Em julho de 2016, o deputado Rodrigo Maia, do DEM, era eleito presidente da Câmara, cargo vago havia dois meses, devido ao afastamento judicial de Eduardo Cunha, do MDB. O então líder tucano na Casa, Antonio Imbassahy, pregava a necessidade de se aproveitar o embalo para cassar Cunha – quanta ingratidão com o parceiro de impeachment... – e desconfigurar uma certa força política existente por ali. “O Centrão é visto como uma bactéria dentro da Câmara”, dizia.
O tempo passou, Cunha foi cassado, Imbassahy assumiu por um tempo a chefia da articulação política do governo Michel Temer, não eliminou a “bactéria”, perdeu o posto por obra do tal Centrão e agora vê o presidenciável do seu partido, Geraldo Alckmin, contrair o germe.
Após flertar com competidores diferentes em uma desavergonhada barganha, e de noivar com o tucano uma semana antes, o Centrão subiu ao altar ao lado do ex-governador paulista em uma cerimônia, na quinta-feira 26, em Brasília. Os noivos da poligâmica união com Alckmin são o DEM de Rodrigo Maia, o PP do senador Ciro Nogueira, o PR do ex-deputado Valdemar Costa Neto, o Solidariedade do sindicalista Paulinho da Força e o PRB do bispo Macedo.
Quando sua candidatura for oficializada pelo PSDB, em 4 de agosto, o tucano terá a maior aliança. Ao menos dez partidos, todos fiéis a Temer. Antes da “bactéria”, Alckmin havia atraído o PTB de Roberto Jefferson, o PSD de Gilberto Kassab, o PPS de Roberto Freire e o PV de Sarney Filho. Tem tudo para encarnar o establishment na eleição, ou seja, o poder econômico, “mercado” à frente, e o velho sistema político.
Establishment destinado à derrota, como Hillary Clinton, em 2016, nos Estados Unidos, na avaliação da consultoria global Eurasia. Terá sido essa a razão de o empresário Josué Gomes da Silva, da Coteminas e do PR, fugir do posto de vice na chapa?
Montar a mega-aliança é uma espécie de “agora ou nunca” para o tucano em sua segunda tentativa de chegar ao Palácio do Planalto. Ele está estacionado nas pesquisas na faixa dos 5%, não tem carisma e precisa superar um rival direitista mais popular, o reacionário Jair Bolsonaro.
Pela idade, 65 anos, ainda poderia concorrer de novo, mas quem garante que sobreviverá politicamente em caso de nova derrota? Para contornar as dificuldades, apostou tudo nesse tipo de apoio, a fim de contar com o maior espaço na propaganda eleitoral de rádio e tevê que vai ao ar de 31 de agosto a 4 de outubro.
Ao justificar o matrimônio com a “bactéria”, o médico de Pindamonhangaba diz que “todos os partidos estão fragilizados, inclusive o meu”, daí a necessidade de coligações, até para governar em caso de vitória. E minimiza o risco de contaminação.
“Ninguém vai votar em partido, vai votar em melhor programa, na melhor proposta”, comentou no programa Roda Viva, da TV Cultura, em uma entrevista amistosa, em nada parecida com o mesmo programa que submeteu a presidenciável do PCdoB, Manuela D’Ávila, a um pau de arara.
Curvado ao Centrão e afins, Alckmin entrega-se àquela direita fisiológica que manda no País mesmo sem voto. Ninguém na turma lança candidato a presidente há tempos, pois teria pouca chance, caso se apresentasse à nação com a própria cara e as próprias ideias – “ideias” é uma palavra inadequada para descrever o desejo de deixar tudo como está.
Sua especialidade é exercer o poder de forma subterrânea, por meio da Câmara, aonde se chega com menos esforço. Em 2014, o último deputado eleito por um partido do Centrão em São Paulo, maior colégio eleitoral, teve 80 mil votos: Vinicius Carvalho, do PRB. Com sua tropa de deputados, o Centrão faz do Planalto um refém.
