Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
Às vésperas da eleição de 1994, entrevistei Fernando Henrique Cardoso. O propósito era ir às bancas logo após o pleito, o que de fato se deu. Foi a terceira capa de CartaCapital mensal.
No início da entrevista, evoquei a visita de Jean-Paul Sartre a São Paulo, em 1963, quando FHC, aos 31 anos, foi um dos cicerones do autor de A Idade da Razão. Comentei: “Então você era bem vermelhinho”. Respondeu de bate-pronto: “Não, não, eu já misturava Marx com Weber”.
Observei que no prefácio do seu primeiro livro, tese de doutorado em Sociologia, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, ele mesmo escrevera ter empregado o “método dialético marxista”. Agradeceu pela lembrança e admitiu: “Sim, é verdade, mas tirei a referência do prefácio da segunda edição”.
Era “vermelhinho” havia muito tempo. Em 1953, foi para a calçada para torcer por Emil Zátopek, vencedor da São Silvestre com folga, porque o “Locomotiva Humana” tcheco era atleta comunista. Já naquele tempo, Fernando Henrique segredava aos amigos o projeto de ser algum dia presidente da República, ou, como alternativa viável, cardeal.
Denodado esquerdista, fugiu para o Chile depois do golpe de 1964 sem que a tanto o forçassem os militares, e lá, em parceria com Enzo Falletto, escreveu A Teoria da Dependência, destinada a afirmar sua irremediável descrença em relação ao empresariado brasileiro.
Para tornar-se presidente, ele cuidou de abjurar, e o fez com gosto. “Esqueçam o que eu disse”, recomendou. De todo modo, Antonio Carlos Magalhães já alertara na segunda edição de CartaCapital mensal: ele não é tão de esquerda assim...
Na Presidência, o projeto inicial ganhou consistência. Conseguiu, em oito anos, comandar a maior bandalheira-roubalheira da história pátria com a privatização das Comunicações, comprar votos para conseguir a alteração constitucional que permitiu a reeleição e quebrar o País três vezes.
Ao chegar ao poder, Lula encontrou uma dívida monumental e as burras vazias. Atenção: durante o governo de FHC, a Petrobras passou, como sempre, por variados episódios de corrupção.
Na reportagem de capa desta edição, Alceu Luís Castilho, há tempos dedicado à tarefa, conta como o nosso herói se tornou o príncipe da casa-grande, com todos os benefícios devidos a personagem tão imponente no centro de um enredo sobre a conquista do poder na sua acepção mais ampla e, se quisermos, estarrecedora.
Os protagonistas ocupam, no mínimo, uma ala conspícua da mansão senhorial graças a manobras ardilosas de origem nem tão antiga, embora, para dizer pouco, muito além de suspeita. A família de um professor universitário aposentado, como será provado, e seus apaniguados e comparsas, empenham-se com extrema eficácia e total falta de escrúpulos em busca de privilégio e riqueza. Leiam e pasmem.
Aqui, na esquina da perplexidade, me pergunto onde fica a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, que imaginava tempos atrás no papel das enfermeiras dos filmes de guerra dos anos 40, a fechar os olhos dos tombados em combate recolhida à tenda tornada hospital à margem do campo de batalha, enquanto as bombas explodem indiferentes à sua volta. Será que dona Ruth se deu conta dos verdadeiros anseios familiares?
Enquanto o ex-presidente Lula é condenado sem prova e preso sem crime, o príncipe da casa-grande, dono de uma fortuna notável, vive em perfeita paz sem merecer a mais pálida sombra de risco ou ameaça. É lamentável que o país do futebol seja incapaz de entender a fraude da próxima eleição e o trágico destino à nossa espreita.
Haverá remédio, contudo, para a demência? Talvez seja tão difícil levar o povo brasileiro a entender que Neymar é, antes de mais nada, ridículo e que a redonda não é tratada com carinho somente por pés nativos, quanto a se perceber como vítima do golpe de 2016 e do estado de exceção, seu resultado, abismo sem fim em que precipitamos.
