Por Emir Sader, no site da Fundação Perseu Abramo:
Antonio Candido costumava ser chamado assim, segundo ele mesmo, por quem o conhecia pela sua vida acadêmica. Para os mais íntimos, entre os familiares e os amigos mais próximos, era simplesmente Candido. Foi assim que o conhecemos, desde pequenos, como sobrinhos de um dos seus amigos mais próximos, Azis Simão.
Não tínhamos ainda a dimensão da sua figura para a cultura brasileira, mas conhecíamos sua genialidade, nas suas grandes tiradas irônicas, revelando toda a inteligência que permearia toda a sua obra. Nascido no Rio de Janeiro, há exatamente cem anos, cresceu em Poços de Caldas, antes que sua família se mudasse para São Paulo. Ali, estudou na USP, onde começou o curso de Direito, que abandonou antes de concluir, para estudar Ciências Sociais na velha e histórica Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia, sob a influência de Fernando de Azevedo.
Mas logo se concentrou na teoria da literatura, de que ele se tornaria o maior expoente brasileiro e latino-americano, além de formador das melhores gerações de estudiosos do tema aqui no Brasil. Mesmo antes disso, ele foi autor de algumas das obras sociológicas mais importantes do pensamento social brasileiro, Os parceiros do Rio Bonito, livro admirável também pela sua beleza literária.
A formação da literatura brasileira deu início à construção da obra de teoria literária que mudaria o panorama intelectual do Brasil, tornando-se um clássico na mais clara acepção da palavra, adotado, estudado, objeto de teses e edições em vários outros países.
Mas não me deterei aqui na obra de Candido e sim na sua imagem de intelectual da esfera pública, de que ele foi a melhor expressão no Brasil. Essa figura vem daquela da intelligentsia, do intelectual vinculado aos grandes temas de interesse da sociedade, abordados em linguagem acessível e do ponto de vista dos interesses populares, contra as oligarquias no poder. Um intelectual de que Antonio Candido foi o melhor exemplo.
Ele pertence a um tempo em que o intelectual se vinculava indissoluvelmente à esfera pública, à educação pública, à construção democrática da sociedade e do Estado. Era socialista, porque esse era o projeto que se identificava com aqueles interesses.
Pertenceu a grupos socialistas antes de participar da fundação do Partido dos Trabalhadores, partido com o qual se identificou sempre, em particular com a liderança do Lula. Como ele disse, sua personalidade não tem os traços da militância política, mas seu interesse pela política foi dado sempre pelo interesse pelas ideias que as práticas políticas contém.
A crise dos intelectuais das esfera pública é resultado de vários fatores, entre eles a burocratização da vida acadêmica, em que se escreve mais para as agências de financiamento, prestando contas ou solicitando recursos, do que para o grande público, para a opinião pública, para a sociedade no seu conjunto. A própria linguagem se adapta a essas necessidades, tornando-se hermética, inacessível, indecifrável.
Por outro lado, a disseminação dos campus universitários contribuíram decisivamente para afastar as universidades da vida das cidades, além de distanciar as próprias faculdades entre si, distanciadas também geograficamente. Os professores e estudantes de Ciências Sociais e de História da USP, por exemplo, não tendem a se encontrar, seus prédios são distintos, seus cafés são distantes entre si.
Tempos muito diferentes daqueles que eu tive a sorte de viver, em que no mesmo prédio da rua Maria Antonia se podia assistir cursos de Antonio Candido, de Sergio Buarque de Holanda, de Florestan Fernandes, entre tantos outros à disposição dos alunos de todos os cursos.
Além disso, a tendência permanente à hiper especialização das disciplinas faz com que se perca a visão da totalidade da sociedade, produzindo saberes cada vez mais restritos e distanciados da totalidade da realidade.
A morte de Antonio Candido, o nosso Candido, representou um novo momento na desaparição desse tipo de intelectual, do intelectual da esfera pública, que ele soube encarnar como ninguém no Brasil, pela sua trajetória de vida, pela sua obra, pela sua personalidade generosa e pelo exemplo que nos deixou.