Sem cargos e dinheiro para obras, não aprova nada. E, se o governo fizer jogo duro, revida com CPIs, crises e até impeachment, destino de Dilma Rousseff. Em um debate, em junho, com advogados de grandes empresas, o economista Delfim Netto previu que o próximo presidente corre o risco de degola, pois o sistema político nacional “foi feito para manter o poder dos donos dos partidos, e as reformas políticas dos últimos anos não mudaram nada de importante”.
O atual Centrão é cria de Eduardo Cunha, hoje presidiário. Alçado a líder do MDB na Câmara, em fevereiro de 2013, viveu às turras com Dilma por fazer lobby a favor de empresas em votações de interesse do Planalto. Em março de 2014, juntou MDB, PR, PSC, PTB, PP e PROS em um Blocão.
Até então governista, o grupo aliou-se à oposição e foi à guerra contra a petista. Num dia, criou uma comissão de deputados para ir à Holanda saber mais sobre denúncias de que uma empresa de lá, a SBM Offshore, havia subornado dirigentes da Petrobras. No outro, convocou uma penca de ministros para dar explicações. PR, PP e Solidariedade formavam o Blocão, agora sustentam o Centrão. O PTB também era e aderiu à canoa de Alckmin, embora sem se unir diretamente à “bactéria”.
Como líder do MDB e presidente da Câmara, Eduardo Cunha encampou duas medidas que fortaleceram os deputados para peitar o Pla-nalto. Em julho de 2013, os parlamentares definiram um novo rito de votação de vetos presidenciais em leis. Os vetos costumavam ficar esquecidos num canto, por isso se fixou um prazo de 30 dias para seu exame.
Na prática, a última palavra, antes do Planalto, passou ao Legislativo. A outra medida obrigou o governo a gastar parte da receita anual com obras incluídas individualmente pelos congressistas na lei orçamentária. O chamado orçamento impositivo tira o governo uma arma de tutela da base aliada.
Era esse o objetivo do projeto apresentado em 2000 pelo falecido senador baiano Antonio Carlos Magalhães, do DEM, hoje uma sigla do Centrão, ao brigar com o então presidente FHC. A proposta, segundo ACM, buscava “minimizar o viés” favorável ao governo em assuntos orçamentários, coibir “a ditadura do Poder Executivo”.
A aprovação do orçamento impositivo, em fevereiro de 2015, foi uma das primeiras medidas de Cunha no comando da Câmara. Havia sido eleito para o cargo naquele mês, graças a esse tipo de promessa, com a qual cimentara o Blocão/Centrão em 2014 – sem falar na grana de empresas que arrumou para os seguidores fazerem campanha. Cunha triunfou numa disputa contra um candidato do Planalto, o petista Arlindo Chinaglia, e outro da oposição da época, Júlio Delgado, do PSB.
E em primeiro turno, sem precisar negociar com rivais. Em um jantar, no fim de 2015, na casa do deputado Newton Cardoso Júnior, do MDB mineiro, comentaria, sem saber que era gravado, que “não ter dependido do PT e da oposição permitiu ao PMDB esse protagonismo político, nos deu a liberdade para fazer o que estamos fazendo”. Ou seja, dar as cartas em Brasília.
Cunha levou a limites extremos a tomada do poder por deputados conservadores e fisiológicos, mas não inventou a prática no Brasil. Se alguém merece o título de patrono, é um finado, Roberto Cardoso Alves, deputado da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988). Fazendeiro e advogado, “Robertão” era do PMDB e estava injuriado com os rumos progressistas da Constituinte.
Culpava a ação de dois peemedebistas, o comandante da Assembleia, Ulysses Guimarães, e o líder do partido, Mario Covas, e a omissão de um terceiro, José Sarney, presidente da República. No Globo de 15 de novembro de 1987, comentou: “No instante em que foi constatada a presença da esquerda em postos-chave da Constituinte, começou a surgir uma preocupação mais ou menos generalizada”.
Ele organizou um bloco partidário, arrastou Sarney para a arena e conseguiu alterar as regras de votação da Constituição, de modo a atrapalhar avanços progressistas. O grupo tinha setores do PMDB, PFL, PDS, PTB e PL. O bloco autodenominou-se Centrão. Déjà-vu?
O Centrão daqueles tempos nada tinha de “centro” político, posição entendida como a oscilar entre esquerda e direita, conforme o tema. Como o de agora, 30 anos depois, também não tem, na opinião de Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na USP. Sem surpresas.
