Por Martín Granovsky, no site Carta Maior:
É irremediável. Na política, quando se está em baixa tudo dá errado. Mauricio Macri sabe disso. No último mês teve que enfrentar o fracasso inflacionário e a fuga de dólares, usando o pretexto de que se tratava de um desastre econômico mundial. Apelou ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Então seus funcionários apresentaram o acordo como se já estivesse fechado, coisa que ainda não está confirmado. Quis transformar a derrota legislativa do aumento nas tarifas num suposto triunfo do veto, como se vetar fosse uma vitória. E também se viu forçado a fingir que ninguém viu outro de seus escorregões: a partida da Seleção Argentina em Jerusalém, que deveria ter acontecido no sábado (9/6), também era uma aposta política do seu governo. Uma aposta que ele perdeu.
A dúvida crucial é: quão injusta será a Argentina a partir desse ataque contra a renda das famílias de classe média e da classe trabalhadora. A garantia de 0,2% do PIB como máximo de margem possível para aumentar eventualmente o gasto social não altera o panorama da crise. Apesar de o apoio dos Estados Unidos ser decisivo dentro do diretório do FMI (onde o voto é qualificado), a Argentina ainda deve negociar os termos finais do acordo, e uma concessão com cada um dos demais sócios importantes, entre eles China, França, Alemanha e Brasil. E ainda fica no ar um mistério: como fará o ministro da Fazenda Nicolás Dujovne para conseguir dólares? Porque, na verdade, a Argentina receberá agora somente 15 bilhões de dólares e não o total de 50 bilhões.
Problema só da AFA?
O discurso oficial consiste em fazer com que as incertezas pareçam vitórias e as derrotas não sejam percebidas. O problema é que, quando os governos exageram na atuação, é mais difícil ocultar uma queda. Além disso, Macri não tem a envergadura de Benjamin Netanyahu, seu sócio político na empreitada de produzir uma movida brusca na política exterior argentina. Israel é um país que pertence ao clube da bomba atômica e Bibi Netanyahu é um político audaz que chegou a colocar o Senado dos Estados Unidos contra Barack Obama.
Donald Trump anunciou a mudança da embaixada norte-americana de Tel Aviv a Jerusalém em dezembro passado. Netanyahu não escondeu a euforia. Os conservadores israelenses querem eternizar a ocupação israelense da zona oriental de Jerusalém e uma das formas é acabando com a categoria de cidade internacional estipulada pela Organização das Nações Unidas. Países como França, Alemanha e Espanha se negaram a dar o mesmo passo, Na América Latina, somente Paraguai e Guatemala seguiram os estadunidenses. A Argentina ficou em silencia, embora isso signifique que tampouco descarta fazê-lo no futuro. Mas decidiu fazer outro gesto, aceitou o pedido israelense de mudar o amistoso entre as seleções de futebol dos dois países de Haifa para Jerusalém.
Os boatos agora dizem que a reprogramação foi uma decisão de Claudio “Chiqui” Tapia, o presidente da Associação de Futebol da Argentina (AFA), que é casado com uma das filhas de Hugo Moyano, que por sua vez é presidente do tradicional clube Independiente e um líder sindical que outrora apoiava o macrismo e agora se opõe ao governo e suas medidas de ajuste.
Outra lenda diz que quando um grupo de palestinos pressionou os jogadores da Seleção mostrando camisetas argentinas manchadas com sangue, durante o treinamento da equipe em Barcelona, Tapia conversou com os jogadores, e aceitou o pedido de suspender a partida.
Tabuleiro
Parece mentira. Outra vez, simplesmente por um gesto desnecessário, como o da mudança do local da partida, a Argentina se meteu em problemas diplomáticos que envolvem o Oriente Médio, e numa confusão que pode custar caro. Se a Casa Rosada confirma a mesma informação apurada pelo diário argentino Página/12, saberá que o incidente terá consequências: o primeiro-ministro israelense e sua ministra de Cultura e Esportes, Miri Regev, acusaram os argentinos pelo impacto negativo gerado pela suspensão da partida.