"Há dois conjuntos distintos de princípios. Os princípios do poder e do privilégio de um lado, os princípios da verdade e da justiça do outro. Buscar verdade e justiça implica diminuição do poder e do privilégio, buscar poder e privilégio sempre se dará às expensas da verdade e da justiça", Chris Hedges – Jornalista estadunidense que se apresenta como cristão anarquista.
Às vésperas da eleição de 1994, entrevistei Fernando Henrique Cardoso. O propósito era ir às bancas logo após o pleito, o que de fato se deu. Foi a terceira capa de CartaCapital mensal.
No início da entrevista, evoquei a visita de Jean-Paul Sartre a São Paulo, em 1963, quando FHC, aos 31 anos, foi um dos cicerones do autor de A Idade da Razão. Comentei: “Então você era bem vermelhinho”. Respondeu de bate-pronto: “Não, não, eu já misturava Marx com Weber”.
Observei que no prefácio do seu primeiro livro, tese de doutorado em Sociologia, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, ele mesmo escrevera ter empregado o “método dialético marxista”. Agradeceu pela lembrança e admitiu: “Sim, é verdade, mas tirei a referência do prefácio da segunda edição”.
Era “vermelhinho” havia muito tempo. Em 1953, foi para a calçada para torcer por Emil Zátopek, vencedor da São Silvestre com folga, porque o “Locomotiva Humana” tcheco era atleta comunista. Já naquele tempo, Fernando Henrique segredava aos amigos o projeto de ser algum dia presidente da República, ou, como alternativa viável, cardeal.
Denodado esquerdista, fugiu para o Chile depois do golpe de 1964 sem que a tanto o forçassem os militares, e lá, em parceria com Enzo Falletto, escreveu A Teoria da Dependência, destinada a afirmar sua irremediável descrença em relação ao empresariado brasileiro.
Para tornar-se presidente, ele cuidou de abjurar, e o fez com gosto. “Esqueçam o que eu disse”, recomendou. De todo modo, Antonio Carlos Magalhães já alertara na segunda edição de CartaCapital mensal: ele não é tão de esquerda assim...
Na Presidência, o projeto inicial ganhou consistência. Conseguiu, em oito anos, comandar a maior bandalheira-roubalheira da história pátria com a privatização das Comunicações, comprar votos para conseguir a alteração constitucional que permitiu a reeleição e quebrar o País três vezes.
Ao chegar ao poder, Lula encontrou uma dívida monumental e as burras vazias. Atenção: durante o governo de FHC, a Petrobras passou, como sempre, por variados episódios de corrupção.
Na reportagem de capa desta edição, Alceu Luís Castilho, há tempos dedicado à tarefa, conta como o nosso herói se tornou o príncipe da casa-grande, com todos os benefícios devidos a personagem tão imponente no centro de um enredo sobre a conquista do poder na sua acepção mais ampla e, se quisermos, estarrecedora.
Os protagonistas ocupam, no mínimo, uma ala conspícua da mansão senhorial graças a manobras ardilosas de origem nem tão antiga, embora, para dizer pouco, muito além de suspeita. A família de um professor universitário aposentado, como será provado, e seus apaniguados e comparsas, empenham-se com extrema eficácia e total falta de escrúpulos em busca de privilégio e riqueza. Leiam e pasmem.
Aqui, na esquina da perplexidade, me pergunto onde fica a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, que imaginava tempos atrás no papel das enfermeiras dos filmes de guerra dos anos 40, a fechar os olhos dos tombados em combate recolhida à tenda tornada hospital à margem do campo de batalha, enquanto as bombas explodem indiferentes à sua volta. Será que dona Ruth se deu conta dos verdadeiros anseios familiares?
Enquanto o ex-presidente Lula é condenado sem prova e preso sem crime, o príncipe da casa-grande, dono de uma fortuna notável, vive em perfeita paz sem merecer a mais pálida sombra de risco ou ameaça. É lamentável que o país do futebol seja incapaz de entender a fraude da próxima eleição e o trágico destino à nossa espreita.
Haverá remédio, contudo, para a demência? Talvez seja tão difícil levar o povo brasileiro a entender que Neymar é, antes de mais nada, ridículo e que a redonda não é tratada com carinho somente por pés nativos, quanto a se perceber como vítima do golpe de 2016 e do estado de exceção, seu resultado, abismo sem fim em que precipitamos.
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