Por Tatiana Carlotti, no site Carta Maior:
Os interesses geopolíticos em torno do pré-sal e o desmonte da política soberana da Petrobras foram analisados, por José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal, durante o ciclo de debates “Humanidade ou Barbárie”, promovido pelo ex-ministro Carlos Gabas (Previdência Social) na última terça-feira (26 de junho) no Sindicato dos Bancários, em São Paulo.
Economista e professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Gabrielli esteve à frente da Petrobras entre 2005 e 2012, período em que a estatal teve um papel estratégico na política de desenvolvimento nacional dos governos petistas, sobretudo a partir de 2007, quando da descoberta do pré-sal.
Três anos depois, a Petrobras havia se tornado “a quarta maior empresa de petróleo” e “nona maior empresa do mundo”; “era uma das grandes empresas no mercado financeiro internacional”, “queridinha da bolsa de Nova York” e, em 2010, realizava a “maior emissão de ações de empresas da história do capitalismo. Nunca uma empresa fez uma emissão do tamanho que a Petrobras fez”, relata Gabrielli.
A capitalização aconteceu na Bovespa, em 24 de setembro de 2010. “Nunca antes na história da humanidade houve uma capitalização como essa (...) Não foi em Londres, não foi em Nova York, mas foi aqui, em São Paulo, que consagramos a maior capitalização da história”, comemorava o então presidente Lula no pregão da Bovespa.
Oito anos depois, em 29 de junho de 2018, o mesmo Lula, agora ex-presidente e preso político, publica no Jornal do Brasil o seguinte alerta:
“Enquanto o país prestava atenção à Copa do Mundo, a Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, uma das leis mais vergonhosas de sua história. Por maioria simples de 217 votos, decidiram vender aos estrangeiros 70% dos imensos campos do pré-sal que a Petrobras recebeu diretamente do governo em 2010. Foi mais um passo do governo golpista e de seus aliados para entregar nossas riquezas e destruir a maior empresa do povo brasileiro.
O projeto de lei aprovado semana passada é um crime contra a pátria, que exige reação firme da sociedade para ser detido no Senado, antes que seja tarde demais. É uma decisão que entrega de mão beijada campos do pré-sal com potencial de conter cerca de 20 bilhões de barris de petróleo e gás, burlando a lei que garante o pré-sal para os brasileiros”.
Algo impensável durante os governos petistas quando a Petrobrás, parte de um projeto de desenvolvimento nacional, gerava milhares de empregos, criando e revitalizando setores econômicos, direta ou indiretamente, relacionados à cadeia produtiva do petróleo. No período, destaca Gabrielli, “o complexo do petróleo e gás representava de 4% a 5% do PIB brasileiro”.
0,5% do faturamento em corrupção, apenas 10 diretores envolvidos (nenhum petista)
Debatendo os números da corrupção na estatal, Gabrielli lembra que a indústria do petróleo é caracterizada pela movimentação de gigantescas somas de dinheiro. O volume de dinheiro identificado pela Petrobras como custo de corrupção chegou a 6 bilhões de reais. Para chegar nesse cálculo, detalha Gabrielli, ela “aplicou 3% sobre todos os contratos assinados [entre 2004 a 2014] pelos corruptos confessos da empresa e chegou nesse número”.
“Seis bilhões de reais são 1,5 bilhão de dólares, um dinheiro muito grande; mas sabe quanto a Petrobras fatura por ano? 380 bilhões. Em dez anos, mais que 3 trilhões de reais, portanto, 6 bilhões sobre 3 trilhões de reais equivalem a 0,5% sobre o faturamento, só para termos a dimensão do problema”, complementa.
Ele também chama a atenção para o número de diretores envolvidos em atividades ilícitas dentro da estatal. Entre os cem diretores que compunham o alto escalão da empresa, apenas dez se envolveram, entre 2004 e 2014, em casos investigados pela Lava Jato, ou seja, 10% do total.
“A corrupção foi grande, não há dúvida que houve um grande processo de corrupção, mas, para a escala do projeto que estávamos fazendo, foram comportamentos relativamente pequenos do ponto de vista da quantidade de pessoas envolvidas”, afirma Gabrielli.