Os críticos israelenses de Netanyahu encontraram um erro do premier e estão sabendo explorá-lo. “Isso é o que acontece quando a política sufoca o esporte”, escreveu Raz Schechnik em seu sítio web Y.net. “Devem ter pensado que depois do jogo, Messi se tornaria membro do Comitê Central do Likud”, ironizou. O Likud é o partido de extrema direita de Bibi e sua ministra. Outro parágrafo diz que Haifa é um símbolo da coexistência diária entre árabes e judeus. No entanto, a Jerusalém, “é nossa capital eterna, a cidade mais importante de Israel”, mencionando isso como “verdade histórica e sem sequer uma pitada de cinismo”, mas sem que isso signifique “que tudo o que for relacionado com Israel tenha que ser realizado em Jerusalém”.
“Obrigado, você fez o certo, na hora certa”, escreveu um artista de prestígio, o diretor de cinema Uri Misgav, ao diário Haaretz. Misgav se perguntou se o cancelamento seria ou não um ponto de inflexão, e disse que os israelenses não deveriam sentir vergonha. “Um homem que ama o seu país entende que às vezes deve dar una bofetada nele para que volte à realidade”, escreveu.
Qatar
Até mesmo a imprensa israelense menos crítica com Netanyahu não deixou de mostrar que o cancelamento da partida foi um triunfo do presidente da Federação de Futebol da Palestina, Jibril Rajoub, que havia pedido aos torcedores para queimar fotos e camisetas de Messi se participasse do amistoso.
Aparentemente, Rajoub recebe influência do Qatar, um país importante do Oriente Médio, e também do futebol mundial: será a sede da próxima Copa do Mundo, em 2022, patrocinam o Barcelona desde 2011 e controlam o Paris Saint-Germain. O país vive em conflito com a Arábia Saudita, que por sua vez é inimiga do Irã.
No governo argentino, quem percebeu que era preciso descolar o cancelamento da imagem do governo foi o chanceler Jorge Faurie. Foi ele que atribuiu toda a culpa à AFA, tanto com relação à mudança do local da partida quanto ao cancelamento. Na verdade, ou o ministro foi pouco convincente dentro do Executivo, ou Macri não mediu bem as coisas. Primeiro, que ter a Seleção jogando em Jerusalém significa meter mais que uma perna inteira numa questão geopolítica complexa como a do Oriente Médio, e não é decisão que possa ser tomada por um dirigente do futebol. A situação é similar ao que o país viveu nos Anos 90, quando Carlos Menem enviou tropas ao Golfo, na guerra do Kuwait. Segundo, que ao suspender o jogo, a Argentina terminou sendo um elemento a mais da política interna israelense, o que significa também ser um elemento da política mundial, e sem nada o que ganhar com isso – muito pelo contrário. As relações entre Tapia e Macri são como as do seu sogro com o presidente: cheias de altos e baixos, mas com um canal permanente. De qualquer forma, o vice-presidente da AFA continua sendo Daniel Angelici, sucessor de Macri na presidência do clube Boca Juniors e testa de ferro do mandatário. Angelici tampouco percebeu o que poderia acontecer? O se distraiu e depois também tentou uma retirada elegante?
Nem Macri nem seus funcionários de maior nível podem ignorar o tabuleiro infernal em que colocaram o país. O diário Página/12 soube que, nos últimos dois meses, autoridades israelenses transmitiram em detalhes sua visão geopolítica aos colegas argentinos. O ponto principal é que Netanyahu não quer perder força, porque sua meta de hoje é muito maior que o conflito tradicional com os palestinos, sobretudo em Gaza: o objetivo é que o Irã se veja em perigo se permanecer na Síria e opte por retirar de lá suas tropas e armamentos. Os israelenses creem que Teerã é o poder por trás do seu pior inimigo, o Hezbollah, o grupo xiita libanês que também ganhou posições na Síria.
Funcionários israelenses confiaram aos colegas argentinos que a Rússia, principal apoio do presidente sírio Bashar al-Asad, poderia ser o emissário para persuadir os iranianos sobre a conveniência de sair da Síria. Israelenses e russos não têm um acordo estratégico como o existente entre Jerusalém e Washington, mas se respeitam em nível tático, e por isso as forças de um se abstiveram de atacas as do outro na Síria.
Foi com estes cabos que Mauricio Macri se enrolou. E duas vezes: quando fez a Argentina aceitar a partida, e quando a AFA a cancelou depois. O pequeno detalhe é que são cabos de alta tensão.
