quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Extrema-direita cresce até na Suécia

Por Zaid Jilani, no site The Intercept-Brasil:

Os suecos foram às urnas no último domingo para eleger o novo governo nacional, e o centro das atenções foram os 18% de votos obtidos pelo Partido dos Democratas Suecos (SD), uma legenda de extrema-direita minoritária no país até recentemente. Depois de conseguir 12,9% em 2014, desta vez o SD ficou logo atrás dos Moderados – de centro-direita –, mas ainda muito longe das coalizões de centro-esquerda e centro-direita, que obtiveram cerca de 40% dos votos cada.

Mattias Karlsson, líder do partido no Parlamento, exultante com o resultado, teria dito que “2018 está para o conservadorismo como 1968 está para a esquerda”.

Mas o partido, famoso por sua retórica contrária aos imigrantes, esperava obter muito mais votos – alguns líderes chegaram a prever o apoio de um em cada quatro suecos. Não foi o que aconteceu, e o avanço de meros 5% em relação às últimas eleições lança dúvidas sobre o lugar-comum da ascensão inevitável de uma Europa anti-imigração.

Muitos analistas ressaltam a demagogia do SD, que tenta se aproveitar do grande fluxo de refugiados para a Suécia para ganhar votos. O partido faz três grandes críticas: a imigração estaria aumentando a criminalidade e intensificando a pressão econômica sobre a Suécia, e os muçulmanos estariam solapando a unidade nacional e a tradição laica do país.

Embora não haja nenhuma prova de que os refugiados sejam responsáveis por um aumento generalizado da criminalidade, a mídia tem dado muito destaque a atos de violência cometidos por imigrantes, como uma onda de ataques com granadas.

Esses ataques, aliados ao argumento da ameaça econômica e cultural, têm ajudado a desequilibrar a balança política da Suécia para a direita. Por exemplo, os social-democratas do SAP, partido de centro-esquerda atualmente no governo, propuseram medidas para reduzir o número de concessões de asilo a refugiados no país. Sob pressão do SD, tanto a centro-esquerda quanto a centro-direita sueca têm adotado posições mais conservadoras quando o assunto é imigração.

Mas e se a ascensão dos Democratas Suecos for devida não tanto à imigração, e sim ao aumento da desigualdade, causada pela austeridade e por choques financeiros?

Em um estudo publicado no mês passado, cinco acadêmicos suecos examinaram os fatores que influenciam o desempenho eleitoral da extrema-direita desde 2002, quando o SD ainda era um partido marginal, até 2014, quando se tornou o terceiro maior partido da Suécia.

Os pesquisadores analisaram não apenas os eleitores que votaram no SD, mas também os políticos eleitos.

Parte do encanto dos Democratas Suecos se deve à imagem de outsiders que o partido tenta vender de si mesmo. Os autores da pesquisa descobriram que mais de 96% dos políticos eleitos pelo partido desde 1982 nunca haviam sido eleitos por outra legenda.

Além disso, segundo dados coletados pelo estudo, os membros das bancadas regionais e municipais do SD são em geral muito mais pobres do que os políticos de outros partidos.


Figura 15: faixa de renda de políticos eleitos entre 2002 e 2014 (gráficos acima) e os seus pais em 1979 (gráficos abaixo). Da esquerda para a direita: Democratas Suecos, outros partidos, e partido da esquerda. Nota: “As faixas de renda foram separadas de acordo com a data de nascimento e o sexo biológico. Usaram-se dados de 1979 para calcular as faixas de renda anual de pais de família. Apenas os pais que já eram adultos em 1979 foram incluídos.”
Gráfico: Ernesto Dal BÛ, Frederico Finan, Olle Folke, Torsten Persson, e Johanna Rickne.
“Os políticos do SD estão super-representados nas faixas de renda inferiores e sub-representados nas faixas de alta renda”, afirmam os pesquisadores.


Mas e os seus eleitores? O estudo os divide em duas grandes categorias: os insiders, com emprego estável, e os outsiders, desempregados ou com empregos precários. O primeiro grupo se subdivide entre “insidersvulneráveis”, cujo trabalho está ameaçado pelo avanço da automação, e os “insiders seguros”, que não correm o mesmo risco.

Por fim, os pesquisadores analisaram o impacto de dois grandes choques econômicos no comportamento eleitoral dos suecos.

O primeiro aconteceu em 2006, quando os social-democratas perderam o poder para uma coalizão de centro-direita, que, uma vez no governo, reduziu impostos e impôs medidas de austeridade. O segundo choque foi a crise financeira global de 2008.


Figura 2: renda disponível para outsiders e insiders entre 1995 e 2012. A partir de 2006, há cortes na seguridade social, como licença médica e seguro-desemprego. Nota: “As categorias de situação laboral foram definidas com base no modelo SELMA de Kindlund e Biterman, 2002).” 
Gráfico: Ernesto Dal BÛ, Frederico Finan, Olle Folke, Torsten Persson, e Johanna Rickne.
Segundo os autores, os resultados dessa análise de regressão “indicam nitidamente que os Democratas Suecos obtiveram mais votos nos municípios onde o empobrecimento dos outsiders foi maior em comparação aos insiders, e em localidades com um grande número insidersque ficaram em situação vulnerável com a crise financeira e a recessão. Essa associação é estatisticamente precisa e nada trivial em termos quantitativos”. A mesma tendência se manifesta tanto nas eleições nacionais quanto nas regionais e municipais.


