Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Quando se sabe que nem o confinamento em Curitiba impede Lula de ser um personagem permanente na conversa dos brasileiros - agora ele vai publicar comentários sobre a Copa no programa de José Trajano - sua exclusão de qualquer debate político nunca é um fato menor nem simples coincidência. Envolve uma opção política e, através do tratamento a uma pessoa, revela um projeto de país.
Não há dúvida de que, em teoria, uma iniciativa intitulada Pacto pela Democracia, cuja criação foi anunciada ontem em São Paulo, num ato com a presença de lideranças respeitáveis e outras nem tanto do universo político e social do país, poderia constituir uma causa importante no quadro grave de esfacelamento institucional que o Brasil atravessa. Sabemos, pela experiência histórica, que numa situação de aberta ameaça fascista, risco à liberdade e às garantias do Estado Democrático de Direito, a unidade em torno da democracia é uma proposta necessária e civilizada. Em princípio, nenhuma personalidade precisa ser vetada pelo que fez ou disse no passado. O importante é saber o que diz agora.
Mas justamente por esse motivo -- a unidade de ação -- não se pode falar em luta pela democracia sem colocar como prioridade comum a libertação de Luiz Inácio Lula da Silva e a afirmação de seu direito a disputar as eleições presidenciais. Esta é a linha divisória.
A questão não é defender o voto em Lula -- decisão que deve ser um direito de todos mas cabe a qualquer um -- mas assumir a defesa da democracia, este regime que se traduz pelo direito de escolha e o respeito a soberania popular, princípios que na conjuntura atual possuem traduções concretas, sem margem a grandes tergiversações.
É válido admitir que o manifesto do Pacto Democrático aponta para objetivos que, abstratamente, ninguém poderia condenar. Pretende "reafirmar o diálogo, a tolerância e o embate virtuoso de idéias". (A palavra "virtuoso" é um tanto poética para debates políticos mas não vamos implicar com isso). Também promete o "repúdio pleno à discriminação e violência na ação política". Ainda se coloca na defesa de "eleições limpas, diversas e com ampla participação, capazes de efetivamente representar a cidadania e devolver as bases de confiança". Aponta "o compromisso com a realização de uma ampla reforma política após as eleições, voltada a aprofundar a democracia, enfrentando as raízes da erosão e degradação em curso".
Em nenhum momento, contudo, o Pacto toma posição sobre a perseguição a Lula, que desde 7 de abril se encontra preso numa solitária em Curitiba, com base numa condenação artificial, repudiada pelas mais respeitadas vozes da consciência jurídica do país e mesmo do exterior. A menos que as palavras do manifesto sejam puro blá-blá-blá, não há como "reafirmar o diálogo" sem querer ouvir a voz rouca de Lula. Nem se pode imaginar a possibilidade de "aprofundar a democracia, enfrentando as raizes da erosão e degradação em curso" num universo que mantém na prisão, sem crime demonstrado, o mais popular presidente de nossa história. Não seria o caso de "repúdio pleno"?
E aqui está o problema -- num manifesto que expõe impasses e limites que vão muito além das palavras de um texto na tela de um computador mas envolvem uma tentativa de debater o futuro do país.
Ou se compreende que, no momento atual, a legitimidade da eleição presidencial está comprometida pela tentativa de exclusão de Lula, ameaça que fere o direito democrático de escolha de quase 40% dos eleitores que pretendem lhe dar seu voto nas urnas de outubro. (Seria esse o tipo de "eleições limpas" de que estamos falando?)
Ou se fecha os olhos para um projeto de tutela da democracia brasileira através do consórcio formado por um judiciário prepotente, pelo pensamento único da comunicação e pelo coalização imperial que levou Michel Temer ao Planalto, para consolidar uma nova versão de democracia sem povo -- condenável não só pelo caráter excludente, mas por sua natureza inviável num país com nossa desigualdade e memória política.
O que está em curso, no momento, é o renascimento da República Velha, aquela anterior a 1930, onde o lugar dos adversários era na prisão, a política estava reservada a quem nascia em berço de ouro -- e a questão social se resolvia no cassetete da polícia. Este é o preço do silêncio sobre Lula. Sem meios para enfrentar, democraticamente, a força popular de Lula, prefere-se fingir que não existe.
Em resumo: pacto sem Lula é para pato.
Alguma dúvida?