Antonio Candido costumava ser chamado assim, segundo ele mesmo, por quem o conhecia pela sua vida acadêmica. Para os mais íntimos, entre os familiares e os amigos mais próximos, era simplesmente Candido. Foi assim que o conhecemos, desde pequenos, como sobrinhos de um dos seus amigos mais próximos, Azis Simão.
Não tínhamos ainda a dimensão da sua figura para a cultura brasileira, mas conhecíamos sua genialidade, nas suas grandes tiradas irônicas, revelando toda a inteligência que permearia toda a sua obra. Nascido no Rio de Janeiro, há exatamente cem anos, cresceu em Poços de Caldas, antes que sua família se mudasse para São Paulo. Ali, estudou na USP, onde começou o curso de Direito, que abandonou antes de concluir, para estudar Ciências Sociais na velha e histórica Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia, sob a influência de Fernando de Azevedo.
Mas logo se concentrou na teoria da literatura, de que ele se tornaria o maior expoente brasileiro e latino-americano, além de formador das melhores gerações de estudiosos do tema aqui no Brasil. Mesmo antes disso, ele foi autor de algumas das obras sociológicas mais importantes do pensamento social brasileiro, Os parceiros do Rio Bonito, livro admirável também pela sua beleza literária.
A formação da literatura brasileira deu início à construção da obra de teoria literária que mudaria o panorama intelectual do Brasil, tornando-se um clássico na mais clara acepção da palavra, adotado, estudado, objeto de teses e edições em vários outros países.
Mas não me deterei aqui na obra de Candido e sim na sua imagem de intelectual da esfera pública, de que ele foi a melhor expressão no Brasil. Essa figura vem daquela da intelligentsia, do intelectual vinculado aos grandes temas de interesse da sociedade, abordados em linguagem acessível e do ponto de vista dos interesses populares, contra as oligarquias no poder. Um intelectual de que Antonio Candido foi o melhor exemplo.
Ele pertence a um tempo em que o intelectual se vinculava indissoluvelmente à esfera pública, à educação pública, à construção democrática da sociedade e do Estado. Era socialista, porque esse era o projeto que se identificava com aqueles interesses.
Pertenceu a grupos socialistas antes de participar da fundação do Partido dos Trabalhadores, partido com o qual se identificou sempre, em particular com a liderança do Lula. Como ele disse, sua personalidade não tem os traços da militância política, mas seu interesse pela política foi dado sempre pelo interesse pelas ideias que as práticas políticas contém.
A crise dos intelectuais das esfera pública é resultado de vários fatores, entre eles a burocratização da vida acadêmica, em que se escreve mais para as agências de financiamento, prestando contas ou solicitando recursos, do que para o grande público, para a opinião pública, para a sociedade no seu conjunto. A própria linguagem se adapta a essas necessidades, tornando-se hermética, inacessível, indecifrável.
Por outro lado, a disseminação dos campus universitários contribuíram decisivamente para afastar as universidades da vida das cidades, além de distanciar as próprias faculdades entre si, distanciadas também geograficamente. Os professores e estudantes de Ciências Sociais e de História da USP, por exemplo, não tendem a se encontrar, seus prédios são distintos, seus cafés são distantes entre si.
Tempos muito diferentes daqueles que eu tive a sorte de viver, em que no mesmo prédio da rua Maria Antonia se podia assistir cursos de Antonio Candido, de Sergio Buarque de Holanda, de Florestan Fernandes, entre tantos outros à disposição dos alunos de todos os cursos.
Além disso, a tendência permanente à hiper especialização das disciplinas faz com que se perca a visão da totalidade da sociedade, produzindo saberes cada vez mais restritos e distanciados da totalidade da realidade.
A morte de Antonio Candido, o nosso Candido, representou um novo momento na desaparição desse tipo de intelectual, do intelectual da esfera pública, que ele soube encarnar como ninguém no Brasil, pela sua trajetória de vida, pela sua obra, pela sua personalidade generosa e pelo exemplo que nos deixou.
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