O DNA de ambos é quase igual. O DEM de hoje é o PFL da Constituinte, o PP nasceu do PDS, o PR era o PL, siglas do Centrão modelo 2018. “Centro é o pseudônimo da direita envergonhada”, diz Janine Ribeiro. Centrão é o pseudônimo afrontoso da direita exclusivamente fisiológica.”
“Centro” é como o PSDB e alguns aliados espalhados por certas siglas têm se autodenominado, na tentativa de encontrar um espaço na eleição para enfrentar Bolsonaro, extremista da direita, e o campo progressista. Caracterização tucana a incluir MDB, PPS, PV, PTB e os presidenciáveis Marina Silva e Alvaro Dias.
Colaborador antigo do PSDB, o economista neoliberal Arminio Fraga deu uma entrevista, em maio, a O Estado de S. Paulo na qual criticava o partido, apesar de declarar voto em Alckmin, e disparava: “O Centro é uma gororoba que, no fundo, é conservadora de maneira muito primitiva. É o conservadorismo para manter poder e dinheiro. Não tem valor”.
Se acha isso do dito Centro, dá para imaginar sua alegria ao ver seu candidato abraçado ao Centrão. Terá reagido como o histriônico historiador Marco Antonio Villa, antipetista da gema e simpatizante do tucanato? “Ninguém ali é de centro, é todo mundo de direita”, “são quadrilhas”, “saqueadores do Erário”.
Entre os concorrentes de Alckmin sobrou pancada. Para Dias, do Podemos, o Centrão é um “monstro que deve ser combatido”. Bolsonaro disse que o tucano uniu “a escória da política brasileira”. Puro despeito de quem flertou com parte da turma e ficou a ver navios. A incógnita Marina Silva, da Rede, acha que o
Centrão capturou Alckmin como fez com Dilma e Temer. O progressista Guilherme Boulos, do PSOL, afirmou que “ninguém que se aliar com eles poderá oferecer algo novo ao País”. Ciro Gomes, outro progressista, cortejou o Centrão, depois atribuiu a falta de acordo à ajuda divina.
“O único cimento do Centrão é tentar imitar o MDB, pressionando juntos para dividir o butim separados. A chave para um possível entendimento com eles é jamais dar a eles organicidade. Alckmin comete esse erro mortal”, declarou o candidato pedetista ao Valor.
No meio da “bactéria” havia quem preferisse Ciro Gomes, especialmente siglas mais ligadas ao Nordeste, como o DEM e o PP. O jeitão demasiado paulista de Alckmin atrapalha, avaliam lideranças desses partidos. Neste caso, o Palácio do Planalto foi decisivo. Não que houvesse entusiasmo pelo ex-governador paulista, que foge da ligação com Temer como o diabo da cruz.
É bronca com Ciro, que volta e meia chama o presidente e o MDB de “quadrilha”. Em uma mensagem por celular a deputados emedebistas e a Henrique Meirelles, o presidenciável do partido, Carlos Marun, chefe da articulação política do governo, escreveu: “A atitude de Alckmin nas denúncias (da PGR contra o presidente) o torna não merecedor do nosso apoio.
Ajudamos a sua candidatura, é verdade, ao vetarmos o apoio do Centrão ao débil mental do Ciro Gomes. Este apoio foi para os tucanos, mas isto não é de todo ruim. Sabemos que a tucanidade de Alckmin não o faz o candidato para o agora”.
Para Ciro, o PSDB “é o novo MDB”. Ou seria uma volta às origens? O PSDB surgiu há 30 anos em parte porque alguns emedebistas estavam contrariados com a derrota interna sofrida para o Centrão fisiológico na Constituinte. “Robertão”, por exemplo, dizia que “é dando que se recebe”, franciscana confissão do “toma lá dá cá” com o governo, e não por acaso foi ministro de José Sarney.
No livro Imobilismo em Movimento, de 2013, o filósofo e cientista político Marcos Nobre, da Unicamp e do Cebrap, batiza de “peemedebismo” esse modus operandi de captura do governo a partir do Congresso por siglas conservadoras e clientelistas, resistentes a mudanças sociais, econômicas e políticas. Por esse conceito, o Centrão é um grande MDB. Daí que, se o PSDB saiu da costela do MDB, entregar-se três décadas depois ao Centrão é revisitar o colo materno.
