domingo, 9 de setembro de 2018

'Novo' nome para a velha direita neoliberal

Arte: Bancários Rio
Por Marina Lacerda, no blog Socialista Morena:

É comum apresentar as propostas relacionadas ao extremo liberalismo econômico como algo “moderno”, no sentido atualizado, fresco, recém-fundado, inexperimentado. É isso que faz o Partido “Novo”. Suas “novidades” são Estado Mínimo, “menos intervencionista, com menos impostos e menos burocracia”; livre mercado; empreendedorismo; privatizações…

Tudo, na verdade, muito velho.

Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, o Japão e diversos países da Europa desenvolveram modelos de Estado que deveriam focar no pleno emprego, no crescimento econômico e no bem-estar de seus cidadãos –inclusive, se necessário para esses fins, intervindo ou substituindo mecanismos de livre mercado.

Isso ficou conhecido como “liberalismo encapsulado”, segundo o qual o mercado e as corporações empresariais deveriam ser rodeados por uma rede de restrições sociais e políticas. O modelo possibilitou altas taxas de crescimento econômico nas décadas de 1950 e 1960, inclusive em boa parte do “Terceiro Mundo”.O neoliberalismo foi concebido justamente para restabelecer o poder das elites econômicas. Ou, em termos mais diretos, para aumentar a desigualdade social

O princípio do Estado de bem-estar social é redistributivo: onerar as elites econômicas, através da regulamentação e impostos, e redistribuir esses recursos através de políticas públicas e serviços para a maior parte da população.

Esse arranjo pós-guerra implicou em poder econômico restrito às classes altas e em a classe trabalhadora ter um pedaço maior do bolo para si. A existência da União Soviética e o avanço de partidos e de forças sociais de esquerda representavam um risco às camadas privilegiadas de países como Itália, França, Espanha e Portugal, e também como Chile, México e Argentina.

O neoliberalismo foi concebido nesse contexto, justamente para restabelecer o poder das elites econômicas. Ou, em termos mais diretos, para aumentar a desigualdade social.

O aumento da desigualdade com a implantação das políticas neoliberais pode ser visualizado no seguinte gráfico sobre a riqueza do 0,1% da população com maior renda nos EUA, Grã-Bretanha e França, entre 1913 e 1998. A curva descendente mostra a desigualdade se reduzindo; ela começa a subir – os níveis de desigualdade aumentam – a partir da implantação dos princípios neoliberais:


Por isso a enorme falácia apresentada no programa de governo de João Amoêdo, o candidato a presidente do partido “Novo”: “Vamos entender que o brasileiro não precisa de um Estado grande porque é pobre, ele é pobre justamente por ter um Estado grande”. A História desmente essa frase. Quanto menor o Estado, mais pobres há, e os poucos ricos, mais ricos são.

Os intelectuais que deram base ao neoliberalismo foram Friedrich von Hayek, Karl Popper, Ludwig von Mises e Milton Friedman – professor da Universidade de Chicago. O primeiro experimento de implantação do neoliberalismo foi no Chile após o golpe de 11 de setembro de 1973. Apoiado pelo Fundo Monetário Internacional e pelos Chicago boys, Pinochet reverteu as nacionalizações e efetivou privatização de patrimônio público, abriu recursos naturais (como madeira) para exploração privada, privatizou a seguridade social e facilitou investimento estrangeiro.

Na sequência o neoliberalismo foi implantado na Inglaterra de Thatcher e nos Estados Unidos de Reagan, a partir de 1979. E depois disso quase todos os países, de pertencentes à antiga União Soviética até democracias com Estados de bem-estar social consolidados como Nova Zelândia e Suécia, adotaram alguma versão da teoria neoliberal. Ao final dos anos 1980 e durante os anos 1990 o neoliberalismo alcançou a América do Sul, especialmente o Peru (Alberto Fujimori), a Argentina (Carlos Menem) e o Brasil (Fernando Henrique Cardoso).

A santificação da nova ortodoxia deu-se no Consenso de Washington, em 1990: privatização, favorecimento do investimento estrangeiro, desregulamentação do mercado de trabalho e a redução do papel do Estado.

Isso em muitos sentidos não só não é “novo” como é anacrônico.

Depois da crise do capitalismo de 2008, os princípios do CW passaram a ser profundamente questionados, com o descrédito das prescrições centradas da hipótese da eficiência de mercado. Tais postulados não são mais defendidos sequer pelo Fundo Monetário Internacional.

O tema chegou a ser objeto de discussão entre a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, e Henrique Meirelles, Ministro da Fazenda brasileiro, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro de 2017. Lagarde, em resposta à fala de defesa da austeridade de Meirelles, enfatizou que o FMI hoje privilegia a redução da desigualdade e a promoção de políticas que a combatam.

Ainda assim, as premissas neoliberais clássicas, apesar de questionadas inclusive por seus antigos promotores, continuam em vigência em determinados lugares do mundo. Foram implantadas pelo governo Temer, com suporte congressual. E são defendidas como novidade por boa parte dos atores políticos, inclusive pelo partido “Novo”.

* Marina Lacerda é mestre em direito pela PUC-Rio e doutora em ciência política pelo IESP-UERJ.
* Este texto se baseou em:

DAVIES, William. 2016. “The New Neoliberalism.” New Left Review 101:14.

HARVEY, David. 2005. A Brief History of Neoliberalism. Nova Iorque: Oxford University Press.

NOBLE, Charles. 2007. “From Neoconservative to New Right: American Conservatives and the Welfare State.” em Confronting the New Conservativism: The Rise of the Right in America, editado por Michael J THOMPSON. Nova Iorque: New York University Press – Kindle Edition, pp. 109-25.

WADE, Robert. 2008. “Financial Regime Change?” New Left Review 53:17.

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