Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A permanência de Lula na prisão ao longo do dia de domingo, 8 de julho, não é um acidente de percurso do Judiciário brasileiro. Marca um dos mais graves atentado contra o Estado Democrático de Direito, comparável ao esforço para impedir, através de uma escuta telefônica ilegal, que ele fosse nomeado ministro-chefe da Casa Civil nos meses finais do governo Dilma.
Não se trata, aqui, de questionar uma condenação de Lula a 12 anos e um mês, mesmo sabendo que ela contraria toda a documentação disponível e também fere o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 5 da Constituição.
A gravidade é que, em função de uma engrenagem paralela que se mobilizou nos bastidores do aparelho judiciário e policial, através do circuito Curitiba-Brasília-Porto Alegre- Lisboa, onde Sérgio Moro encontrava-se de férias, colocou-se em movimento uma operação destinada a impedir o cumprimento de uma ordem assinada por um desembargador plenamente qualificado para fazê-lo. Ameaçada de enfrentar uma decisão que seria classificada pela mídia amiga como uma derrota, quando deveria ser vista como uma decisão com inegável apoio nos valores e princípios previstos na Constituição, a tropa de choque da Lava Jato foi a guerra e venceu.
O simples fato de que uma operação destinada a impedir que a lei seguisse seu curso natural tenha tido sucesso já é um absurdo, pois ordens judiciais são assinadas para serem cumpridas, reservando-se às partes descontentes o direito de apresentar recursos de acordo com os trâmites da lei.
O inaceitável, o escandaloso, encontra-se na interrupção brutal do processo. Justiça é abstração, é forma, ritual e rigor, pois só dessa maneira pode servir a ricos e pobres, aos fortes e aos fracos, aos muito influentes e aos sem-nada, aprendem os calouros de Direito.
Numa ruptura absoluta da ordem jurídica das coisas, as portas da prisão não se abriram para Lula, ainda que, por três vezes, o desembargador Rogério Fabreto tivesse dado uma determinação neste sentido.
"Estou aterrorizado", reagiu o advogado Sepulveda Pertence, 80 anos, empregando uma expressão que não é figura de linguagem. Sinaliza os momentos mais aflitivos e inseguros da história de qualquer país, quando os direitos de cada cidadão se tornam instrumento das lutas políticas, sendo manipulados ao sabor de magistrados e procuradores que extrapolam suas atribuições. "Vivi 21 anos de ditadura no meio judicial e nunca vi nada parecido". (Pertence integra a equipe de defesa de Lula mas não teve participação no pedido de habeas corpus levado a Favreto, obra dos deputados Vadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira).
O saldo jurídico da conspiração envolve um problema em duas fases. A primeira diz respeito ao domingo, 8 de julho de 2018. Enquanto Lula aguardava a abertura da porta da prisão, e ninguém oferecia qualquer explicação razoável para uma demora de tantas horas, do lado de fora assistiu-se a um duelo todos-contra-um para impedir que a decisão de Favreto tivesso seu curso natural e correto. Nos momentos finais, a ação paralela foi abençoada publicamente pela presidente do STF, Carmen Lúcia, numa nota tão curta, tão ambígua, que mais parecia orientada pelos princípios estéticos expostos pelo crítico italiano Umberto Eco no best seller Obra Aberta do que no capítulo 5 da Constituição, que expõe os direitos assegurados ao indivíduo perante o Estado.
Para tentar desqualificar a decisão de Favreto, repórteres dos oligopólios da mídia referiam-se a ele como "plantonista", num tom de voz destinado a rebaixar seus despachos -- foram três ao todo -- como um serviço burocrático qualquer, muitas vezes bocejante, de profissionais de várias áreas chamados a dar expediente em fins de semana -- inclusive na imprensa.
Um espetáculo deprimente do princípio ao fim, que confirmou ao país, sem rodeios, uma verdade terrível e preocupante como poucas. Lula enfrentou, enfrenta e enfrentará a decisão política dos responsáveis por sua condenação, para garantir, em cada etapa, em cada degrau, sua permanência na prisão, custe o que custar, sem ressalvas nem reavaliações, quem sabe até o último de seus dias.
Numa cadeia de comando que funciona na forma de uma pirâmide invertida, onde as vozes debaixo determinam o que ocorre em cima, falando grosso porque têm a certeza de que não serão questionadas, vigora uma visão já estabelecida sobre o caso, uma prioridade escancarada e visível.
A mensagem de ontem é clara: Lula não pode ter liberdade de jeito nenhum -- nem que seja por poucos dias, um dia, algumas horas, quem sabe. como era muito possível que tivesse acontecido caso o ritual legal tivesse sido cumprido e a liminar assinada por Favreto tivesse seguido seu curso e só depois fosse questionada dentro do ritual adequado. Não há razão para grandes ilusões.
