Por Tatiana Carlotti, no site Carta Maior:
“Lula Livre – Lula Livro” é obra-manifesto. Um grito coletivo ecoado em 86 produções de escritores e cartunistas brasileiros, em forte denúncia contra o golpe e a prisão política de Lula, líder absoluto nas pesquisas de intenção de voto nas eleições de outubro.
Lançando nos dois principais eventos da última semana, a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e o Festival Lula-Livre no Rio de Janeiro, “Lula Livre-Lula Livro” foi organizado por Ademir Assunção (“Ninguém na Praia Brava”, Patuá/2016) e Marcelino Freire (“Nossos Ossos”, Record/2013) que, em tempo recorde, conseguiram reunir a contribuição de autores extremamente representativos da literatura brasileira.
A ideia surgiu durante a visita de Ademir Assunção à Vigília Lula Livre, a cem metros do prédio da Polícia Federal, onde Lula se encontra preso há mais de cem dias em Curitiba. “Eu fiquei muito emocionado em ver as pessoas ali, estudantes, trabalhadores, donas de casa, idosos e crianças, todos juntos dando ´Bom dia, presidente´, ´Boa noite, presidente´. É algo muito tocante”, conta o escritor.
“Ali, eu pensei que nós poderíamos fazer alguma coisa para juntar a voz dos escritores às vozes dos trabalhadores, donas de casa, estudantes, militantes do MST e tantos outros. Então, eu liguei para o Marcelino [Freire] que tem uma capacidade enorme de diálogo com os escritores e ele se entusiasmou na hora. Aí começou tudo”.
O livro conta com a participação de 86 artistas e escritores como Aldir Blanc, Alice Ruiz, Andrea del Fuego, Augusto de Campos, Binho, Chacal, Chico Buarque, Chico César, Eric Nepomuceno, Ferréz, Frei Betto, Glauco Mattoso, Laerte, Márcia Denser, Noemi Jaffe, Patrícia Valim, Paulo Lins, Raduan Nassar, Ricardo Aleixo, Seraphim Pietroforte, Sérgio Vaz, Susanna Busato, Xico Sá entre vários outros.
O resultado é impactante. Na página 107, por exemplo, o escritor Marcelino Freire traz a exata dimensão da cela em que se encontra o ex-presidente, “a mais miúda prisão”, confiram:
“A cela é pequena para tantas empregadas domésticas, negros, negras, latino-americanos. Para gays e lésbicas e estudantes periféricos. É uma cela pequena para os irmãos africanos. Pequena para as crianças, os estudantes pobres, os analfabetos. A cela lotada de mães que continuam perdendo os filhos, para os filhos perdidos, os presos políticos, catadores de papel. Não cabe mais nenhum pedreiro, estivador. Os sem-terra, os sem-teto, os índios kayowá. Até em cima, um em cima do outro. Mesmo se fosse em regime aberto, uma fila em direção ao céu. É um bando de gente humilde, no mesmo espaço, que vimos viajar, pela primeira vez, dentro de um avião. Avistando de longe o chão que pisa, a flor que nasceu da água agora irrigada, no grão do sertão. É a mais miúda prisão, para o tanto de gente presa, com ele e por ele, continuaremos a lutar. Esperem, podem apostar, pela grande rebelião. Marielle presente! Lula Livre já!”
O conto acima e vários outros contos, poemas, cartoons, análises, em suma, várias formas de expressão se alternam ao longo da obra, dando voz à indignação ante ao golpe e à violência da prisão de Lula. Um livro “explicitamente político pela liberdade do Lula, uma coisa que não acontecia há muito tempo no Brasil”, sintetiza Assunção.
Ele conta que, em breve, a íntegra da obra será disponibilizada em um site com este fim. Também serão organizados eventos de divulgação do livro que será vendido a preço popular, cobrando-se apenas os custos de distribuição e logística.
Confira abaixo o manifesto Lula Livre / Lula Livro assinado pelos organizadores da obra.
*****
Lula Livre - Lula Livro
“Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.”