Quando se sabe que nem o confinamento em Curitiba impede Lula de ser um personagem permanente na conversa dos brasileiros - agora ele vai publicar comentários sobre a Copa no programa de José Trajano - sua exclusão de qualquer debate político nunca é um fato menor nem simples coincidência. Envolve uma opção política e, através do tratamento a uma pessoa, revela um projeto de país.
Não há dúvida de que, em teoria, uma iniciativa intitulada Pacto pela Democracia, cuja criação foi anunciada ontem em São Paulo, num ato com a presença de lideranças respeitáveis e outras nem tanto do universo político e social do país, poderia constituir uma causa importante no quadro grave de esfacelamento institucional que o Brasil atravessa. Sabemos, pela experiência histórica, que numa situação de aberta ameaça fascista, risco à liberdade e às garantias do Estado Democrático de Direito, a unidade em torno da democracia é uma proposta necessária e civilizada. Em princípio, nenhuma personalidade precisa ser vetada pelo que fez ou disse no passado. O importante é saber o que diz agora.
Mas justamente por esse motivo -- a unidade de ação -- não se pode falar em luta pela democracia sem colocar como prioridade comum a libertação de Luiz Inácio Lula da Silva e a afirmação de seu direito a disputar as eleições presidenciais. Esta é a linha divisória.
A questão não é defender o voto em Lula -- decisão que deve ser um direito de todos mas cabe a qualquer um -- mas assumir a defesa da democracia, este regime que se traduz pelo direito de escolha e o respeito a soberania popular, princípios que na conjuntura atual possuem traduções concretas, sem margem a grandes tergiversações.
É válido admitir que o manifesto do Pacto Democrático aponta para objetivos que, abstratamente, ninguém poderia condenar. Pretende "reafirmar o diálogo, a tolerância e o embate virtuoso de idéias". (A palavra "virtuoso" é um tanto poética para debates políticos mas não vamos implicar com isso). Também promete o "repúdio pleno à discriminação e violência na ação política". Ainda se coloca na defesa de "eleições limpas, diversas e com ampla participação, capazes de efetivamente representar a cidadania e devolver as bases de confiança". Aponta "o compromisso com a realização de uma ampla reforma política após as eleições, voltada a aprofundar a democracia, enfrentando as raízes da erosão e degradação em curso".
Em nenhum momento, contudo, o Pacto toma posição sobre a perseguição a Lula, que desde 7 de abril se encontra preso numa solitária em Curitiba, com base numa condenação artificial, repudiada pelas mais respeitadas vozes da consciência jurídica do país e mesmo do exterior. A menos que as palavras do manifesto sejam puro blá-blá-blá, não há como "reafirmar o diálogo" sem querer ouvir a voz rouca de Lula. Nem se pode imaginar a possibilidade de "aprofundar a democracia, enfrentando as raizes da erosão e degradação em curso" num universo que mantém na prisão, sem crime demonstrado, o mais popular presidente de nossa história. Não seria o caso de "repúdio pleno"?
E aqui está o problema -- num manifesto que expõe impasses e limites que vão muito além das palavras de um texto na tela de um computador mas envolvem uma tentativa de debater o futuro do país.
Ou se compreende que, no momento atual, a legitimidade da eleição presidencial está comprometida pela tentativa de exclusão de Lula, ameaça que fere o direito democrático de escolha de quase 40% dos eleitores que pretendem lhe dar seu voto nas urnas de outubro. (Seria esse o tipo de "eleições limpas" de que estamos falando?)
Ou se fecha os olhos para um projeto de tutela da democracia brasileira através do consórcio formado por um judiciário prepotente, pelo pensamento único da comunicação e pelo coalização imperial que levou Michel Temer ao Planalto, para consolidar uma nova versão de democracia sem povo -- condenável não só pelo caráter excludente, mas por sua natureza inviável num país com nossa desigualdade e memória política.
O que está em curso, no momento, é o renascimento da República Velha, aquela anterior a 1930, onde o lugar dos adversários era na prisão, a política estava reservada a quem nascia em berço de ouro -- e a questão social se resolvia no cassetete da polícia. Este é o preço do silêncio sobre Lula. Sem meios para enfrentar, democraticamente, a força popular de Lula, prefere-se fingir que não existe.
Em resumo: pacto sem Lula é para pato.
Alguma dúvida?
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