Da primeira a última instância, passando pelo TRF-4 de Gebran Netto, pelo STJ de Felix Fischer e o STF de Luiz Facchin e Carmen Lúcia, constituiu-se um bloco monolítico numa só direção.
"Não tenho direito a esperar que terei justiça," havia dito Lula, dias antes. Era possível concordar com essa visão, que representa, por si só, um sinal de alarme sobre o estado de coisas no país em 2018. Mas não era possível adivinhar quanta verdade e quanta brutalidade poderiam se concentrar em tão poucas palavras, que resumem um prognóstico terrível, para quem deve enfrentar ainda, o cumprimento dos 3315 dias de condenação que tem pela frente -- apenas em função de um triplex que nunca foi seu, como está oficialmente demonstrado.
Para o país, o esmagamento programado de um líder de tamanha estatura é parte de um projeto cujos interesses econômicos, políticos e diplomáticos não precisam ser lembrados aqui.
Basta recordar o papel de Lula na reconstrução da esperança de uma maioria desesperada de brasileiros após tantas injustiças e retrocessos.
A decisão de ontem será lembrada como o dia em que um desembargador corajoso mandou libertar Lula para que ele tivesse direito a participar da campanha eleitoral de 2018, realizar comícios, dar entrevistas e explicar seus projetos. O argumento que sustenta a decisão de Rogerio Favreto é que Lula é candidato a presidente e não pode ser silenciado nem tolhido nos movimentos -- mesmo porque até agora não há nenhum impedimento legal a sua candidatura, ainda passível de uma decisão no TSE e outros tribunais superiores. Assistiu-se, em 8 de julho, a um esforço louvável para garantir a presunção da inocência, essa cláusula que protege os direitos do indivíduo e é uma das principais garantias a impedir que o Estado se transforme numa tirania.
Estamos, sempre, diante de situações bem definidas. O grampo de março de 2016 serviu para impedir que, no ministério, Lula ajudasse a defender o governo Dilma Rousseff, cujo mandato iria terminar em janeiro de 2019.
Ontem, o esforço consistiu em bloquear sua atuação como candidato a presidente.
Ninguém pode adivinhar o que teria acontecido, no Brasil, neste domingo, caso Lula tivesse sido libertado e os brasileiros fossem informados a respeito. Ficariam em casa, acompanhando tudo pela TV? Ou iriam a rua, para festejar e defender um político que reconhecem como maior líder do país? Seria fácil cumprir um novo mandato de prisão? Ninguém sabe.
Tudo é política.
Alguma dúvida?
Não se trata, aqui, de questionar uma condenação de Lula a 12 anos e um mês, mesmo sabendo que ela contraria toda a documentação disponível e também fere o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 5 da Constituição.
A gravidade é que, em função de uma engrenagem paralela que se mobilizou nos bastidores do aparelho judiciário e policial, através do circuito Curitiba-Brasília-Porto Alegre- Lisboa, onde Sérgio Moro encontrava-se de férias, colocou-se em movimento uma operação destinada a impedir o cumprimento de uma ordem assinada por um desembargador plenamente qualificado para fazê-lo. Ameaçada de enfrentar uma decisão que seria classificada pela mídia amiga como uma derrota, quando deveria ser vista como uma decisão com inegável apoio nos valores e princípios previstos na Constituição, a tropa de choque da Lava Jato foi a guerra e venceu.
O simples fato de que uma operação destinada a impedir que a lei seguisse seu curso natural tenha tido sucesso já é um absurdo, pois ordens judiciais são assinadas para serem cumpridas, reservando-se às partes descontentes o direito de apresentar recursos de acordo com os trâmites da lei.
O inaceitável, o escandaloso, encontra-se na interrupção brutal do processo. Justiça é abstração, é forma, ritual e rigor, pois só dessa maneira pode servir a ricos e pobres, aos fortes e aos fracos, aos muito influentes e aos sem-nada, aprendem os calouros de Direito.
Numa ruptura absoluta da ordem jurídica das coisas, as portas da prisão não se abriram para Lula, ainda que, por três vezes, o desembargador Rogério Fabreto tivesse dado uma determinação neste sentido.
"Estou aterrorizado", reagiu o advogado Sepulveda Pertence, 80 anos, empregando uma expressão que não é figura de linguagem. Sinaliza os momentos mais aflitivos e inseguros da história de qualquer país, quando os direitos de cada cidadão se tornam instrumento das lutas políticas, sendo manipulados ao sabor de magistrados e procuradores que extrapolam suas atribuições. "Vivi 21 anos de ditadura no meio judicial e nunca vi nada parecido". (Pertence integra a equipe de defesa de Lula mas não teve participação no pedido de habeas corpus levado a Favreto, obra dos deputados Vadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira).
