segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Lula é um preso político dos EUA?

Por Marcelo Zero

A entrevista do diretor-geral da PF, Rogério Galloro, ao Estado de S. Paulo revelando que sofreu pressões de Sérgio Moro, alerta da procuradora-geral da República, e ordem verbal do presidente do TRF-4, Thompson Flores, para desobedecer a legítima decisão judicial de soltar Lula, bem como a nota na revista Veja que menciona declaração do desembargador Gebran Neto a amigos, dizendo ter agido "fora da letra fria lei" para "evitar o mal maior que seria soltar Lula", são reveladoras do alto grau de politização do Judiciário e do Estado de exceção seletivo que se criou no Brasil pós-golpe.

Para prender e manter o principal candidato popular na cadeia criou-se um vale-tudo, o qual inclui condenação sem provas, o atropelamento de prazos processuais e de direitos fundamentais, manobras no STF, a espionagem de escritórios de advocacia, o descumprimento de decisões legais e até "ordens" dadas por telefone.

Prevê-se que, em breve, o nosso sistema judicial, quando convier politicamente, funcionará com base no whatsapp.

Entretanto, como diria o shakespeariano Polônio, há método nessa loucura jurídica, nesse faroeste legal.

E o método parece importado.

Há muito se sabe que a operação Lava Jato sofre influência destacada de autoridades norte-americanas.

Nada contra uma cooperação saudável, simétrica e transparente entre países para combater a corrupção. Aliás, foram os governos do PT que deram maior ensejo a essa cooperação internacional.

Contudo, há algo de estranho nessa cooperação específica com os EUA.

Ao contrário do que determinam o texto do acordo de cooperação Brasil /EUA nessa área e os princípios do nosso direito, tal cooperação vem se dando muitas vezes de modo informal, conforme as idiossincrasias de procuradores de ambos os países.

Aparentemente, muita coisa se resolve com base em telefonemas e contatos pessoais, como no caso das manobras para impedir a libertação de Lula.

Não se trata de devaneios paranoicos surgidos da URSAL.

Isso foi dito publicamente por altas autoridades norte-americanas envolvidas nessas atividades.

Tais "confissões" mostram não apenas que as regras do acordo vêm sendo desrespeitadas, mas também que as autoridades norte-americanas conduziram a construção da Lava Jato e o processo relativo ao apartamento triplex.

Com efeito, em manifestações públicas proferidas em 19 de julho de 2017, o Sr. Kenneth Blanco, então Vice-Procurador Geral Adjunto do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), e o Sr. Trevor Mc Fadden, então Subsecretário Geral de Justiça Adjunto Interino daquele país, explanaram sobre cooperação baseada em "confiança" e, por vezes, fora dos "procedimentos oficiais", realizada entre as autoridades norte-americanas e os Procuradores da República da Lava Jato.

Afirmou o procurador Blanco que "tal confiança" permite que promotores e agentes tenham comunicação direta quanto às provas.

"Dado o "relacionamento íntimo" entre o Departamento de Justiça e os promotores brasileiros, não dependemos apenas de procedimentos oficiais como tratados de assistência jurídica mútua, que geralmente levam tempo e recursos consideráveis para serem escritos, traduzidos, transmitidos oficialmente e respondidos", afirmou.

O pior é que tal cooperação baseada em "relacionamento íntimo", que geram atalhos processuais à margem do que dispõe a letra fria do acordo de cooperação e das leis, estão cercadas de providencial sigilo. O ex-presidente argentino Menem talvez dissesse que o tal "relacionamento íntimo" poderia incluir "relaciones carnales", as quais se dariam em sombras jurídicas e zonas cinzentas processuais.

Para desfazer essas pertinentes inquietações, alguns parlamentares da oposição, entre os quais o combativo Deputado Paulo Pimenta, prepararam uma série de requerimentos de informação e pedidos de acesso à informação, com base na Lei de Acesso à Informação, no intuito de jogar um pouco de luz nos obscuros e tortuosos meandros de tal cooperação.

Em vão. Boa parte dos requerimentos não obtiveram resposta e os que foram respondidos encaminharam informações incompletas e evasivas.

No caso do Ministério da Justiça, por exemplo, que é a Autoridade Central brasileira que deveria coordenar a cooperação entre e EUA em matéria penal, a resposta afirma que

"a Autoridade Central para a Cooperação Jurídica Internacional, não pode manifestar-se, inclusive sobre a mera existência ou não de pedido de cooperação jurídica internacional em determinado caso, porque poderá por em risco uma fiscalização ou investigação em andamento, sem que as autoridades competentes por tais procedimentos tenham autorizado".
Além disso, o MJ afirma ainda que a Autoridade Central não tem condições materiais ou competência (atribuição legal) para analisar o mérito das informações contidas nas medidas, não lhe competindo, por conseguinte, classificar determinada informação como sigilosa ou considerá-la pública.