É irremediável. Na política, quando se está em baixa tudo dá errado. Mauricio Macri sabe disso. No último mês teve que enfrentar o fracasso inflacionário e a fuga de dólares, usando o pretexto de que se tratava de um desastre econômico mundial. Apelou ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Então seus funcionários apresentaram o acordo como se já estivesse fechado, coisa que ainda não está confirmado. Quis transformar a derrota legislativa do aumento nas tarifas num suposto triunfo do veto, como se vetar fosse uma vitória. E também se viu forçado a fingir que ninguém viu outro de seus escorregões: a partida da Seleção Argentina em Jerusalém, que deveria ter acontecido no sábado (9/6), também era uma aposta política do seu governo. Uma aposta que ele perdeu.
A dúvida crucial é: quão injusta será a Argentina a partir desse ataque contra a renda das famílias de classe média e da classe trabalhadora. A garantia de 0,2% do PIB como máximo de margem possível para aumentar eventualmente o gasto social não altera o panorama da crise. Apesar de o apoio dos Estados Unidos ser decisivo dentro do diretório do FMI (onde o voto é qualificado), a Argentina ainda deve negociar os termos finais do acordo, e uma concessão com cada um dos demais sócios importantes, entre eles China, França, Alemanha e Brasil. E ainda fica no ar um mistério: como fará o ministro da Fazenda Nicolás Dujovne para conseguir dólares? Porque, na verdade, a Argentina receberá agora somente 15 bilhões de dólares e não o total de 50 bilhões.
Problema só da AFA?
O discurso oficial consiste em fazer com que as incertezas pareçam vitórias e as derrotas não sejam percebidas. O problema é que, quando os governos exageram na atuação, é mais difícil ocultar uma queda. Além disso, Macri não tem a envergadura de Benjamin Netanyahu, seu sócio político na empreitada de produzir uma movida brusca na política exterior argentina. Israel é um país que pertence ao clube da bomba atômica e Bibi Netanyahu é um político audaz que chegou a colocar o Senado dos Estados Unidos contra Barack Obama.
Donald Trump anunciou a mudança da embaixada norte-americana de Tel Aviv a Jerusalém em dezembro passado. Netanyahu não escondeu a euforia. Os conservadores israelenses querem eternizar a ocupação israelense da zona oriental de Jerusalém e uma das formas é acabando com a categoria de cidade internacional estipulada pela Organização das Nações Unidas. Países como França, Alemanha e Espanha se negaram a dar o mesmo passo, Na América Latina, somente Paraguai e Guatemala seguiram os estadunidenses. A Argentina ficou em silencia, embora isso signifique que tampouco descarta fazê-lo no futuro. Mas decidiu fazer outro gesto, aceitou o pedido israelense de mudar o amistoso entre as seleções de futebol dos dois países de Haifa para Jerusalém.
Os boatos agora dizem que a reprogramação foi uma decisão de Claudio “Chiqui” Tapia, o presidente da Associação de Futebol da Argentina (AFA), que é casado com uma das filhas de Hugo Moyano, que por sua vez é presidente do tradicional clube Independiente e um líder sindical que outrora apoiava o macrismo e agora se opõe ao governo e suas medidas de ajuste.
Outra lenda diz que quando um grupo de palestinos pressionou os jogadores da Seleção mostrando camisetas argentinas manchadas com sangue, durante o treinamento da equipe em Barcelona, Tapia conversou com os jogadores, e aceitou o pedido de suspender a partida.
Tabuleiro
Parece mentira. Outra vez, simplesmente por um gesto desnecessário, como o da mudança do local da partida, a Argentina se meteu em problemas diplomáticos que envolvem o Oriente Médio, e numa confusão que pode custar caro. Se a Casa Rosada confirma a mesma informação apurada pelo diário argentino Página/12, saberá que o incidente terá consequências: o primeiro-ministro israelense e sua ministra de Cultura e Esportes, Miri Regev, acusaram os argentinos pelo impacto negativo gerado pela suspensão da partida.