O saldo jurídico da conspiração envolve um problema em duas fases. A primeira diz respeito ao domingo, 8 de julho de 2018. Enquanto Lula aguardava a abertura da porta da prisão, e ninguém oferecia qualquer explicação razoável para uma demora de tantas horas, do lado de fora assistiu-se a um duelo todos-contra-um para impedir que a decisão de Favreto tivesso seu curso natural e correto. Nos momentos finais, a ação paralela foi abençoada publicamente pela presidente do STF, Carmen Lúcia, numa nota tão curta, tão ambígua, que mais parecia orientada pelos princípios estéticos expostos pelo crítico italiano Umberto Eco no best seller Obra Aberta do que no capítulo 5 da Constituição, que expõe os direitos assegurados ao indivíduo perante o Estado.
Para tentar desqualificar a decisão de Favreto, repórteres dos oligopólios da mídia referiam-se a ele como "plantonista", num tom de voz destinado a rebaixar seus despachos -- foram três ao todo -- como um serviço burocrático qualquer, muitas vezes bocejante, de profissionais de várias áreas chamados a dar expediente em fins de semana -- inclusive na imprensa.
Um espetáculo deprimente do princípio ao fim, que confirmou ao país, sem rodeios, uma verdade terrível e preocupante como poucas. Lula enfrentou, enfrenta e enfrentará a decisão política dos responsáveis por sua condenação, para garantir, em cada etapa, em cada degrau, sua permanência na prisão, custe o que custar, sem ressalvas nem reavaliações, quem sabe até o último de seus dias.
Numa cadeia de comando que funciona na forma de uma pirâmide invertida, onde as vozes debaixo determinam o que ocorre em cima, falando grosso porque têm a certeza de que não serão questionadas, vigora uma visão já estabelecida sobre o caso, uma prioridade escancarada e visível.
A mensagem de ontem é clara: Lula não pode ter liberdade de jeito nenhum -- nem que seja por poucos dias, um dia, algumas horas, quem sabe. como era muito possível que tivesse acontecido caso o ritual legal tivesse sido cumprido e a liminar assinada por Favreto tivesse seguido seu curso e só depois fosse questionada dentro do ritual adequado. Não há razão para grandes ilusões.
Da primeira a última instância, passando pelo TRF-4 de Gebran Netto, pelo STJ de Felix Fischer e o STF de Luiz Facchin e Carmen Lúcia, constituiu-se um bloco monolítico numa só direção.
"Não tenho direito a esperar que terei justiça," havia dito Lula, dias antes. Era possível concordar com essa visão, que representa, por si só, um sinal de alarme sobre o estado de coisas no país em 2018. Mas não era possível adivinhar quanta verdade e quanta brutalidade poderiam se concentrar em tão poucas palavras, que resumem um prognóstico terrível, para quem deve enfrentar ainda, o cumprimento dos 3315 dias de condenação que tem pela frente -- apenas em função de um triplex que nunca foi seu, como está oficialmente demonstrado.
Para o país, o esmagamento programado de um líder de tamanha estatura é parte de um projeto cujos interesses econômicos, políticos e diplomáticos não precisam ser lembrados aqui.
Basta recordar o papel de Lula na reconstrução da esperança de uma maioria desesperada de brasileiros após tantas injustiças e retrocessos.
A decisão de ontem será lembrada como o dia em que um desembargador corajoso mandou libertar Lula para que ele tivesse direito a participar da campanha eleitoral de 2018, realizar comícios, dar entrevistas e explicar seus projetos. O argumento que sustenta a decisão de Rogerio Favreto é que Lula é candidato a presidente e não pode ser silenciado nem tolhido nos movimentos -- mesmo porque até agora não há nenhum impedimento legal a sua candidatura, ainda passível de uma decisão no TSE e outros tribunais superiores. Assistiu-se, em 8 de julho, a um esforço louvável para garantir a presunção da inocência, essa cláusula que protege os direitos do indivíduo e é uma das principais garantias a impedir que o Estado se transforme numa tirania.
Estamos, sempre, diante de situações bem definidas. O grampo de março de 2016 serviu para impedir que, no ministério, Lula ajudasse a defender o governo Dilma Rousseff, cujo mandato iria terminar em janeiro de 2019.
Ontem, o esforço consistiu em bloquear sua atuação como candidato a presidente.
Ninguém pode adivinhar o que teria acontecido, no Brasil, neste domingo, caso Lula tivesse sido libertado e os brasileiros fossem informados a respeito. Ficariam em casa, acompanhando tudo pela TV? Ou iriam a rua, para festejar e defender um político que reconhecem como maior líder do país? Seria fácil cumprir um novo mandato de prisão? Ninguém sabe.
Tudo é política.
Alguma dúvida?
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