Figura 9: da esquerda para a direita, a distribuição geográfica do crescimento dos Democratas Suecos entre 2002 e 2014, a parcela da população composta por insiders vulneráveis em 2006, e o crescimento da desigualdade em 2002 e 2012. Nota: “As categorias de situação laboral foram definidas com base no modelo SELMA de Kindlund e Biterman, 2002). A classificação de ‘insider vulnerável’ foi atribuída aos trabalhadores em cargos com índice RTI (Routine Task Intensity) acima da mediana.” Gráfico: Ernesto Dal BÛ, Frederico Finan, Olle Folke, Torsten Persson, e Johanna Rickne.

E qual é o impacto do grande bicho-papão dos Democratas Suecos, a imigração? “[Nossas] análises não revelaram nenhuma relação entre a exposição direta à imigração e o apoio à direita radical”, observam os pesquisadores. “A ascensão do SD entre 2002 e 2014 é concomitante a uma maior tolerância à imigração por parte do sueco médio”, afirmam.

O estudo de regressão estatística revela que, “após a inclusão dos fatores [econômicos e laborais] na análise, nota-se que o número de imigrantes em uma localidade não tem relação significativa com o voto no SD. Além disso, a imigração não altera a associação entre tais fatores e o desempenho eleitoral do SD.”

A pesquisa demonstra que cerca de metade do grupo de outsiders acredita há muito tempo que a Suécia deveria receber menos refugiados – e esse número tem permanecido estável ao longo do tempo. Entre os insiders, o número de pessoas que acreditam que a Suécia deveria receber menos refugiados caiu consideravelmente entre meados dos anos 1990 e 2014.

Os autores reconhecem, contudo, que não excluem totalmente a possibilidade de a imigração estar contribuindo para o fortalecimento do SD. “Pode existir uma ligação indireta entre fatores econômicos e opinião sobre imigração, e/ou entre a política de imigração e as decisões de voto”, afirmam. “As pressões econômicas podem tornar a população mais receptiva a um discurso político centrado nos custos fiscais da imigração e na defesa de uma redistribuição em favor dos cidadãos nativos através de restrições a estrangeiros”, acrescentam.

Em outras palavras, não é que os eleitores dos Democratas Suecos desprezem os imigrantes. Porém, ao transformá-los em bodes expiatórios, um partido pode ser visto com bons olhos por pelo menos reconhecer que existe um problema – a estagnação econômica. Um traço desse fenômeno também pode ser visto nos Estados Unidos. Richard Ojeda, senador do Partido Democrata pela Virgínia Ocidental, apoiou Donald Trump nas eleições de 2016 com a justificativa de que, mesmo pensando que ele não cumpriria a promessa, pelo menos Trump havia falado em gerar empregos eu seu estado. “Pelo menos ele está falando sobre isso. Ninguém fala nada sobre a Virgínia Ocidental. Ninguém fala em ajudar o nosso estado”, explicou ele na época.

Quais são as consequências desse estudo? Que lições os outros partidos poderiam tirar disso tudo? “Isso nos ajuda a entender a mobilização [do SD]”, responde Olle Folke, pesquisador da Universidade de Uppsala e um dos autores da pesquisa.

Quanto à segunda pergunta, Folke menciona o sucesso do SD no recrutamento de candidatos de fora do círculo político tradicional, o que é um diferencial do partido. “Acho que uma recomendação geral seria descobrir maneiras de atrair pessoas marginalizadas economicamente para a política”, acredita.

Pesquisas de boca de urna sobre o perfil dos eleitores do SD corroboraram os resultados do estudo: 19% deles haviam votado nos social-democratas em 2014 – o segundo maior grupo depois dos eleitores tradicionais do partido.

Por sua vez, os social-democratas tiveram o pior desempenho em cem anos nas últimas eleições. É preciso ressaltar que o estudo foi feito com base em dados coletados até 2014, antes de a Suécia se comprometer a receber até 190 mil novos refugiados. É possível que a questão da imigração tenha um peso maior agora do que nos primeiros anos da ascensão do SD. Mas a verdade é que a ascensão do partido foi muito menor do que o crescimento exponencial da visibilidade do tema que é a sua maior bandeira, o que sugere que a imigração não é tão importante para o eleitorado quanto se diz.

Na verdade, o que a pesquisa mostra é que a ascensão inicial do SD está muito mais ligada ao aumento da desigualdade social do que ao crescimento da imigração ou a alguma mudança de opinião sobre o tema. Se a centro-direita e a centro-esquerda suecas tivessem proposto soluções mais profundas para a desigualdade, rejeitado a austeridade e apresentado candidatos mais próximos à classe trabalhadora, talvez tivessem impedido o avanço inicial da extrema-direita.

O cenário político sueco não é igual ao de outras nações ocidentais, mas vale ressaltar que em outros países o perfil do eleitor dos grandes partidos também mudou.

Nos EUA e na França – e até certo ponto no Reino Unido –, a base eleitoral dos partidos de esquerda e centro-esquerda, que antes era a classe trabalhadora, agora tem um perfil mais intelectual, segundo um estudo do economista Thomas Piketty publicado este ano:

* Tradução de Bernardo Tonasse.

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