Camões
Joseph K., o conhecidíssimo personagem de Franz Kafka, se vê enredado em um processo judicial, cujas origens desconhece e cujo desenrolar vai se tornando cada vez mais obscuro, sórdido e absurdo.
O processo que assistimos no Brasil contemporâneo, contra uma figura pública central da história política dos últimos 40 anos, guarda semelhanças e dessemelhanças com o enredo kafkiano: se o seu desenrolar expõe uma lógica absurda, suas origens e fins são muito delineáveis.
Travestido com togas cheias de furos e remendos, simulação grosseira dos ritos legais que deveriam nortear a Justiça (com J maiúsculo), ele obedece a princípios e a um calendário com objetivo calculado: eliminar da disputa presidencial de 2018 o candidato com mais chances de vitória.
Orquestrado sob o pretexto de combate à corrupção – combate sempre bem-vindo e necessário – sua utilização camufla, porém, objetivos maiores: barrar as importantes mudanças que estavam em curso no país – muitas delas resultantes de demandas seculares –, principalmente a mais significativa, mas não a única: a retirada de 36 milhões de brasileiros do cinturão de miséria, por meio de políticas, programas e investimentos sociais reconhecidos e valorizados internacionalmente.
Como já visto em outros momentos da história recente, sob os mesmos pretextos e com métodos semelhantes, o que se concretiza é um golpe contra os interesses da maioria da população, para manter os privilégios de uma minoria.
Basta verificar que, logo após a consolidação da primeira etapa do golpe, uma das medidas aprovadas pelo Congresso Nacional foi a reforma trabalhista, que retira direitos históricos dos trabalhadores e agudiza ainda mais a crônica desigualdade socioeconômica brasileira.
É nesse contexto que surge este livro-manifesto. Mais do que um documento literário, o que se pretende é um documento claramente político, com as armas que os autores utilizam em seu fazer criativo: poemas, contos, crônicas, ensaios e cartuns.
Os 86 poetas, prosadores e cartunistas aqui reunidos – de todas as regiões do país – atenderam ao chamado, na urgência dos fatos em curso no Brasil, para manifestar seu inconformismo com a prisão política do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Em um prazo curto, de poucas semanas, autores “que consideram a prisão de Lula uma aberração jurídica-política-midiática, com o objetivo maior de tirá-lo das eleições presidenciais deste ano, no tapetão, na cara-dura”, conforme consignado no texto-convite enviado a cada um deles, fizeram questão de levantar a voz e enviar suas colaborações inéditas em livro.
O título é uma clara tomada de posição de todos os autores pela liberdade de Lula, mas a temática dos poemas, contos, crônicas e cartuns vai além: em rápidas pinceladas, determinadas pela urgência da iniciativa, procura manifestar o descontentamento com as mazelas de um país massacrado pela histórica e brutal desigualdade socioeconômica, e pelo retrocesso social, político, cultural e mental representado pelo golpe de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff, eleita por 54.501.118 brasileiros, foi destituída através de uma manobra orquestrada por setores políticos, jurídicos e midiáticos, a pretexto de prosaicas e já esquecidas “pedaladas fiscais”.
O ódio abertamente fomentado na população por grande parte dos meios de comunicação de massa, o cinismo de acusações generalizadas, muitas vezes disparadas por notórios personagens aviltantes, e o escárnio com as regras do jogo democrático, manipuladas ao bel-prazer de interesses obscuros, repetiram uma liturgia já vista em outros momentos históricos do Brasil, posta em prática sempre que se procura uma ordenação mais justa na vida social e econômica do país.
O propósito deste livro, portanto, é o de unir as vozes destes autores aos movimentos nacionais – e até mesmo internacionais – contra a farsa da prisão do ex-Presidente Lula, e contra a continuidade do golpe antidemocrático representado por sua exclusão do processo eleitoral de 2018.
Pelo fim da prisão política de Luiz Inácio Lula da Silva; pelo direito dos eleitores votarem – ou não – em sua candidatura para a Presidência da República; pelo retorno do Brasil à normalidade democrática, é que se deve a existência deste Lula Livro.
