sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A estratégia possível de Haddad, se eleito

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Vou refazer o Xadrez de ontem de uma forma mais didática.

Peça 1 – o grande acordo nacional

O maior desafio do novo presidente será colocar as instituições de volta na caixinha – os limites definidos pela Constituição –, desarmar os espíritos e recuperar a economia.

É um desafio político gigante, à altura da grande concertação espanhola de Felipe Gonzales em 1982.

Assim como na Espanha pós-Franco, o Brasil atual vive uma pós-ditadura disfarçada, com a derrocada das instituições, a disseminação do estado de exceção, e o fascismo se mostrando em todos os cantos.

De certo modo, Haddad deverá repetir a trajetória de Felipe Gonzales, na Espanha, mas com metade do caminho aplainado por Lula. Ou seja, a montagem de um partido nacional e a unificação do polo progressista – que será completado com a possível aliança com Ciro Gomes.

O desafio, pós-eleitoral, consistirá em alargar o arco, convidar todos os setores comprometidos com a democracia, desarmar os espíritos e começar o trabalho de reconstrução institucional.

Sob Dias Toffoli, livre da irresponsabilidade de Carmen Lúcia, e com Barroso se desmoralizando dia a dia, é possível que o STF, finalmente, dê sua contribuição para coibir abusos das corporações de Estado que estão se lambuzando com arbitrariedades e demonstrações de força.

Todo o discurso político de Haddad, na campanha, foi feito tendo em vista o pós-eleição. Não se indispôs com nenhum candidato adversário, reiterou sempre a importância do desarmamento de espírito, respondeu às provocações, especialmente nos programas de entrevistas, sem perder a cabeça, mas sem abrir mão de suas convicções. E está acenando com uma ampla aliança para governar o país.

Aliás, desde que aceitou o convite para lecionar para o Insper – a nova Meca do neoliberalismo brasileiro – Haddad vinha se preparando para esse papel de consolidação de um pacto alargado. Ou seja, lá atrás, ele – orientado por Lula – já havia uma estratégia clara de governabilidade, enquanto a direita se contentava com a convicção de que o antilulismo e o antibolsonarismo garantiria a eleição de Geraldo Alckmin.

A governabilidade passa, primeiro, pela montagem de uma ampla coalisão com os diversos setores sociais, econômicos e institucionais, momentaneamente unidos contra o fantasma Bolsonaro. A maneira de combater o antipetismo seria ampliar a base de governo, reduzindo o protagonismo do partido.

Esse alargamento das alianças já era objetivo de Lula em 2013, quando pensou em Eduardo Campos como um aliado capaz de chegar à presidência.

Antes disso, as candidaturas de Dilma Rousseff e Fernando Haddad já visavam justamente trazer um componente de classe média para a frente, diluindo o pesado preconceito social da classe média e alta contra o PT tradicional.

Eleito, certamente Haddad convidará Ciro a participar do governo. Não se sabe se Ciro aceitará ou não. Aceitando, pelo cacife acumulado na campanha atual, será uma candidatura quase certa dessa frente nas próximas eleições.

Para completar o ciclo, no entanto, o fator econômico será fundamental. Um dos pontos centrais de eclosão dessa maré conservadora foi o incômodo trazido pelo fim da bonança econômica.

Vamos por partes, refazendo de forma mais didática o Xadrez anterior, montado a partir dos estudos do economista Gabriel Galippo:

Para a recuperação da economia necessita-se de

1- disponibilidade de oferta,

2- disponibilidade de demanda, e

3- mecanismos de financiamento.

Peça 2 – disponibilidade de oferta

Hoje em dia a economia está rodando com uma capacidade ociosa de 31%.

Quando a indústria tem capacidade ociosa, reage muito mais facilmente aos estímulos de demanda, porque o custo marginal (o que ela gasta a mais para aumentar a produção) é baixo.

Nos anos de bonança houve enormes investimentos na ampliação da capacidade instalada. Com a frustração do crescimento, criou-se essa folga. Significa que responderá imediatamente a qualquer estímulo para aumentar a oferta, sem pressão sobre os custos e, por consequência, sobre a inflação.

Essa história de que não há investimento porque não há confiança na higidez fiscal do país é enganosa. Não há investimento porque não há demanda. O empresário só voltará a investir se a demanda ocupar sua capacidade de produção.

O desafio, portanto, consiste em aumentar a oferta. E Haddad contará com diversos fatores positivos.

Peça 3 – recuperação das commodities

Está havendo uma forte recuperação nas cotações internacionais de commodities. Os ganhos serão imediatos, com o aumento da demanda em duas frentes.

Frente 1 - Petrobras

Embora não se vislumbre em Haddad a disposição de denunciar os contratos já fechados para a
exploração do pré-sal, é quase certo que interromperá os leilões e irá recuperar os princípios básicos da lei da partilha: voltar os componentes de conteúdo nacional, retomar as encomendas para a indústria naval e interromper os leilões de exploração.

Retomando o conteúdo nacional, começará a mover, novamente, a indústria de máquinas e equipamentos, de motores, de serviços e todas as peças de uma extensa cadeia de produção, com a consequente geração de empregos especializados, além da recuperação da economia de estados e municípios afetados pela redução dos royalties do petróleo.

Frente 2 – agronegócio

Além de fornecer divisas para o país, o ganho do agronegócio tem impacto direto sobre a produção de caminhões e tratores, insumos agrícolas e bens de consumo nas regiões agrícolas.

Peça 4 – retomada de obras paradas

Para completar o quadro, há uma imensidão de projetos públicos já licitados, analisados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), aprovados e suspensos devido aos receios com a irracionalidade da Lava Jato e seus filhos que promoveu um verdadeiro apagão administrativo no país.