Aliás, os vínculos do tucanato com o peemedebismo fazem parte da paisagem. Sérgio Machado foi senador pelo PSDB de 1995 a 2003 e, quando Lula assumiu a faixa de FHC, entrou no MDB para ficar mais perto do poder. Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro de 2003 a 2010, condenado a mais de 100 anos de cadeia, trocou o MDB pelo PSDB quando houve a cisão e elegeu-se deputado estadual tucano por três vezes.
Na campanha de 2014, levou o MDB do Rio a apoiar Aécio Neves, apesar de, oficialmente, os emedebistas estarem com Dilma. Eduardo Paes, prefeito do Rio pelo MDB de 2009 a 2016, tinha sido deputado federal pelo PSDB e abrigou tucanos na equipe. A professora Claudia Costin foi sua secretária de Educação, cargo ocupado por ela no governo paulista de Alckmin.
A economista neoliberal Maria Silvia Bastos Marques comandou a empresa municipal carioca que organizou a Olimpíada de 2016. No governo Temer, ela dirigiu o BNDES por indicação do PSDB.
Apostar tudo nas velhas máquinas partidárias fisiológicas para gerar votos é o que resta a Alckmin numa eleição em que o PSDB não poderá recorrer a feitos econômicos nem ao discurso moralista. No primeiro caso, as realizações do governo Temer, do qual os tucanos são sócios desde o primeiro dia, descredenciam qualquer defesa das medidas aplicadas.
No ano passado, o PIB cresceu 1%. Após a greve dos caminhoneiros de maio, a FGV de São Paulo calcula que o PIB do segundo trimestre recuou 1%. O “mercado”, consultado semanalmente pelo Banco Central, prevê que a economia avançará 1,5% em 2018. Em junho, o mercado de trabalho, já com desemprego alto, voltou ao vermelho: 661 vagas formais foram fechadas.
No campo moral, além dos rolos judiciais de Aécio Neves e José Serra, Alckmin tem os seus próprios problemas. Foi intimado pelo Ministério Público a depor, em 15 de agosto, véspera do início oficial da campanha, sobre a acusação de delatores da Odebrecht de que ele, codinome “Santo” nas planilhas de propina da empreiteira, teria recebido 10 milhões de reais em grana suja nas eleições de 2010 e 2014.
Um colaborador antigo e um ex-secretário em São Paulo, Laurence Casagrande Lourenço, está preso desde junho e acaba de ser indiciado pela Polícia Federal, devido à suspeita de fraudes no Rodoanel. Agora os procuradores decidirão se denunciam Lourenço à Justiça.
Uma delação recém-homologada de ex-funcionários da OAS também aponta desvios no Rodoanel, prenúncio de mais apuros para Alckmin. A CCR, controladora de estradas paulistas privatizadas, negocia um acordo de leniência com o MP para contar sobre os 5 milhões de reais em caixa 2 doados ao tucano.
Com a aliança costurada, Alckmin deverá ocupar 40% da duração do horário eleitoral gratuito de rádio e tevê. Esse canhão de marketing conseguirá seduzir o eleitor? Na campanha de 2006, o tucano tinha até mais tempo (46%) e perdeu para Lula. No PSDB, há quem desconfie da força da propaganda televisiva em uma disputa com eleitores desencantados, revoltados, desempregados.
O secretário-geral do partido, o mineiro Marcus Pestana, tem lembrado que a campanha para prefeito de Belo Horizonte há dois anos foi vencida por um outsider, Alexandre Kalil, do nanico PHS, com uma propaganda televisiva de uns poucos segundos no primeiro turno e muito empenho na internet. Exatamente como, imagina-se, fará Bolsonaro, o rival a ser batido pelo PSDB à direita.