Os críticos israelenses de Netanyahu encontraram um erro do premier e estão sabendo explorá-lo. “Isso é o que acontece quando a política sufoca o esporte”, escreveu Raz Schechnik em seu sítio web Y.net. “Devem ter pensado que depois do jogo, Messi se tornaria membro do Comitê Central do Likud”, ironizou. O Likud é o partido de extrema direita de Bibi e sua ministra. Outro parágrafo diz que Haifa é um símbolo da coexistência diária entre árabes e judeus. No entanto, a Jerusalém, “é nossa capital eterna, a cidade mais importante de Israel”, mencionando isso como “verdade histórica e sem sequer uma pitada de cinismo”, mas sem que isso signifique “que tudo o que for relacionado com Israel tenha que ser realizado em Jerusalém”.
“Obrigado, você fez o certo, na hora certa”, escreveu um artista de prestígio, o diretor de cinema Uri Misgav, ao diário Haaretz. Misgav se perguntou se o cancelamento seria ou não um ponto de inflexão, e disse que os israelenses não deveriam sentir vergonha. “Um homem que ama o seu país entende que às vezes deve dar una bofetada nele para que volte à realidade”, escreveu.
Qatar
Até mesmo a imprensa israelense menos crítica com Netanyahu não deixou de mostrar que o cancelamento da partida foi um triunfo do presidente da Federação de Futebol da Palestina, Jibril Rajoub, que havia pedido aos torcedores para queimar fotos e camisetas de Messi se participasse do amistoso.
Aparentemente, Rajoub recebe influência do Qatar, um país importante do Oriente Médio, e também do futebol mundial: será a sede da próxima Copa do Mundo, em 2022, patrocinam o Barcelona desde 2011 e controlam o Paris Saint-Germain. O país vive em conflito com a Arábia Saudita, que por sua vez é inimiga do Irã.
No governo argentino, quem percebeu que era preciso descolar o cancelamento da imagem do governo foi o chanceler Jorge Faurie. Foi ele que atribuiu toda a culpa à AFA, tanto com relação à mudança do local da partida quanto ao cancelamento. Na verdade, ou o ministro foi pouco convincente dentro do Executivo, ou Macri não mediu bem as coisas. Primeiro, que ter a Seleção jogando em Jerusalém significa meter mais que uma perna inteira numa questão geopolítica complexa como a do Oriente Médio, e não é decisão que possa ser tomada por um dirigente do futebol. A situação é similar ao que o país viveu nos Anos 90, quando Carlos Menem enviou tropas ao Golfo, na guerra do Kuwait. Segundo, que ao suspender o jogo, a Argentina terminou sendo um elemento a mais da política interna israelense, o que significa também ser um elemento da política mundial, e sem nada o que ganhar com isso – muito pelo contrário. As relações entre Tapia e Macri são como as do seu sogro com o presidente: cheias de altos e baixos, mas com um canal permanente. De qualquer forma, o vice-presidente da AFA continua sendo Daniel Angelici, sucessor de Macri na presidência do clube Boca Juniors e testa de ferro do mandatário. Angelici tampouco percebeu o que poderia acontecer? O se distraiu e depois também tentou uma retirada elegante?
Nem Macri nem seus funcionários de maior nível podem ignorar o tabuleiro infernal em que colocaram o país. O diário Página/12 soube que, nos últimos dois meses, autoridades israelenses transmitiram em detalhes sua visão geopolítica aos colegas argentinos. O ponto principal é que Netanyahu não quer perder força, porque sua meta de hoje é muito maior que o conflito tradicional com os palestinos, sobretudo em Gaza: o objetivo é que o Irã se veja em perigo se permanecer na Síria e opte por retirar de lá suas tropas e armamentos. Os israelenses creem que Teerã é o poder por trás do seu pior inimigo, o Hezbollah, o grupo xiita libanês que também ganhou posições na Síria.
Funcionários israelenses confiaram aos colegas argentinos que a Rússia, principal apoio do presidente sírio Bashar al-Asad, poderia ser o emissário para persuadir os iranianos sobre a conveniência de sair da Síria. Israelenses e russos não têm um acordo estratégico como o existente entre Jerusalém e Washington, mas se respeitam em nível tático, e por isso as forças de um se abstiveram de atacas as do outro na Síria.
Foi com estes cabos que Mauricio Macri se enrolou. E duas vezes: quando fez a Argentina aceitar a partida, e quando a AFA a cancelou depois. O pequeno detalhe é que são cabos de alta tensão.
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