Do ponto de vista partidário, entre os diretores petistas ou identificados com o PT – o próprio Gabrielli, José Eduardo Dutra, Guilherme Estrela, Graça Foster e Ildo Sauer (ainda próximo ao PT na época) –, nenhum está envolvido em casos de corrupção.
“A ideia de que há um antro de corrupção na Petrobras que tem, em seu epicentro a política do PT e Lula no centro, como no power point do Dallagnol, foi uma construção política para desestruturar o nosso governo”, reitera.
Geopolítica do golpe
Gabrielli explica que, além de movimentar somas estratosféricas de dinheiro, a indústria do petróleo opera a longo prazo devido ao tempo que leva, em média seis a sete anos, entre a descoberta de petróleo e sua produção propriamente dita.
“Petróleo não é uma coisa fácil de achar, exige tecnologia, equipes, processos, organização do setor. A maior parte das empresas tem como principal objetivo acessar áreas em que se pode achar petróleo hoje para produzi-lo daqui a seis, sete anos. Essa máquina gigantesca move bilhões e trilhões de reais e dólares no mundo”, aponta.
Um movimento que “não é apenas econômico, mas essencialmente político, porque os países, principalmente as potências centrais da geopolítica mundial, sabem que o acesso ao petróleo é vital. Não se movimenta tanque, não se movimenta caminhão com tropa, nem avião militar sem petróleo ou gás. Desde a I Guerra Mundial, sem combustível você não faz guerra”, complementa Gabrielli.
Ele conta que, hoje, o petróleo é responsável por 95% do movimento de transporte mundial, destacando que “os Estados Unidos que sempre pensaram estrategicamente e que vivem da guerra – nos últimos 150 anos, eles tiveram uma guerra a cada três anos” – criaram uma “estratégia definida e explícita no governo Bush”.
Essa estratégia consiste em “garantir a autossuficiência de petróleo para os Estados Unidos, fazendo com que eles não dependam de petróleo importado, nem de gás importado”. Como? “De um lado, vou promover toda agenda verde; de outro, a agenda pesada, militar, golpista e de desestruturação dos países, de tal maneira que eu consiga controlar o acesso ao petróleo no mundo”, sintetiza.
Nesse momento, generaliza-se nos Estados Unidos o uso de uma tecnologia que consiste em injetar água, em alta pressão, para quebrar rochas onde existe petróleo, portanto, em áreas que já o produziam. Com essa tecnologia, relata Gabrielli, eles conseguiram um aumento na produção de gás e petróleo de 5,6 milhões de barris/dia. O problema é que essa tecnologia, muito agressiva, gera um declínio da produção muito rápido.
Resultado: os Estados Unidos ainda precisam de novas áreas para complementar a sua produção de petróleo. E, eles chegam em 2016, ano do golpe no Brasil, diante do seguinte dilema:
“Daqui a seis ou sete anos, em 2022 ou 2023, a produção norte-americana vai começar a declinar, então, é preciso encontrar alternativas para fornecer petróleo para os Estados Unidos. Essas alternativas podem ser o Iraque, Irã, Arábia Saudita, Rússia, Venezuela, ou seja, lugares onde os Estados Unidos não são bem-vindos”, ironiza.
O fato é que, a partir de 2007, com a descoberta do pré-sal, “o Brasil entra no radar”.
No radar do golpe
Após a descoberta do pré-sal, “o potencial gigantesco de vir a produzir mais [petróleo] daqui a seis, sete, oito anos, torna o Brasil, juntamente com o Canadá e os Estados Unidos, um dos três países com maior possibilidade de aumentar a produção de petróleo na década de 2020”, informa Gabrielli.
Não bastasse isso, em 2010, o governo Lula havia mudado a legislação, mantendo “a Petrobras no centro do desenvolvimento de novas áreas do pré-sal”; o Estado brasileiro detinha parcela maior da renda do petróleo e era criada a “política de conteúdo nacional para estimular o crescimento da indústria brasileira naval e a de equipamentos para a indústria de petróleo, que determinaria a velocidade das novas áreas de petróleo”.
Em outras palavras, “o governo brasileiro abriria novas áreas para a exploração de petróleo em função do desenvolvimento da indústria no Brasil e não em função das necessidades do mercado norte-americano. Além disso, havia o Fundo Social que capturaria esses recursos do pré-sal e os aplicaria na saúde e principalmente na Educação”.
