Há mais de 40 anos compreendi que o contato com a obra e as ideias de Marilena Chauí é uma das recompensas mais gratificantes para quem procura refletir sobre os tumultos e impasses do mundo contemporâneo, em particular do Brasil.
Matriculado num curso de Marilena na Filosofia da Universidade de São Paulo, onde estudava Ciências Sociais, tive a chance de entrar em contato com um pensamento que passava a limpo nossa forma de ver o mundo e, como é obrigação moral, tentar modificá-lo. Naquele momento, Marilena Chauí preparava um de seus trabalhos fundamentais, a tese de livre-docência sobre Baruch Spinoza (1632-1677), pensador perseguido pela inquisição e banido de Portugal. Dava aulas inesquecíveis pela rapidez do pensamento, a clareza de sua lógica e a erudição sem empáfia.
Naquele início da década de 1970, a ditadura militar encontrava-se num de seus momentos especialmente brutais, o que se manifestava no sequestro e assassinato de trabalhadores e estudantes, na espionagem permanente do mundo acadêmico, na censura institucionalizada dos jornais. Sem vulgarizar as idéias em discussão, Marilena Chauí estava ali, sentada à mesa, cabeleira negríssima, sem medo de falar sobre liberdade e opressão, num chamado sempre lúcido e necessário à resistência.
Na sexta-feira passada, setembro de 2018, Marilena estava de novo sentada à mesa, como uma das palestrantes do "Seminário Internacional -- Ameaças à Democracia e a Ordem Multilateral. "
Num encontro que reuniu políticos e pensadores de primeira grandeza em escala mundial, ela fez uma palestra de 25 minutos -- uma das mais breves do dia -- que está destinada a sobreviver por um longo período em debates obrigatórios, tão inspirador é seu enfoque, a profundidade de sua análise.
Ela fala de "neoliberalismo", que era um dos assuntos obrigatórios do seminário, mas eu garanto que, depois de assistir ao vídeo -- disponível na internet -- você irá descobrir que até agora não sabia nem o primeiro capítulo deste debate.
Só para dar um aviso prévio: não tenho a pretensão de explicar nem resumir Marilena Chauí. O que você está lendo aqui é um simples esforço, uma honesta tentativa de estimular cada um dos leitores deste espaço para acessar o vídeo de uma pensadora vigorosa e original.
Vale esclarecer, contudo, que ela não discute o neoliberalismo em sua forma mais conhecida, como opção de política econômica, vista como simples alternativa conservadora ao desenvolvimentismo. Seu entendimento é outro. Ela descreve um processo histórico avassalador, uma força muito mais ampla e profunda, que modifica o conjunto da vida em sociedade, procurando lhe dar nova forma e novo conteúdo.
"É uma nova forma de totalitarismo", resume Chauí, descrevendo um sistema político fechado, uma superditadura na qual as tradicionais instituições públicas da vida em sociedade foram transformadas em organizações privadas e são administradas como empresas. Deixando de ter o caráter público, permanente, assumem a lógica das organizações privadas, e assim se dedicam explorar a saúde e a educação, e também a segurança e a Justiça. Como você pode imaginar, Marilena Chauí tem uma visão aguda e pertinente sobre a Lava Jato, muito mais original do que você poderia imaginar e irá descobrir através do vídeo.
Nesta visão de um novo tempo da evolução humana, na qual o próprio Estado deixa de ser uma instituição pública e tende a se tornar uma empresa, mesmo as guerras entre povos e países se transformaram em oportunidades de negócio, "bolhas" que são infladas e esvaziadas conforme os ganhos e perdas que podem proporcionar.
Sabemos que uma visão subjugada das sociedades humanas está presente em obras que marcaram o século XX, a começar pelos trabalhos de George Orwell e inúmeras coleções de ficção científica.
Há duas diferenças, porém. O totalitarismo denunciado por Chauí não tem origem no Estado, como na maioria das obras do passado, inclusive tratados de Ciência Política, mas em seu desmantelamento nos anos recentes, que abriu caminho para transformação das antigas instituições em organizações de tipo empresarial.
Outra diferença é que, como fazia para os alunos da Filosofia sob a ditadura militar, em vez de assumir uma postura derrotada, Marilena Chauí encerrou a palestra deixando claro que não está cansada da guerra. Cerrando os punhos, fez um apelo a resistência. Também fez uma referência indispensável a conjuntura do país. Lembrando que a sociedade brasileira se recusa a encarar seu futuro como investimento e mercadoria, sinalizou que os conflitos estão longe de resolvidos. Numa análise que vai ao ponto essencial da perseguição a Lula e as pressões sobre a campanha presidencial, sublinhou que, para o neoliberalismo, "a eleição é um problema por causa do vigor exibido pela sociedade brasileira na defesa da política".