A resposta do Ministério Público às indagações vai à mesma linha.

Questionado sobre a presença de procuradores norte-americanos no Brasil, o Ministério Público Federal reconheceu, em sua resposta, que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América formulou pedidos de cooperação ao Brasil, vinculados a investigações sigilosas ocorridas em seu território, relacionadas à empresa Odebrecht e a atos de corrupção transnacional sujeitos à sua jurisdição e que nas mencionadas solicitações de assistência, foi requerida a presença de agentes públicos estadunidenses em território brasileiro durante a realização das diligências rogadas.

Porém, a resposta afirma que cumpre asseverar que a identidade dos agentes estrangeiros e o conteúdo dos pedidos de cooperação estavam revestidos de sigilo.

Ou seja, não podemos saber nada de significativo sobre tal cooperação.

Tais respostas parecem não levar em consideração que, no caso dos requerimentos de informação, devidamente aprovados pelo Congresso Nacional ou suas comissões, trata-se de atribuição constitucional do Poder Legislativo, que não pode ser limitada por outro poder. De fato, o artigo 50, § 2º, da CF, que regulamenta esse poderoso instrumento de controle, tem a seguinte redação:

§ 2º As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos escritos de informação a Ministros de Estado ou a qualquer das pessoas referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não-atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas.
Ora, a Constituição não delimita que as informações requeridas por esse instrumento sejam apenas informações públicas ou desclassificadas.

Se assim fosse, tal instrumento constitucional seria inteiramente desnecessário.

Bastariam consultas ao Diário Oficial para o Congresso Nacional exercer seu dever constitucional de controlar o Poder Executivo.

Na realidade, pelo instrumento constitucional do requerimento de informação, os outros poderes estão obrigados a enviar toda e qualquer informação requisitada, mesmo que sigilosa. Assim, o Congresso Nacional já recebeu inúmeras vezes informações sigilosas requisitadas ao Poder Executivo.

Nesses casos, o detentor de mandato popular e o Congresso Nacional se comprometem, obviamente, a não torná-las públicas. Portanto, o sigilo não pode ser alegado para sonegar informações ao Congresso Nacional, em seu exercício constitucional de controle e fiscalização do Poder Executivo.

Essa preocupação em cercar de sigilo a cooperação entre Brasil e EUA em matéria penal só aumenta a suspeita de que tais atividades possam estar sendo conduzidas com motivações geopolíticas e servindo a interesses que não são propriamente os interesses nacionais.

Trata-se, a bem da verdade, de uma cooperação que foi construída essencialmente por interesses norte-americanos, conforme evidenciam informações provenientes dos EUA.

De fato, numa relação informal, feita sem a devida supervisão efetiva de autoridades centrais, acabam predominando inevitavelmente os interesses da Parte mais preparada, experiente, e que dispõe de maiores recursos.

Observe-se, além disso, que, no campo econômico, tal operação contribuiu objetivamente para destruir a cadeia de petróleo e gás, ensejou a venda, a preços aviltados, das reservas do chamado pré-sal, solapou a nossa competitiva construção civil pesada e comprometeu projetos estratégicos na área da defesa, com o relativo à construção de submarinos.

O enfraquecimento de empresas brasileiras, como a Petrobras, a Odebrecht, a Embraer e outras favorece objetivamente interesses norte-americanos e de seus aliados, quer pela eliminação de concorrentes, quer pela perspectiva de compra facilitada de ativos estratégicos, como petróleo e gás, gasodutos, terras, água, empresas de energia, empresas de alta tecnologia etc.

Já no campo político, a operação Lava Jato demonstra ter tido papel significativo no lamentável golpe parlamentar de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff, sem a devida comprovação do cometimento de qualquer crime de responsabilidade, como exige a Constituição brasileira de 1988.

Ademais, tal operação vem tendo destaque na denominada guerra judicial (lawfare) contra o ex-presidente Lula, a qual visa o objetivo claramente político de impedir a sua candidatura para as eleições de 2018.

Saliente-se que a candidatura de Lula é a que tem maior potencial para deter a implantação do projeto neoliberal e antinacional do golpe, que favorece interesses estrangeiros e agride frontalmente a soberania nacional.

No mundo inteiro, cresce a convicção de que o ex-presidente sofre clara perseguição política, juridicamente infundada. Trata-se de fato que está se tornando claro para todos. Lula é preso político.

O que ainda não está claro é: Lula é um preso político do Brasil ou dos EUA?

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