Ademir Assunção / Marcelino Freire
“Lula Livre – Lula Livro” é obra-manifesto. Um grito coletivo ecoado em 86 produções de escritores e cartunistas brasileiros, em forte denúncia contra o golpe e a prisão política de Lula, líder absoluto nas pesquisas de intenção de voto nas eleições de outubro.
Lançando nos dois principais eventos da última semana, a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e o Festival Lula-Livre no Rio de Janeiro, “Lula Livre-Lula Livro” foi organizado por Ademir Assunção (“Ninguém na Praia Brava”, Patuá/2016) e Marcelino Freire (“Nossos Ossos”, Record/2013) que, em tempo recorde, conseguiram reunir a contribuição de autores extremamente representativos da literatura brasileira.
A ideia surgiu durante a visita de Ademir Assunção à Vigília Lula Livre, a cem metros do prédio da Polícia Federal, onde Lula se encontra preso há mais de cem dias em Curitiba. “Eu fiquei muito emocionado em ver as pessoas ali, estudantes, trabalhadores, donas de casa, idosos e crianças, todos juntos dando ´Bom dia, presidente´, ´Boa noite, presidente´. É algo muito tocante”, conta o escritor.
“Ali, eu pensei que nós poderíamos fazer alguma coisa para juntar a voz dos escritores às vozes dos trabalhadores, donas de casa, estudantes, militantes do MST e tantos outros. Então, eu liguei para o Marcelino [Freire] que tem uma capacidade enorme de diálogo com os escritores e ele se entusiasmou na hora. Aí começou tudo”.
O livro conta com a participação de 86 artistas e escritores como Aldir Blanc, Alice Ruiz, Andrea del Fuego, Augusto de Campos, Binho, Chacal, Chico Buarque, Chico César, Eric Nepomuceno, Ferréz, Frei Betto, Glauco Mattoso, Laerte, Márcia Denser, Noemi Jaffe, Patrícia Valim, Paulo Lins, Raduan Nassar, Ricardo Aleixo, Seraphim Pietroforte, Sérgio Vaz, Susanna Busato, Xico Sá entre vários outros.
O resultado é impactante. Na página 107, por exemplo, o escritor Marcelino Freire traz a exata dimensão da cela em que se encontra o ex-presidente, “a mais miúda prisão”, confiram:
“A cela é pequena para tantas empregadas domésticas, negros, negras, latino-americanos. Para gays e lésbicas e estudantes periféricos. É uma cela pequena para os irmãos africanos. Pequena para as crianças, os estudantes pobres, os analfabetos. A cela lotada de mães que continuam perdendo os filhos, para os filhos perdidos, os presos políticos, catadores de papel. Não cabe mais nenhum pedreiro, estivador. Os sem-terra, os sem-teto, os índios kayowá. Até em cima, um em cima do outro. Mesmo se fosse em regime aberto, uma fila em direção ao céu. É um bando de gente humilde, no mesmo espaço, que vimos viajar, pela primeira vez, dentro de um avião. Avistando de longe o chão que pisa, a flor que nasceu da água agora irrigada, no grão do sertão. É a mais miúda prisão, para o tanto de gente presa, com ele e por ele, continuaremos a lutar. Esperem, podem apostar, pela grande rebelião. Marielle presente! Lula Livre já!”
O conto acima e vários outros contos, poemas, cartoons, análises, em suma, várias formas de expressão se alternam ao longo da obra, dando voz à indignação ante ao golpe e à violência da prisão de Lula. Um livro “explicitamente político pela liberdade do Lula, uma coisa que não acontecia há muito tempo no Brasil”, sintetiza Assunção.
Ele conta que, em breve, a íntegra da obra será disponibilizada em um site com este fim. Também serão organizados eventos de divulgação do livro que será vendido a preço popular, cobrando-se apenas os custos de distribuição e logística.
Confira abaixo o manifesto Lula Livre / Lula Livro assinado pelos organizadores da obra.
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Lula Livre - Lula Livro
“Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.”