Vale lembrar que, em setembro de 2013, em meio a reivindicações da sociedade civil, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou, sem vetos, a lei que destinava 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. O texto também previa que 50% de todos os recursos do Fundo Social do pré-sal fossem destinados a esses dois setores.
Um modelo que, obviamente, não se adequava aos interesses estratégicos de médio e longo prazo dos Estados Unidos. “Do ponto de vista lógico, para os Estados Unidos, os governos Lula e Dilma eram uma pedra no sapato. Não dava mais para continuar com esses governos malucos que afrontavam o império norte-americano”, avalia.
Além dos Estados Unidos, Gabrielli chama atenção para a China e a Rússia. Explica que, após a crise de 2008, a China iniciou uma nova política de desenvolvimento, investindo pesado na expansão de seu mercado interno e na infraestrutura, tornando-se uma grande importadora de petróleo e seus derivados. Com vistas a se tornar “uma grande potência mundial nos próximos 50 anos, ela mantém um “socialismo de mercado baseado na expansão das atividades econômicas e na construção de novas fontes de energia”.
Hoje, “é a maior investidora em energia solar e eólica e a maior refinadora de petróleo”; é, também, a “maior sócia da Petrobras no pré-sal brasileiro”. Nesse contexto, o Brasil e o petróleo brasileiro passaram a ser o palco da disputa entre China e Estados Unidos.
Outro ator importante é a Rússia. Lembrando as origens petroleiras de Vladimir Putin, Gabrielli conta que uma das primeiras medidas do presidente russo ao assumir o poder, em 1994, foi recuperar a indústria petroleira que tinha sido privatizada.
A partir daí “a indústria de petróleo da Rússia voltou a ser fortemente estatal e ela é hoje o principal instrumento econômico de expansão russa na Europa e no mundo. A Rússia passa a ter uma política ativa, de confronto e disputa com os Estados Unidos”, sobretudo em torno do petróleo e do gás, destaca.
Pedra no sapato
“As grandes potências do mundo se movem em torno do petróleo e do gás. Por que no Brasil, a intenção dessas potências seria diferente do que acontece na Venezuela, que tem a maior reserva conhecida de petróleo convencional do mundo?” (...) “Por que esse quadro não se manifesta na articulação de um golpe contra um governo que era uma pedra no sapato deles?”, questiona Gabrielli.
Ele cita, inclusive, vários episódios como a espionagem norte-americana na Petrobras e no governo Dilma, denunciada por Edward Snowden; a recomposição da Quarta Frota do Atlântico Sul pelos Estados Unidos; a intensificação da diplomacia norte-americana após a descoberta do pré-sal; entre outros.
Em sua avaliação, “o golpe de 2016 tem tudo a ver com a desmontagem desse sistema de acesso ao petróleo brasileiro”. O desmonte fala por si: em apenas dois anos, “nós deixamos de ter a empresa como centro do pré-sal” e “estamos desmontando a empresa integrada”. O Brasil de hoje está “cada vez mais ligado e dependente da situação internacional”, atendendo aos interesses norte-americanos. Gabrielle não tem dúvidas quanto à possibilidade de “os órgãos de inteligência dos Estados Unidos terem atuado ativamente na montagem do golpe no Brasil, assim como já atuaram em vários lugares. Não há novidade nisso”.
Em sua avaliação, “transformar a corrupção – que é um problema policial -- em um problema político só interessa à desmontagem dos governos progressistas e ao favorecimento de governos totalitários. Isso já se repetiu no Brasil em vários momentos”.
Um deles foi em 1954, quando Vargas, denunciando a existência de “forças ocultas”, resolveu sair da vida para entrar na História. “Lula não fez isso, nem Dilma. Nós vamos continuar lutando e tentando reconquistar os direitos e as riquezas que nós temos. Esse é o desafio. Vamos ter que reconquistar tudo isso, com muita luta e muita disposição”, afirma Gabrielli.
A íntegra da palestra de José Sérgio Gabrielli pode ser conferida no canal do Youtube da TVT. A carta de Lula está publicada aqui, no site do Jornal do Brasil.