Petista dos mais chegados a Lula, o ex-ministro Gilberto Carvalho acha que Alckmin subirá um pouco nas pesquisas a partir de agora (o tucano tem uns 5%), puxado pelos cabos eleitorais de sua arca partidária, mas permanecerá a incerteza sobre o patamar de resistência de Bolsonaro, hoje com 15%. “Se ele resistir e não cair muito, vai ser uma guerra na direita. Aí a gente precisa estar preparado para tudo. Até para não ter eleição.”
O tempo passou, Cunha foi cassado, Imbassahy assumiu por um tempo a chefia da articulação política do governo Michel Temer, não eliminou a “bactéria”, perdeu o posto por obra do tal Centrão e agora vê o presidenciável do seu partido, Geraldo Alckmin, contrair o germe.
Após flertar com competidores diferentes em uma desavergonhada barganha, e de noivar com o tucano uma semana antes, o Centrão subiu ao altar ao lado do ex-governador paulista em uma cerimônia, na quinta-feira 26, em Brasília. Os noivos da poligâmica união com Alckmin são o DEM de Rodrigo Maia, o PP do senador Ciro Nogueira, o PR do ex-deputado Valdemar Costa Neto, o Solidariedade do sindicalista Paulinho da Força e o PRB do bispo Macedo.
Quando sua candidatura for oficializada pelo PSDB, em 4 de agosto, o tucano terá a maior aliança. Ao menos dez partidos, todos fiéis a Temer. Antes da “bactéria”, Alckmin havia atraído o PTB de Roberto Jefferson, o PSD de Gilberto Kassab, o PPS de Roberto Freire e o PV de Sarney Filho. Tem tudo para encarnar o establishment na eleição, ou seja, o poder econômico, “mercado” à frente, e o velho sistema político.
Establishment destinado à derrota, como Hillary Clinton, em 2016, nos Estados Unidos, na avaliação da consultoria global Eurasia. Terá sido essa a razão de o empresário Josué Gomes da Silva, da Coteminas e do PR, fugir do posto de vice na chapa?
Montar a mega-aliança é uma espécie de “agora ou nunca” para o tucano em sua segunda tentativa de chegar ao Palácio do Planalto. Ele está estacionado nas pesquisas na faixa dos 5%, não tem carisma e precisa superar um rival direitista mais popular, o reacionário Jair Bolsonaro.
Pela idade, 65 anos, ainda poderia concorrer de novo, mas quem garante que sobreviverá politicamente em caso de nova derrota? Para contornar as dificuldades, apostou tudo nesse tipo de apoio, a fim de contar com o maior espaço na propaganda eleitoral de rádio e tevê que vai ao ar de 31 de agosto a 4 de outubro.
Ao justificar o matrimônio com a “bactéria”, o médico de Pindamonhangaba diz que “todos os partidos estão fragilizados, inclusive o meu”, daí a necessidade de coligações, até para governar em caso de vitória. E minimiza o risco de contaminação.
“Ninguém vai votar em partido, vai votar em melhor programa, na melhor proposta”, comentou no programa Roda Viva, da TV Cultura, em uma entrevista amistosa, em nada parecida com o mesmo programa que submeteu a presidenciável do PCdoB, Manuela D’Ávila, a um pau de arara.
Curvado ao Centrão e afins, Alckmin entrega-se àquela direita fisiológica que manda no País mesmo sem voto. Ninguém na turma lança candidato a presidente há tempos, pois teria pouca chance, caso se apresentasse à nação com a própria cara e as próprias ideias – “ideias” é uma palavra inadequada para descrever o desejo de deixar tudo como está.
Sua especialidade é exercer o poder de forma subterrânea, por meio da Câmara, aonde se chega com menos esforço. Em 2014, o último deputado eleito por um partido do Centrão em São Paulo, maior colégio eleitoral, teve 80 mil votos: Vinicius Carvalho, do PRB. Com sua tropa de deputados, o Centrão faz do Planalto um refém.
Sem cargos e dinheiro para obras, não aprova nada. E, se o governo fizer jogo duro, revida com CPIs, crises e até impeachment, destino de Dilma Rousseff. Em um debate, em junho, com advogados de grandes empresas, o economista Delfim Netto previu que o próximo presidente corre o risco de degola, pois o sistema político nacional “foi feito para manter o poder dos donos dos partidos, e as reformas políticas dos últimos anos não mudaram nada de importante”.