Esses projetos foram completados no governo Dilma. Para cada um deles exigiu-se a constituições de SPEs (Sociedades de Propósito Específico), com o capital blindado em relação aos acionistas principais – as grandes empreiteiras.

Mas, depois dois abusos do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, com condução coercitiva de dezenas de técnicos do BNDES, criminalização de qualquer operação, houve o apagão administrativo – nada se aprova, nenhuma medida é tomada, porque tudo estava exposto à criminalização pelo MPF.

Um pacto entre o governo, o STF, a PGR, destravaria os investimentos que seriam rapidamente colocados em marcha.

Além disso, com a taxa de juros em 6,5%, o governo poderia injetar recursos no BNDES sem impacto na dívida pública. O impacto ocorria devido ao diferencial entre as taxas do BNDES e a Selic de 14%. Com Selic próxima às taxas do BNDES, não há impacto na dívida pública.

Segundo a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), cada R$ 1 milhão investido no setor gera, em média, 26 empregos. A lista dos projetos atuais permitiria, de imediato, a geração de 2 milhões de novos empregos, além da reativação das cadeias produtivas ligadas a cada projeto.

Todos são investimentos que aumentam sensivelmente a eficiência interna do país.

Some-se a esse movimento, a volta dos investimentos externos. Os chineses, por exemplo, estão aguardando os primeiros sinais de estabilidade política, e de exorcismo da candidatura Bolsonaro, para voltar a investir.

Peça 5 – a PEC do gasto

A desastrada PEC do Gasto produziu um pterodátilo nas contas públicas. A alegação final era a necessidade de conter gastos para aumentar os investimentos públicos. Mas incluiu-se o investimento público na lei. Então, se o PIB crescer, digamos, 2,5% ao ano, os investimentos públicos permanecerão congelados, sem conseguir acompanhar o PIB e, por consequência, sem conseguir melhorar a produtividade da economia.

De alguma maneira terá que ser revista e os investimentos retirados do cálculo dos gastos públicos. Aliás, o melhor seria revogar a lei.

Os investimentos públicos são essenciais em setores com alto impacto social e com grande absorção de emprego – como saneamento.

Peça 6 – o câmbio

O governo Haddad receberá o país com o real desvalorizado, em função do terrorismo pré-eleitoral. Se, ao contrário de 2003, mantiver o câmbio desvalorizado, haverá impactos positivos diretos na indústria – através da reativação das exportações e da redução das importações.

O grande desafio será impedir a valorização do real. Ocorre a valorização quando aumenta a quantidade de dólares entrando na economia. Os dólares ingressam de três maneiras;

1- através do aumento do saldo comercial;

2- ingresso de fluxos financeiros para investir nos juros da dívida pública, que pagam mais do que as taxas internacionais;

3- investimentos diretos estrangeiros.

O Banco Central poderá atuar em cima do item 2, através de duas ferramentas.

Ferramenta 1 - a redução do diferencial de juros entre o real e o dólar.

Espera-se uma elevação na taxa de juros americana. Estima-se que poderá chegar a 3% ao ano. A estratégia brasileira consistiria em reduzir ainda mais a Selic, eliminando o diferencial de juros com os EUA.

Será possível mesmo seguindo o sistema de metas inflacionárias adotada pelo Banco Central. O mercado trabalha com uma miragem, a taxa de juros de equilíbrio, ou seja, a taxa de juros que seja neutra em relação à inflação e à atividade econômica. E com outra miragem, que é o chamado PIB potencial – isto é, quanto o país poder crescer sem comprometer as metas de inflação.

Nem se vá discutir o rigor científico dessas medições. Mesmo seguindo esses preceitos, o país está crescendo abaixo do PIB potencial. Significa que, pelo sistema de metas inflacionárias, poderá reduzir ainda mais a Selic.

Ferramenta 2 – swaps cambiais

O real está colado nas moedas dos emergentes. Mas é a moeda de maior liquidez. A cada crise, é a primeira moeda a ser vendida. Passada a crise, a primeira a ser comprada.

Mesmo assim, fechando o diferencial entre juros americanos e brasileiros, se houvesse um ingresso excessivo de dólares, ele poderia ser esterilizado com operações de swap - que tem um custo, mas não impactam a dívida líquida nacional.

Peça 7 – a política monetária

Confirmada a vitória de Fernando Haddad, o mercado tenderia a puxar as taxas de juros longas, das NTN-B.

Trata-se de um título da dívida que paga IPCA mais uma taxa de juros negociada a mercado. Com a Selic elevada, as NTN-Bs se tornaram um sorvedouro da poupança privada, especialmente dos fundos de pensão, por oferecer rentabilidade maior do que a taxa atuarial necessária, sem risco algum. O patrimônio total dos fundos chega a R$ 1 trilhão. Sua meta atuarial é de IPCA + 5,5%. As NTNBs longas pagam 6,5% mais IPCA, sem risco nenhum.

Quando as taxas de juros sobem, cai a cotação das NTNBs, abrindo a possibilidade do Banco Central recompra-las, mais baratas, colocando em seu lugar LTNs pré-fixados, por um valor mais caro.

Com esse movimento, e com a redução das taxas de juros, os fundos de pensão terão que buscar papéis mais rentáveis. E aí, abre-se o mercado para papéis privados, os CRAs (Certificados de Recebíveis Agrícolas) e debêntures de infraestrutura.

O mesmo ocorrerá com os bancos que emitem CDBs e que não terão mais as facilidades dos juros da dívida pública para se remunerar.

Haverá outro ganho indireto. Com as NTNBs, o mercado sempre apostava no caos: quando mais desarrumada a economia, mais elevadas são as taxas das NTNBs. Com os pré-fixados, passarão a ser sócios da estabilidade.

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