Os interesses geopolíticos em torno do pré-sal e o desmonte da política soberana da Petrobras foram analisados, por José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal, durante o ciclo de debates “Humanidade ou Barbárie”, promovido pelo ex-ministro Carlos Gabas (Previdência Social) na última terça-feira (26 de junho) no Sindicato dos Bancários, em São Paulo.
Economista e professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Gabrielli esteve à frente da Petrobras entre 2005 e 2012, período em que a estatal teve um papel estratégico na política de desenvolvimento nacional dos governos petistas, sobretudo a partir de 2007, quando da descoberta do pré-sal.
Três anos depois, a Petrobras havia se tornado “a quarta maior empresa de petróleo” e “nona maior empresa do mundo”; “era uma das grandes empresas no mercado financeiro internacional”, “queridinha da bolsa de Nova York” e, em 2010, realizava a “maior emissão de ações de empresas da história do capitalismo. Nunca uma empresa fez uma emissão do tamanho que a Petrobras fez”, relata Gabrielli.
A capitalização aconteceu na Bovespa, em 24 de setembro de 2010. “Nunca antes na história da humanidade houve uma capitalização como essa (...) Não foi em Londres, não foi em Nova York, mas foi aqui, em São Paulo, que consagramos a maior capitalização da história”, comemorava o então presidente Lula no pregão da Bovespa.
Oito anos depois, em 29 de junho de 2018, o mesmo Lula, agora ex-presidente e preso político, publica no Jornal do Brasil o seguinte alerta:
“Enquanto o país prestava atenção à Copa do Mundo, a Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, uma das leis mais vergonhosas de sua história. Por maioria simples de 217 votos, decidiram vender aos estrangeiros 70% dos imensos campos do pré-sal que a Petrobras recebeu diretamente do governo em 2010. Foi mais um passo do governo golpista e de seus aliados para entregar nossas riquezas e destruir a maior empresa do povo brasileiro.
O projeto de lei aprovado semana passada é um crime contra a pátria, que exige reação firme da sociedade para ser detido no Senado, antes que seja tarde demais. É uma decisão que entrega de mão beijada campos do pré-sal com potencial de conter cerca de 20 bilhões de barris de petróleo e gás, burlando a lei que garante o pré-sal para os brasileiros”.
Algo impensável durante os governos petistas quando a Petrobrás, parte de um projeto de desenvolvimento nacional, gerava milhares de empregos, criando e revitalizando setores econômicos, direta ou indiretamente, relacionados à cadeia produtiva do petróleo. No período, destaca Gabrielli, “o complexo do petróleo e gás representava de 4% a 5% do PIB brasileiro”.
0,5% do faturamento em corrupção, apenas 10 diretores envolvidos (nenhum petista)
Debatendo os números da corrupção na estatal, Gabrielli lembra que a indústria do petróleo é caracterizada pela movimentação de gigantescas somas de dinheiro. O volume de dinheiro identificado pela Petrobras como custo de corrupção chegou a 6 bilhões de reais. Para chegar nesse cálculo, detalha Gabrielli, ela “aplicou 3% sobre todos os contratos assinados [entre 2004 a 2014] pelos corruptos confessos da empresa e chegou nesse número”.
“Seis bilhões de reais são 1,5 bilhão de dólares, um dinheiro muito grande; mas sabe quanto a Petrobras fatura por ano? 380 bilhões. Em dez anos, mais que 3 trilhões de reais, portanto, 6 bilhões sobre 3 trilhões de reais equivalem a 0,5% sobre o faturamento, só para termos a dimensão do problema”, complementa.
Ele também chama a atenção para o número de diretores envolvidos em atividades ilícitas dentro da estatal. Entre os cem diretores que compunham o alto escalão da empresa, apenas dez se envolveram, entre 2004 e 2014, em casos investigados pela Lava Jato, ou seja, 10% do total.
“A corrupção foi grande, não há dúvida que houve um grande processo de corrupção, mas, para a escala do projeto que estávamos fazendo, foram comportamentos relativamente pequenos do ponto de vista da quantidade de pessoas envolvidas”, afirma Gabrielli.
