Por Martín Granovsky, no site Carta Maior:
O anúncio do presidente argentino Mauricio Macri sobre as mudanças na função das Forças Armadas dissolve a barreira entre a segurança interior e a defesa nacional. Se a sociedade não conseguir freá-lo, é uma decisão que mudará a Argentina para sempre. E arruinará até mesmo a vida dos próprios militares.
Macri abriu as comportas que levam seu país ao México. Em 2006, o presidente Felipe Calderón acionou os militares na luta contra o narcotráfico. Os mortos pela guerra entre os narcos e a guerra militar antinarco, aos quais se incluem os assassinatos por outros crimes, chegaram a 234 mil entre 2006 e 2017. Os dados são do Instituto Nacional de Estatística e Geografia e do Sistema Nacional de Segurança Pública do México. Primeiro esclarecimento: o problema do narcotráfico na Argentina não tem nada a ver com o do México. Os astecas têm, do outro lado dos 3,1 mil quilômetros da sua fronteira norte, a maior demanda de droga do mundo. Antes, de cocaína. Agora, também de opioides e drogas sintéticas. Segundo esclarecimento: a participação militar produziu mais mortes, e não solucionou o problema do tráfico naquele país.
Outro argumento governamental é que as ameaças não vêm somente dos Estados estrangeiros, e sim de agentes extra-estatais. É uma verdade parcial, porque sempre há Estados por trás. Os especialistas discutem, por exemplo, o papel do Qatar no apoio ao terrorismo no Oriente Médio e fora dele. Mas até mesmo quando não se tratam de Estados, habitualmente, os ataques não usam armamento militar. As Torres Gêmeas foram derrubadas e milhares de pessoas exterminadas com o uso de suicidas e aviões civis roubados e desviados de sua rota. O grupo al-Qaeda não tinha sequer pistolas. Os que planificam atentados na Europa também usam suicidas bem treinados como arma, e esses, por sua vez, usam facas ou caminhões para massacrar turistas que passeiam por Londres ou Nice.
Em termos biológicos, é verdade que os atuais militares argentinos não têm responsabilidade alguma nos crimes da ditadura. Um general de 55 anos hoje tinha apenas 13 em 1976. Mas a história transcende a biologia. A Argentina teve problemas quando os militares estadunidenses acionaram sua Doutrina de Segurança Nacional, segundo a qual o inimigo estava espalhado pelo mundo, e era preciso rastreá-lo e exterminá-lo, assim como fizeram os colonialistas franceses contra os insurgentes da Argélia: a tortura como fonte de inteligência e o assassinato como método de solução.
A democracia argentina, com o acordo entre radicais e peronistas em matéria de segurança interior e defesa nacional, construiu uma nova legalidade. Não é que os militares, considerados individualmente, sejam viciados na repressão interna. As instituições se basearam nessa doutrina e nessa prática, e o resultado foi milhares de mortos e desaparecidos. Pela derrota militar na aventura das Malvinas, o peso dos organismos de direitos humanos e o avanço da consciência democrática, os argentinos tiveram a Conadep (Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, espécie de comissão da verdade argentina), o Nunca Mais, o Julgamento das Juntas Militares, os processos sobre Memória, Verdade e Justiça. Também quiseram, souberam e puderam separar as Forças Armadas de funções internas e de funções externas não militares. Como sociedade, evitaram a recaída. Para pensá-lo em termos de dependência química, o que começou como uma redução de danos terminou sendo uma mudança mais profunda.
Agora, se abre outra vez o caminho ao desastre. Um caminho que, com muita razão, estava fechado. E, sem motivos nem argumentos reais, o governo nos leva a uma guerra. Como o mexicano Felipe Calderón, que liquidou seu próprio partido conservador – o PAN (Partido da Ação Nacional) –, Macri está empreendendo o caminho de um suicida. O risco é que, como se trata de um presidente, o suicídio pode ser coletivo.
