns órgãos do Ministério da Justiça e tornou-os subordinados ao novo órgão ministerial.
O tempo foi passando, o Ministro Jungmann foi deslocado da Defesa para a recém criada pasta, mas continuou envolvendo-se em suas conhecidas trapalhadas. O mais grave é que as estatísticas a respeito da violência e da insegurança não recuaram um milímetro sequer. Apesar da criação do novo arcabouço institucional, tudo se passa como se o tráfico, as milícias e as forças políticas e econômicas envolvidas com o crime e a marginalidade pouco alterassem suas práticas e suas rotinas.
O risco de esquartejamento do IPEA
Poucas pessoas se lembram, mas as Medidas Provisórias têm prazo de 120 dias para serem aprovados pelo Congresso Nacional, sob pena de caducarem e perderem a sua validade. Pois agora no final de junho, a referida MP 821 entra nessa condição. Assim, Raul Jungmann lança mão de uma derradeira estratégia, na tentativa de reduzir os imperdoáveis estragos em sua imagem política. Ele convence o relator da matéria na Comissão Especial (Senador Dário Berger – PMDB/SC) a incluir no texto, a ser votado pelo Congresso Nacional nos próximos dias, uma emenda bem ao estilo da malandragem escondidinha. Em um parágrafo único de último momento, o novo teto cria um certo Instituto Nacional de Estudos de Segurança Pública. Com isso, ele tenta edulcorar sua passagem pelo governo do golpe com uma medida de natureza quase intelectual, meio metida a chique até.
Ora, nada contra que a administração pública federal constitua institutos de pesquisa para determinadas área do conhecimento, com já existem alguns de excelência na educação, na saúde e outros. O problema é que a “solução fácil” apresentada por Jungmann propõe que o novo organismo seja viabilizado por um verdadeiro esquartejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA. Um absurdo! Essa instituição completou 5 décadas de existência esse ano e tem contribuído de maneira exemplar para a formulação e a avaliação das políticas públicas do governo federal.
Ao que tudo indica, o novo ministro ficou bastante bem impressionado com a qualidade e a competência dos técnicos do IPEA que trabalham e pesquisam com o tema da segurança pública. A lista de trabalhos e publicações é enorme, em especial a divulgação do Atlas da Violência, que tornou-se referência obrigatória no assunto. Assim, Jungmann teve a ideia brilhante de cindir o instituto e retirar dele servidores, atribuições, patrimônio e orçamento. Com isso, pretende criar um outro órgão para chamar de seu - durante apenas exatos seis meses, quando termina o mandato do chefe de governo mais impopular de nossa História.
Alguém ai questionou a respeito dos riscos institucionais dessa aventura irresponsável para o futuro de uma importante ilha de excelência como o IPEA? Mas isso não entra na conta de quem não apresenta a menor preocupação com a qualidade dos serviços públicos. Afinal, a lógica e a encomenda desse governo têm sido exclusivamente a promoção do desmonte do Estado e a destruição das políticas públicas. Segue a mesma orientação que levou à Emenda Constitucional que congela os gastos públicos por 20 anos ou que tem promovido a liquidação da Petrobrás ou ainda a privatização da Eletrobrás.
Felizmente a importância do IPEA é percebida por amplos setores em nosso País e a campanha desenvolvida pela Associação dos Servidores em defesa da instituição tem obtida aceitação e simpatia inclusive no interior da base governista. Se o governo quiser criar um novo instituto de pesquisas para segurança pública, que o faça. Mas não às custas de provocar ainda maiores prejuízos ao IPEA.
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