Camões
Joseph K., o conhecidíssimo personagem de Franz Kafka, se vê enredado em um processo judicial, cujas origens desconhece e cujo desenrolar vai se tornando cada vez mais obscuro, sórdido e absurdo.
O processo que assistimos no Brasil contemporâneo, contra uma figura pública central da história política dos últimos 40 anos, guarda semelhanças e dessemelhanças com o enredo kafkiano: se o seu desenrolar expõe uma lógica absurda, suas origens e fins são muito delineáveis.
Travestido com togas cheias de furos e remendos, simulação grosseira dos ritos legais que deveriam nortear a Justiça (com J maiúsculo), ele obedece a princípios e a um calendário com objetivo calculado: eliminar da disputa presidencial de 2018 o candidato com mais chances de vitória.
Orquestrado sob o pretexto de combate à corrupção – combate sempre bem-vindo e necessário – sua utilização camufla, porém, objetivos maiores: barrar as importantes mudanças que estavam em curso no país – muitas delas resultantes de demandas seculares –, principalmente a mais significativa, mas não a única: a retirada de 36 milhões de brasileiros do cinturão de miséria, por meio de políticas, programas e investimentos sociais reconhecidos e valorizados internacionalmente.
Como já visto em outros momentos da história recente, sob os mesmos pretextos e com métodos semelhantes, o que se concretiza é um golpe contra os interesses da maioria da população, para manter os privilégios de uma minoria.
Basta verificar que, logo após a consolidação da primeira etapa do golpe, uma das medidas aprovadas pelo Congresso Nacional foi a reforma trabalhista, que retira direitos históricos dos trabalhadores e agudiza ainda mais a crônica desigualdade socioeconômica brasileira.
É nesse contexto que surge este livro-manifesto. Mais do que um documento literário, o que se pretende é um documento claramente político, com as armas que os autores utilizam em seu fazer criativo: poemas, contos, crônicas, ensaios e cartuns.
Os 86 poetas, prosadores e cartunistas aqui reunidos – de todas as regiões do país – atenderam ao chamado, na urgência dos fatos em curso no Brasil, para manifestar seu inconformismo com a prisão política do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Em um prazo curto, de poucas semanas, autores “que consideram a prisão de Lula uma aberração jurídica-política-midiática, com o objetivo maior de tirá-lo das eleições presidenciais deste ano, no tapetão, na cara-dura”, conforme consignado no texto-convite enviado a cada um deles, fizeram questão de levantar a voz e enviar suas colaborações inéditas em livro.
O título é uma clara tomada de posição de todos os autores pela liberdade de Lula, mas a temática dos poemas, contos, crônicas e cartuns vai além: em rápidas pinceladas, determinadas pela urgência da iniciativa, procura manifestar o descontentamento com as mazelas de um país massacrado pela histórica e brutal desigualdade socioeconômica, e pelo retrocesso social, político, cultural e mental representado pelo golpe de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff, eleita por 54.501.118 brasileiros, foi destituída através de uma manobra orquestrada por setores políticos, jurídicos e midiáticos, a pretexto de prosaicas e já esquecidas “pedaladas fiscais”.
O ódio abertamente fomentado na população por grande parte dos meios de comunicação de massa, o cinismo de acusações generalizadas, muitas vezes disparadas por notórios personagens aviltantes, e o escárnio com as regras do jogo democrático, manipuladas ao bel-prazer de interesses obscuros, repetiram uma liturgia já vista em outros momentos históricos do Brasil, posta em prática sempre que se procura uma ordenação mais justa na vida social e econômica do país.
O propósito deste livro, portanto, é o de unir as vozes destes autores aos movimentos nacionais – e até mesmo internacionais – contra a farsa da prisão do ex-Presidente Lula, e contra a continuidade do golpe antidemocrático representado por sua exclusão do processo eleitoral de 2018.
Pelo fim da prisão política de Luiz Inácio Lula da Silva; pelo direito dos eleitores votarem – ou não – em sua candidatura para a Presidência da República; pelo retorno do Brasil à normalidade democrática, é que se deve a existência deste Lula Livro.
Ademir Assunção / Marcelino Freire
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