Do ponto de vista partidário, entre os diretores petistas ou identificados com o PT – o próprio Gabrielli, José Eduardo Dutra, Guilherme Estrela, Graça Foster e Ildo Sauer (ainda próximo ao PT na época) –, nenhum está envolvido em casos de corrupção.
“A ideia de que há um antro de corrupção na Petrobras que tem, em seu epicentro a política do PT e Lula no centro, como no power point do Dallagnol, foi uma construção política para desestruturar o nosso governo”, reitera.
Geopolítica do golpe
Gabrielli explica que, além de movimentar somas estratosféricas de dinheiro, a indústria do petróleo opera a longo prazo devido ao tempo que leva, em média seis a sete anos, entre a descoberta de petróleo e sua produção propriamente dita.
“Petróleo não é uma coisa fácil de achar, exige tecnologia, equipes, processos, organização do setor. A maior parte das empresas tem como principal objetivo acessar áreas em que se pode achar petróleo hoje para produzi-lo daqui a seis, sete anos. Essa máquina gigantesca move bilhões e trilhões de reais e dólares no mundo”, aponta.
Um movimento que “não é apenas econômico, mas essencialmente político, porque os países, principalmente as potências centrais da geopolítica mundial, sabem que o acesso ao petróleo é vital. Não se movimenta tanque, não se movimenta caminhão com tropa, nem avião militar sem petróleo ou gás. Desde a I Guerra Mundial, sem combustível você não faz guerra”, complementa Gabrielli.
Ele conta que, hoje, o petróleo é responsável por 95% do movimento de transporte mundial, destacando que “os Estados Unidos que sempre pensaram estrategicamente e que vivem da guerra – nos últimos 150 anos, eles tiveram uma guerra a cada três anos” – criaram uma “estratégia definida e explícita no governo Bush”.
Essa estratégia consiste em “garantir a autossuficiência de petróleo para os Estados Unidos, fazendo com que eles não dependam de petróleo importado, nem de gás importado”. Como? “De um lado, vou promover toda agenda verde; de outro, a agenda pesada, militar, golpista e de desestruturação dos países, de tal maneira que eu consiga controlar o acesso ao petróleo no mundo”, sintetiza.
Nesse momento, generaliza-se nos Estados Unidos o uso de uma tecnologia que consiste em injetar água, em alta pressão, para quebrar rochas onde existe petróleo, portanto, em áreas que já o produziam. Com essa tecnologia, relata Gabrielli, eles conseguiram um aumento na produção de gás e petróleo de 5,6 milhões de barris/dia. O problema é que essa tecnologia, muito agressiva, gera um declínio da produção muito rápido.
Resultado: os Estados Unidos ainda precisam de novas áreas para complementar a sua produção de petróleo. E, eles chegam em 2016, ano do golpe no Brasil, diante do seguinte dilema:
“Daqui a seis ou sete anos, em 2022 ou 2023, a produção norte-americana vai começar a declinar, então, é preciso encontrar alternativas para fornecer petróleo para os Estados Unidos. Essas alternativas podem ser o Iraque, Irã, Arábia Saudita, Rússia, Venezuela, ou seja, lugares onde os Estados Unidos não são bem-vindos”, ironiza.
O fato é que, a partir de 2007, com a descoberta do pré-sal, “o Brasil entra no radar”.
No radar do golpe
Após a descoberta do pré-sal, “o potencial gigantesco de vir a produzir mais [petróleo] daqui a seis, sete, oito anos, torna o Brasil, juntamente com o Canadá e os Estados Unidos, um dos três países com maior possibilidade de aumentar a produção de petróleo na década de 2020”, informa Gabrielli.
Não bastasse isso, em 2010, o governo Lula havia mudado a legislação, mantendo “a Petrobras no centro do desenvolvimento de novas áreas do pré-sal”; o Estado brasileiro detinha parcela maior da renda do petróleo e era criada a “política de conteúdo nacional para estimular o crescimento da indústria brasileira naval e a de equipamentos para a indústria de petróleo, que determinaria a velocidade das novas áreas de petróleo”.
Em outras palavras, “o governo brasileiro abriria novas áreas para a exploração de petróleo em função do desenvolvimento da indústria no Brasil e não em função das necessidades do mercado norte-americano. Além disso, havia o Fundo Social que capturaria esses recursos do pré-sal e os aplicaria na saúde e principalmente na Educação”.