O anúncio do presidente argentino Mauricio Macri sobre as mudanças na função das Forças Armadas dissolve a barreira entre a segurança interior e a defesa nacional. Se a sociedade não conseguir freá-lo, é uma decisão que mudará a Argentina para sempre. E arruinará até mesmo a vida dos próprios militares.
Macri abriu as comportas que levam seu país ao México. Em 2006, o presidente Felipe Calderón acionou os militares na luta contra o narcotráfico. Os mortos pela guerra entre os narcos e a guerra militar antinarco, aos quais se incluem os assassinatos por outros crimes, chegaram a 234 mil entre 2006 e 2017. Os dados são do Instituto Nacional de Estatística e Geografia e do Sistema Nacional de Segurança Pública do México. Primeiro esclarecimento: o problema do narcotráfico na Argentina não tem nada a ver com o do México. Os astecas têm, do outro lado dos 3,1 mil quilômetros da sua fronteira norte, a maior demanda de droga do mundo. Antes, de cocaína. Agora, também de opioides e drogas sintéticas. Segundo esclarecimento: a participação militar produziu mais mortes, e não solucionou o problema do tráfico naquele país.
Outro argumento governamental é que as ameaças não vêm somente dos Estados estrangeiros, e sim de agentes extra-estatais. É uma verdade parcial, porque sempre há Estados por trás. Os especialistas discutem, por exemplo, o papel do Qatar no apoio ao terrorismo no Oriente Médio e fora dele. Mas até mesmo quando não se tratam de Estados, habitualmente, os ataques não usam armamento militar. As Torres Gêmeas foram derrubadas e milhares de pessoas exterminadas com o uso de suicidas e aviões civis roubados e desviados de sua rota. O grupo al-Qaeda não tinha sequer pistolas. Os que planificam atentados na Europa também usam suicidas bem treinados como arma, e esses, por sua vez, usam facas ou caminhões para massacrar turistas que passeiam por Londres ou Nice.
Em termos biológicos, é verdade que os atuais militares argentinos não têm responsabilidade alguma nos crimes da ditadura. Um general de 55 anos hoje tinha apenas 13 em 1976. Mas a história transcende a biologia. A Argentina teve problemas quando os militares estadunidenses acionaram sua Doutrina de Segurança Nacional, segundo a qual o inimigo estava espalhado pelo mundo, e era preciso rastreá-lo e exterminá-lo, assim como fizeram os colonialistas franceses contra os insurgentes da Argélia: a tortura como fonte de inteligência e o assassinato como método de solução.
A democracia argentina, com o acordo entre radicais e peronistas em matéria de segurança interior e defesa nacional, construiu uma nova legalidade. Não é que os militares, considerados individualmente, sejam viciados na repressão interna. As instituições se basearam nessa doutrina e nessa prática, e o resultado foi milhares de mortos e desaparecidos. Pela derrota militar na aventura das Malvinas, o peso dos organismos de direitos humanos e o avanço da consciência democrática, os argentinos tiveram a Conadep (Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, espécie de comissão da verdade argentina), o Nunca Mais, o Julgamento das Juntas Militares, os processos sobre Memória, Verdade e Justiça. Também quiseram, souberam e puderam separar as Forças Armadas de funções internas e de funções externas não militares. Como sociedade, evitaram a recaída. Para pensá-lo em termos de dependência química, o que começou como uma redução de danos terminou sendo uma mudança mais profunda.
Agora, se abre outra vez o caminho ao desastre. Um caminho que, com muita razão, estava fechado. E, sem motivos nem argumentos reais, o governo nos leva a uma guerra. Como o mexicano Felipe Calderón, que liquidou seu próprio partido conservador – o PAN (Partido da Ação Nacional) –, Macri está empreendendo o caminho de um suicida. O risco é que, como se trata de um presidente, o suicídio pode ser coletivo.
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