domingo, 9 de setembro de 2018

Argentina: crise, falsa saída e contágio

Por Mark Weisbrot, em entrevista a Greg Wilpert, no site Outras Palavras:

Nos últimos dias, a crise econômica na Argentina está se tornando cada vez mais séria. Semana passada, o presidente Maurício Macri anunciou um novo aumento nas taxas de juros do país, elevando-as a 60% - as mais altas do mundo. A medida visa deter a fuga de capitais e o declínio da moeda argentina. O peso já caiu mais de 50% desde o começo do ano, e despencou mais uma vez no início da semana. Macri planeja também aumentar os impostos sobre exportação e introduzir medidas de austeridade ainda mais duras do que as já introduzidas este ano. O ministro das Finanças do país, Nicolas Dujovne, descreveu assim seu plano:

“Vamos economizar mais 6 bilhões de dólares, que não teremos de financiar no mercado, e em 2020 vamos ter um superávit primário de 1% do PIB, o que economizará outros 5,2 bilhões de dólares.”

A Argentina anunciou também que irá pedir ao FMI o desembolso imediato de uma linha de crédito de 50 bilhões de dólares, que foi aprovada em maio passado - um dos maiores empréstimos desse tipo na história do FMI. Enquanto isso, a população tem ido às ruas para protestar contra a dura austeridade e crescente inflação do país. Por exemplo, manifestantes tiveram um confronto com a polícia semana passada, num protesto contra demissões no setor público.

Vamos começar pelos mais recentes anúncios de Macri sobre política econômica: aumento da taxa de juros e dos impostos de exportação, e introdução de medidas de austeridade ainda mais duras. Qual a justificativa dessas políticas, para o governo?
A justificativa é restaurar a confiança dos mercados. E isso é especificado no acordo com o FMI que eles assinaram em junho. A ideia é que essas medidas garantirão aos mercados que o governo não vai continuar a não fazer nada que abale a confiança, particularmente dos investidores estrangeiros, já que a dívida externa tornou-se enorme desde que Macri assumiu o cargo.

Quais são os efeitos mais prováveis dessas políticas, no curto e longo prazo, deixando de lado se vão realmente aumentar a confiança na economia?
O efeito da austeridade, no curto prazo, é encolher ainda mais a economia. E isso é típico – na verdade, uma solução típica do FMI para uma conta corrente deficitária. Déficit em conta corrente é basicamente o déficit comercial somado a outros empréstimos anuais que o país está utilizando, tomados no resto do mundo. Eles hoje têm um alto déficit em conta corrente. Se você encolhe a economia com a austeridade, irá reduzir as importações. E essa é uma maneira de reduzir o comércio e o déficit em conta corrente. Não é um bom caminho, em geral, e significa que o povo irá sofrer mais. O desemprego já subiu cerca de 2 pontos percentuais desde que Macri assumiu o governo. De modo que as medidas serão muito desconfortável para a população. É uma das razões por que você vê as pessoas se manifestando nas ruas.

Na verdade, além de tentar reduzir as importações, parece que eles estariam também reduzindo as exportações com esse imposto. Você não diria isso?
Não, acho que os impostos sobre exportação estão corretos. Essa é uma boa fonte de renda para o governo, e penso que Macri não deveria é ter reduzido esses tributos, ao assumir o governo. Mas o problema é mesmo que o governo emprestou tanto dinheiro. De 63 bilhões de dólares, a dívida do governo central foi para mais de 140 bilhões. Não havia razões para isso. Também queimaram rapidamente as reservas do banco central.

Isso é parte do que está gerando a crise. E era desnecessário, porque eles poderiam, ao contrário, ter tomado empréstimos domésticos. Vale lembrar que a ex-presidente Cristina Kirchner deixou uma dívida externa muito, muito pequena em relação à economia do país. Isso é importante porque esse governo - e parte da mídia e das pessoas que o apoiam - estão tentando culpar o governo anterior pela crise atual. De fato, os Kirchners [Cristina e Nestor, presidente que a antecedeu] deixaram alguns desequilíbrios. Claro, Macri teve que liquidar a dívida dos fundos abutres, remover alguns dos controles de capital e permitir que a taxa de câmbio flutuasse. Foram medidas positivas. Mas as causas da crise estão nos empréstimos externos e no desperdício de bilhões de dólares tentando defender a moeda, enquanto ela estava caindo. Todo esse dinheiro foi desperdiçado e somado à dívida externa.

Vamos aprofundar isso um pouco mais. Como o peso perdeu tanto valor? Você mencionou, é claro, os empréstimos – mas como Macri de repente acaba nessa crise financeira que ele de fato não encontrou ao assumir o governo?
Ele tornou as coisas muito piores, penso, principalmente pelo endividamento externo. E também, é claro, a austeridade dói. Mas acho que o pior é que ele agora está aprisionado numa armadilha. Com o acordo do FMI amarrou-se à “austeridade”. Agora, os investidores sabem que a economia não vai melhorar tão cedo. Então, ele está tentando construir confiança no mercado, mas, como vimos na zona do euro, isso geralmente tem o efeito contrário.

Então agora podemos esperar anda mais “austeridade”, e uma queda ainda maior na economia argentina, ao menos no médio prazo?
É o que parece, com certeza. E penso que serão forçados a manter o erro, já que o FMI vai monitorá-los a cada trimestre, para desembolsar as parcelas do empréstimo. Isso não significa que a economia não poderá recuperar-se, a uma certa altura. Mas no curto prazo as coisas parecem bem ruins.

Essa situação tem algumas semelhanças com o que aconteceu nos anos 1990. Eles tiveram quatro anos de depressão, e ficaram inadimplentes com suas dívidas. Agora, não há depressão. A economia está desacelerando, provavelmente terão uma recessão. Mas a semelhança é que estão presos a esse programa, e tentando construir confiança nos mercados, mas tudo o que fazem na verdade só piora a situação.

E há uma outra semelhança, que a maioria das pessoas notou, e penso que é muito importante. Macri apresenta uma série de desculpas para o que aconteceu, dizendo que a culpa não é sua. Numa destas alegações, ele tem razão. É o recente aumento das taxas de juros pelo Federal Reserve [banco central dos EUA]. Isso é semelhante ao que aconteceu entre 1994 e 1997, quando o Fed elevou as taxas de juros e espalhou crises pelo mundo. Começaram no México, espalharam-se pela Argentina e se converteram na crise financeira da Ásia, que começou em 97. Desdobraram-se em crises na Rússia e no Brasil. Isso é realmente um grande fator, e mostra o quão poderoso é o Federal Reserve e sua influência nos países em desenvolvimento. Algo que ele não leva em conta, é claro, quando decide sua política monetária.

Recordo também de como a Turquia, por exemplo, está agora enfrentando uma crise, em parte, causada pelo aumento da taxa de juros do Fed.
Sim. São exemplos de como países que os investidores consideram vulneráveis – se são ou não é outra história – sofrerão um impacto, e terão crises financeiras. E às vezes simplesmente porque os “mercados” decidem que devem fugir.

* Entrevista publicada originalmente no site estadunidense Democracy Now. Tradução de Inês Castilho.

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