O atual Centrão é cria de Eduardo Cunha, hoje presidiário. Alçado a líder do MDB na Câmara, em fevereiro de 2013, viveu às turras com Dilma por fazer lobby a favor de empresas em votações de interesse do Planalto. Em março de 2014, juntou MDB, PR, PSC, PTB, PP e PROS em um Blocão.
Até então governista, o grupo aliou-se à oposição e foi à guerra contra a petista. Num dia, criou uma comissão de deputados para ir à Holanda saber mais sobre denúncias de que uma empresa de lá, a SBM Offshore, havia subornado dirigentes da Petrobras. No outro, convocou uma penca de ministros para dar explicações. PR, PP e Solidariedade formavam o Blocão, agora sustentam o Centrão. O PTB também era e aderiu à canoa de Alckmin, embora sem se unir diretamente à “bactéria”.
Como líder do MDB e presidente da Câmara, Eduardo Cunha encampou duas medidas que fortaleceram os deputados para peitar o Pla-nalto. Em julho de 2013, os parlamentares definiram um novo rito de votação de vetos presidenciais em leis. Os vetos costumavam ficar esquecidos num canto, por isso se fixou um prazo de 30 dias para seu exame.
Na prática, a última palavra, antes do Planalto, passou ao Legislativo. A outra medida obrigou o governo a gastar parte da receita anual com obras incluídas individualmente pelos congressistas na lei orçamentária. O chamado orçamento impositivo tira o governo uma arma de tutela da base aliada.
Era esse o objetivo do projeto apresentado em 2000 pelo falecido senador baiano Antonio Carlos Magalhães, do DEM, hoje uma sigla do Centrão, ao brigar com o então presidente FHC. A proposta, segundo ACM, buscava “minimizar o viés” favorável ao governo em assuntos orçamentários, coibir “a ditadura do Poder Executivo”.
A aprovação do orçamento impositivo, em fevereiro de 2015, foi uma das primeiras medidas de Cunha no comando da Câmara. Havia sido eleito para o cargo naquele mês, graças a esse tipo de promessa, com a qual cimentara o Blocão/Centrão em 2014 – sem falar na grana de empresas que arrumou para os seguidores fazerem campanha. Cunha triunfou numa disputa contra um candidato do Planalto, o petista Arlindo Chinaglia, e outro da oposição da época, Júlio Delgado, do PSB.
E em primeiro turno, sem precisar negociar com rivais. Em um jantar, no fim de 2015, na casa do deputado Newton Cardoso Júnior, do MDB mineiro, comentaria, sem saber que era gravado, que “não ter dependido do PT e da oposição permitiu ao PMDB esse protagonismo político, nos deu a liberdade para fazer o que estamos fazendo”. Ou seja, dar as cartas em Brasília.
Cunha levou a limites extremos a tomada do poder por deputados conservadores e fisiológicos, mas não inventou a prática no Brasil. Se alguém merece o título de patrono, é um finado, Roberto Cardoso Alves, deputado da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988). Fazendeiro e advogado, “Robertão” era do PMDB e estava injuriado com os rumos progressistas da Constituinte.
Culpava a ação de dois peemedebistas, o comandante da Assembleia, Ulysses Guimarães, e o líder do partido, Mario Covas, e a omissão de um terceiro, José Sarney, presidente da República. No Globo de 15 de novembro de 1987, comentou: “No instante em que foi constatada a presença da esquerda em postos-chave da Constituinte, começou a surgir uma preocupação mais ou menos generalizada”.
Ele organizou um bloco partidário, arrastou Sarney para a arena e conseguiu alterar as regras de votação da Constituição, de modo a atrapalhar avanços progressistas. O grupo tinha setores do PMDB, PFL, PDS, PTB e PL. O bloco autodenominou-se Centrão. Déjà-vu?
O Centrão daqueles tempos nada tinha de “centro” político, posição entendida como a oscilar entre esquerda e direita, conforme o tema. Como o de agora, 30 anos depois, também não tem, na opinião de Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na USP. Sem surpresas.