Alguma dúvida?
Matriculado num curso de Marilena na Filosofia da Universidade de São Paulo, onde estudava Ciências Sociais, tive a chance de entrar em contato com um pensamento que passava a limpo nossa forma de ver o mundo e, como é obrigação moral, tentar modificá-lo. Naquele momento, Marilena Chauí preparava um de seus trabalhos fundamentais, a tese de livre-docência sobre Baruch Spinoza (1632-1677), pensador perseguido pela inquisição e banido de Portugal. Dava aulas inesquecíveis pela rapidez do pensamento, a clareza de sua lógica e a erudição sem empáfia.
Naquele início da década de 1970, a ditadura militar encontrava-se num de seus momentos especialmente brutais, o que se manifestava no sequestro e assassinato de trabalhadores e estudantes, na espionagem permanente do mundo acadêmico, na censura institucionalizada dos jornais. Sem vulgarizar as idéias em discussão, Marilena Chauí estava ali, sentada à mesa, cabeleira negríssima, sem medo de falar sobre liberdade e opressão, num chamado sempre lúcido e necessário à resistência.
Na sexta-feira passada, setembro de 2018, Marilena estava de novo sentada à mesa, como uma das palestrantes do "Seminário Internacional -- Ameaças à Democracia e a Ordem Multilateral. "
Num encontro que reuniu políticos e pensadores de primeira grandeza em escala mundial, ela fez uma palestra de 25 minutos -- uma das mais breves do dia -- que está destinada a sobreviver por um longo período em debates obrigatórios, tão inspirador é seu enfoque, a profundidade de sua análise.
Ela fala de "neoliberalismo", que era um dos assuntos obrigatórios do seminário, mas eu garanto que, depois de assistir ao vídeo -- disponível na internet -- você irá descobrir que até agora não sabia nem o primeiro capítulo deste debate.
Só para dar um aviso prévio: não tenho a pretensão de explicar nem resumir Marilena Chauí. O que você está lendo aqui é um simples esforço, uma honesta tentativa de estimular cada um dos leitores deste espaço para acessar o vídeo de uma pensadora vigorosa e original.
Vale esclarecer, contudo, que ela não discute o neoliberalismo em sua forma mais conhecida, como opção de política econômica, vista como simples alternativa conservadora ao desenvolvimentismo. Seu entendimento é outro. Ela descreve um processo histórico avassalador, uma força muito mais ampla e profunda, que modifica o conjunto da vida em sociedade, procurando lhe dar nova forma e novo conteúdo.
"É uma nova forma de totalitarismo", resume Chauí, descrevendo um sistema político fechado, uma superditadura na qual as tradicionais instituições públicas da vida em sociedade foram transformadas em organizações privadas e são administradas como empresas. Deixando de ter o caráter público, permanente, assumem a lógica das organizações privadas, e assim se dedicam explorar a saúde e a educação, e também a segurança e a Justiça. Como você pode imaginar, Marilena Chauí tem uma visão aguda e pertinente sobre a Lava Jato, muito mais original do que você poderia imaginar e irá descobrir através do vídeo.
Nesta visão de um novo tempo da evolução humana, na qual o próprio Estado deixa de ser uma instituição pública e tende a se tornar uma empresa, mesmo as guerras entre povos e países se transformaram em oportunidades de negócio, "bolhas" que são infladas e esvaziadas conforme os ganhos e perdas que podem proporcionar.
Sabemos que uma visão subjugada das sociedades humanas está presente em obras que marcaram o século XX, a começar pelos trabalhos de George Orwell e inúmeras coleções de ficção científica.
Há duas diferenças, porém. O totalitarismo denunciado por Chauí não tem origem no Estado, como na maioria das obras do passado, inclusive tratados de Ciência Política, mas em seu desmantelamento nos anos recentes, que abriu caminho para transformação das antigas instituições em organizações de tipo empresarial.
Outra diferença é que, como fazia para os alunos da Filosofia sob a ditadura militar, em vez de assumir uma postura derrotada, Marilena Chauí encerrou a palestra deixando claro que não está cansada da guerra. Cerrando os punhos, fez um apelo a resistência. Também fez uma referência indispensável a conjuntura do país. Lembrando que a sociedade brasileira se recusa a encarar seu futuro como investimento e mercadoria, sinalizou que os conflitos estão longe de resolvidos. Numa análise que vai ao ponto essencial da perseguição a Lula e as pressões sobre a campanha presidencial, sublinhou que, para o neoliberalismo, "a eleição é um problema por causa do vigor exibido pela sociedade brasileira na defesa da política".
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