Vale lembrar que, em setembro de 2013, em meio a reivindicações da sociedade civil, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou, sem vetos, a lei que destinava 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. O texto também previa que 50% de todos os recursos do Fundo Social do pré-sal fossem destinados a esses dois setores.
Um modelo que, obviamente, não se adequava aos interesses estratégicos de médio e longo prazo dos Estados Unidos. “Do ponto de vista lógico, para os Estados Unidos, os governos Lula e Dilma eram uma pedra no sapato. Não dava mais para continuar com esses governos malucos que afrontavam o império norte-americano”, avalia.
Além dos Estados Unidos, Gabrielli chama atenção para a China e a Rússia. Explica que, após a crise de 2008, a China iniciou uma nova política de desenvolvimento, investindo pesado na expansão de seu mercado interno e na infraestrutura, tornando-se uma grande importadora de petróleo e seus derivados. Com vistas a se tornar “uma grande potência mundial nos próximos 50 anos, ela mantém um “socialismo de mercado baseado na expansão das atividades econômicas e na construção de novas fontes de energia”.
Hoje, “é a maior investidora em energia solar e eólica e a maior refinadora de petróleo”; é, também, a “maior sócia da Petrobras no pré-sal brasileiro”. Nesse contexto, o Brasil e o petróleo brasileiro passaram a ser o palco da disputa entre China e Estados Unidos.
Outro ator importante é a Rússia. Lembrando as origens petroleiras de Vladimir Putin, Gabrielli conta que uma das primeiras medidas do presidente russo ao assumir o poder, em 1994, foi recuperar a indústria petroleira que tinha sido privatizada.
A partir daí “a indústria de petróleo da Rússia voltou a ser fortemente estatal e ela é hoje o principal instrumento econômico de expansão russa na Europa e no mundo. A Rússia passa a ter uma política ativa, de confronto e disputa com os Estados Unidos”, sobretudo em torno do petróleo e do gás, destaca.
Pedra no sapato
“As grandes potências do mundo se movem em torno do petróleo e do gás. Por que no Brasil, a intenção dessas potências seria diferente do que acontece na Venezuela, que tem a maior reserva conhecida de petróleo convencional do mundo?” (...) “Por que esse quadro não se manifesta na articulação de um golpe contra um governo que era uma pedra no sapato deles?”, questiona Gabrielli.
Ele cita, inclusive, vários episódios como a espionagem norte-americana na Petrobras e no governo Dilma, denunciada por Edward Snowden; a recomposição da Quarta Frota do Atlântico Sul pelos Estados Unidos; a intensificação da diplomacia norte-americana após a descoberta do pré-sal; entre outros.
Em sua avaliação, “o golpe de 2016 tem tudo a ver com a desmontagem desse sistema de acesso ao petróleo brasileiro”. O desmonte fala por si: em apenas dois anos, “nós deixamos de ter a empresa como centro do pré-sal” e “estamos desmontando a empresa integrada”. O Brasil de hoje está “cada vez mais ligado e dependente da situação internacional”, atendendo aos interesses norte-americanos. Gabrielle não tem dúvidas quanto à possibilidade de “os órgãos de inteligência dos Estados Unidos terem atuado ativamente na montagem do golpe no Brasil, assim como já atuaram em vários lugares. Não há novidade nisso”.
Em sua avaliação, “transformar a corrupção – que é um problema policial -- em um problema político só interessa à desmontagem dos governos progressistas e ao favorecimento de governos totalitários. Isso já se repetiu no Brasil em vários momentos”.
Um deles foi em 1954, quando Vargas, denunciando a existência de “forças ocultas”, resolveu sair da vida para entrar na História. “Lula não fez isso, nem Dilma. Nós vamos continuar lutando e tentando reconquistar os direitos e as riquezas que nós temos. Esse é o desafio. Vamos ter que reconquistar tudo isso, com muita luta e muita disposição”, afirma Gabrielli.
A íntegra da palestra de José Sérgio Gabrielli pode ser conferida no canal do Youtube da TVT. A carta de Lula está publicada aqui, no site do Jornal do Brasil.
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