O DNA de ambos é quase igual. O DEM de hoje é o PFL da Constituinte, o PP nasceu do PDS, o PR era o PL, siglas do Centrão modelo 2018. “Centro é o pseudônimo da direita envergonhada”, diz Janine Ribeiro. Centrão é o pseudônimo afrontoso da direita exclusivamente fisiológica.”
“Centro” é como o PSDB e alguns aliados espalhados por certas siglas têm se autodenominado, na tentativa de encontrar um espaço na eleição para enfrentar Bolsonaro, extremista da direita, e o campo progressista. Caracterização tucana a incluir MDB, PPS, PV, PTB e os presidenciáveis Marina Silva e Alvaro Dias.
Colaborador antigo do PSDB, o economista neoliberal Arminio Fraga deu uma entrevista, em maio, a O Estado de S. Paulo na qual criticava o partido, apesar de declarar voto em Alckmin, e disparava: “O Centro é uma gororoba que, no fundo, é conservadora de maneira muito primitiva. É o conservadorismo para manter poder e dinheiro. Não tem valor”.
Se acha isso do dito Centro, dá para imaginar sua alegria ao ver seu candidato abraçado ao Centrão. Terá reagido como o histriônico historiador Marco Antonio Villa, antipetista da gema e simpatizante do tucanato? “Ninguém ali é de centro, é todo mundo de direita”, “são quadrilhas”, “saqueadores do Erário”.
Entre os concorrentes de Alckmin sobrou pancada. Para Dias, do Podemos, o Centrão é um “monstro que deve ser combatido”. Bolsonaro disse que o tucano uniu “a escória da política brasileira”. Puro despeito de quem flertou com parte da turma e ficou a ver navios. A incógnita Marina Silva, da Rede, acha que o
Centrão capturou Alckmin como fez com Dilma e Temer. O progressista Guilherme Boulos, do PSOL, afirmou que “ninguém que se aliar com eles poderá oferecer algo novo ao País”. Ciro Gomes, outro progressista, cortejou o Centrão, depois atribuiu a falta de acordo à ajuda divina.
“O único cimento do Centrão é tentar imitar o MDB, pressionando juntos para dividir o butim separados. A chave para um possível entendimento com eles é jamais dar a eles organicidade. Alckmin comete esse erro mortal”, declarou o candidato pedetista ao Valor.
No meio da “bactéria” havia quem preferisse Ciro Gomes, especialmente siglas mais ligadas ao Nordeste, como o DEM e o PP. O jeitão demasiado paulista de Alckmin atrapalha, avaliam lideranças desses partidos. Neste caso, o Palácio do Planalto foi decisivo. Não que houvesse entusiasmo pelo ex-governador paulista, que foge da ligação com Temer como o diabo da cruz.
É bronca com Ciro, que volta e meia chama o presidente e o MDB de “quadrilha”. Em uma mensagem por celular a deputados emedebistas e a Henrique Meirelles, o presidenciável do partido, Carlos Marun, chefe da articulação política do governo, escreveu: “A atitude de Alckmin nas denúncias (da PGR contra o presidente) o torna não merecedor do nosso apoio.
Ajudamos a sua candidatura, é verdade, ao vetarmos o apoio do Centrão ao débil mental do Ciro Gomes. Este apoio foi para os tucanos, mas isto não é de todo ruim. Sabemos que a tucanidade de Alckmin não o faz o candidato para o agora”.
Para Ciro, o PSDB “é o novo MDB”. Ou seria uma volta às origens? O PSDB surgiu há 30 anos em parte porque alguns emedebistas estavam contrariados com a derrota interna sofrida para o Centrão fisiológico na Constituinte. “Robertão”, por exemplo, dizia que “é dando que se recebe”, franciscana confissão do “toma lá dá cá” com o governo, e não por acaso foi ministro de José Sarney.
No livro Imobilismo em Movimento, de 2013, o filósofo e cientista político Marcos Nobre, da Unicamp e do Cebrap, batiza de “peemedebismo” esse modus operandi de captura do governo a partir do Congresso por siglas conservadoras e clientelistas, resistentes a mudanças sociais, econômicas e políticas. Por esse conceito, o Centrão é um grande MDB. Daí que, se o PSDB saiu da costela do MDB, entregar-se três décadas depois ao Centrão é revisitar o colo materno.
Aliás, os vínculos do tucanato com o peemedebismo fazem parte da paisagem. Sérgio Machado foi senador pelo PSDB de 1995 a 2003 e, quando Lula assumiu a faixa de FHC, entrou no MDB para ficar mais perto do poder. Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro de 2003 a 2010, condenado a mais de 100 anos de cadeia, trocou o MDB pelo PSDB quando houve a cisão e elegeu-se deputado estadual tucano por três vezes.
Na campanha de 2014, levou o MDB do Rio a apoiar Aécio Neves, apesar de, oficialmente, os emedebistas estarem com Dilma. Eduardo Paes, prefeito do Rio pelo MDB de 2009 a 2016, tinha sido deputado federal pelo PSDB e abrigou tucanos na equipe. A professora Claudia Costin foi sua secretária de Educação, cargo ocupado por ela no governo paulista de Alckmin.
A economista neoliberal Maria Silvia Bastos Marques comandou a empresa municipal carioca que organizou a Olimpíada de 2016. No governo Temer, ela dirigiu o BNDES por indicação do PSDB.
Apostar tudo nas velhas máquinas partidárias fisiológicas para gerar votos é o que resta a Alckmin numa eleição em que o PSDB não poderá recorrer a feitos econômicos nem ao discurso moralista. No primeiro caso, as realizações do governo Temer, do qual os tucanos são sócios desde o primeiro dia, descredenciam qualquer defesa das medidas aplicadas.
No ano passado, o PIB cresceu 1%. Após a greve dos caminhoneiros de maio, a FGV de São Paulo calcula que o PIB do segundo trimestre recuou 1%. O “mercado”, consultado semanalmente pelo Banco Central, prevê que a economia avançará 1,5% em 2018. Em junho, o mercado de trabalho, já com desemprego alto, voltou ao vermelho: 661 vagas formais foram fechadas.
No campo moral, além dos rolos judiciais de Aécio Neves e José Serra, Alckmin tem os seus próprios problemas. Foi intimado pelo Ministério Público a depor, em 15 de agosto, véspera do início oficial da campanha, sobre a acusação de delatores da Odebrecht de que ele, codinome “Santo” nas planilhas de propina da empreiteira, teria recebido 10 milhões de reais em grana suja nas eleições de 2010 e 2014.
Um colaborador antigo e um ex-secretário em São Paulo, Laurence Casagrande Lourenço, está preso desde junho e acaba de ser indiciado pela Polícia Federal, devido à suspeita de fraudes no Rodoanel. Agora os procuradores decidirão se denunciam Lourenço à Justiça.
Uma delação recém-homologada de ex-funcionários da OAS também aponta desvios no Rodoanel, prenúncio de mais apuros para Alckmin. A CCR, controladora de estradas paulistas privatizadas, negocia um acordo de leniência com o MP para contar sobre os 5 milhões de reais em caixa 2 doados ao tucano.
Com a aliança costurada, Alckmin deverá ocupar 40% da duração do horário eleitoral gratuito de rádio e tevê. Esse canhão de marketing conseguirá seduzir o eleitor? Na campanha de 2006, o tucano tinha até mais tempo (46%) e perdeu para Lula. No PSDB, há quem desconfie da força da propaganda televisiva em uma disputa com eleitores desencantados, revoltados, desempregados.
O secretário-geral do partido, o mineiro Marcus Pestana, tem lembrado que a campanha para prefeito de Belo Horizonte há dois anos foi vencida por um outsider, Alexandre Kalil, do nanico PHS, com uma propaganda televisiva de uns poucos segundos no primeiro turno e muito empenho na internet. Exatamente como, imagina-se, fará Bolsonaro, o rival a ser batido pelo PSDB à direita.
Petista dos mais chegados a Lula, o ex-ministro Gilberto Carvalho acha que Alckmin subirá um pouco nas pesquisas a partir de agora (o tucano tem uns 5%), puxado pelos cabos eleitorais de sua arca partidária, mas permanecerá a incerteza sobre o patamar de resistência de Bolsonaro, hoje com 15%. “Se ele resistir e não cair muito, vai ser uma guerra na direita. Aí a gente precisa estar preparado para tudo. Até para não ter eleição.”
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