Por Roberto Amaral, em seu blog:
O STF e a traição à democracia – Após impedir a candidatura do ex-presidente Lula, o STF dá mais um passo – e outros podem ser esperados – na sua continuada traição aos fundamentos da soberania popular. Assim, em decisão de poucos dias passados, afastou do pleito de outubro 3,4 milhões de eleitores, cujos títulos foram cancelados porque seus titulares não compareceram à revisão ou ao cadastramento biométrico. Depois de afastar do pleito seu principal concorrente, o Supremo, corre para impedir que parte do eleitorado do ex-presidente exerça o direito de votar: não por coincidência, as inscrições canceladas estão concentradas nas regiões Norte e Nordeste. A Bahia, reduto eleitoral do PT, é o Estado com maior número de títulos cancelados, cerca de 587 mil (Estadão, 27/9/18, p A11). Para que o leitor tenha ideia dessa violência, lembremos – e o plenário do STF foi advertido pelo ministro Ricardo Lewandowski – que o segundo turno de 2014 entre Aécio Neves e Dilma Rousseff foi decidido por 3,5 milhões de votos… (2) Preso desde abril, o ex-presidente da República e dirigente partidário, não logrou obter de seus juízes-carcereiros o direito a dar uma entrevista à imprensa. Informa o Valor (edição de 27.9.2018), porém, que o esfaqueador do capitão ‘não precisou de72 horas para conseguir a autorização que lhe permitirá dar não apenas uma, mas duas entrevistas”.
As eleições não estão definidas - O locutor do telejornal TVNews, anuncia, como bordão, que as eleições não estão definidas, pois ‘muita coisa ainda pode ocorrer’. É verdade. Mas além do imponderável, o perigo está no que pode ser provável. Lembremos: o empresário Abílio Diniz foi sequestrado no dia 11 de dezembro de 1989 mas só foi revelado após sua libertação, no dia 16 de dezembro, véspera do segundo turno das eleições disputadas por Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Collor. A mídia da época suscitou o envolvimento do PT na ação de sequestro, usando ‘fontes da polícia’. Após a vitória de Collor, as acusações foram desmentidas.
“Derrotar as forças golpistas nestas eleições é fundamental. Porém, ainda que tenhamos uma possível e ansiada vitória estaremos ganhando uma importante batalha, numa guerra prolongada, onde a força motriz dos setores populares encontra-se extremamente fragilizada, limitando nossas possibilidades de avanço e nos colocando crescentes desafios”. Ricardo Gebrim (www.brasildefato.com.br).
O panorama sugerido para a sucessão presidencial deste outubro, dizem os intérpretes das sucessivas sondagens de intenção de voto, sugere, ao lado da consolidação da candidatura de extrema-direita (o fato novo dessas eleições), o avanço da resistência democrática, pois assim traduzo o crescimento das candidaturas de Fernando Haddad e Ciro Gomes, indicador de um segundo turno plebiscitário entre democracia e fascismo, com anunciada tendência de derrota (é ainda a voz das pesquisas) do atraso, da xenofobia, do totalitarismo e da revivescência de um militarismo que supúnhamos ao menos contido nos limites da legalidade.
Essa leitura, ainda que prazerosamente correta, não encerra, porém, a verdade toda, porque o processo político em curso não se reduz ao pronunciamento eleitoral, ainda quando prometidamente favorável, como nos lembram os desdobramentos das eleições de 2014, dos quais, aliás, ainda não nos vimos livres.
Mais ainda, o processo político e a luta que nele se trava anunciam uma guerra prolongada para a qual as grandes massas precisam estar alertadas, prevenidas e apetrechadas ideologicamente, superando, no plano da ação, as deficiências expostas na luta contra o golpe e na defesa de Lula – ao final processado, condenado, encarcerado e, finalmente, afastado da disputa presidencial. Sua exclusão, nas condições conhecidas, ademais de violência contra seus direitos e a ordem constitucional, implicou o exílio de 40% do eleitorado brasileiro, pois era a quanto montavam os brasileiros que anunciavam o voto no ex-presidente.
O maior de todos os desafios à frente das forças democráticas, doravante mais do que nunca, é a organização de base, mas, ao fim e ao cabo, tratar-se-á, ainda, o projeto organizacional, de desafio político que dificilmente será enfrentado com eficiência se às lideranças políticas faltar clareza sobre o caráter da luta.
Desconfio, porém, que essa dificuldade de interpretar o processo social, evidente desde pelo menos os idos de 2013, são persistentes entre os principais quadros partidários da esquerda brasileira. Tragédia sobre tragédia será a suposição de que o eventual e desejadíssimo sucesso eleitoral implique a superação da crise política.
O pleito deste 2018, visto de per si, nada obstante sua importância no quadro geral da luta estratégica, constituirá tão somente o ponto de partida sem o qual as forças democráticas não terão condições de enfrentar o projeto autoritário. Em síntese: vencê-lo representará importante vitória tática em largo processo estratégico que recomenda a revisão dos projetos, táticas e alianças dos governos de centro-esquerda, de especial o projeto eleitoral de 2014 e o governo que dele emergiu, natimorto.
Essa discussão permanece em aberto.
Do processo político em curso as direções políticas precisam ter consciência e clareza, esmiuçando suas entranhas; esse processo carece de ser discutido com todas as forças do movimento social, ou seja, precisa ser objeto da avaliação crítica coletiva. É preciso abrir a discussão para além das limitações partidárias do campo das atuais esquerdas brasileiras.
O primeiro turno deve ser buscado como passaporte indeclinável – pois sem a ultrapassagem dessa etapa não haverá o passo seguinte – para a disputa eleitoral decisiva, quando o candidato das forças democráticas, representando e defendendo um projeto diferenciado, precisará de uma vitória em tal ordem de votos que os simples números em sua nudez possam ser lidos como claro e contundente veto popular às ameaças golpistas e reacionárias presentes. Esse grito será, ao mesmo tempo, clara e calorosa exigência de retomada do projeto de democracia social, se as poderosas forças antagônicas virem nessa manifestação um vigoroso dictatum das grandes massas.
Para cumprir esse papel, fundamental, todavia, o pronunciamento eleitoral precisará significar o referendo popular às teses que os candidatos do campo progressista precisam desenvolver e discutir com todos os rr e ss. Ao fim e ao cabo, as circunstâncias que exigem o pedido do voto são as mesmas que exigem o convencimento político como seu condicionante.
E, amanhã, um governo coerente com o discurso de campanha.
Se os números são necessários e insubstituíveis, não são ainda suficientes, pois o salto qualitativo dependerá do apoio das multidões no pós-eleitoral (aquele que nos faltou em 2015), assegurando a posse e, a partir daí, a governança, mas não qualquer governança, e sim aquela que assegure a consolidação democrática, a desmontagem do legado antinacional e antipopular do governo perjuro, e a realização das reformas realmente estruturais que abram caminho para o desenvolvimento com distribuição de renda e, seu corolário, a justiça social.
Mas a tarefa ainda não estará conclusa pois restará o enfrentamento ideológico da emergência do pensamento fascista que hoje em um pleito presidencial pode representar o apoio em algo superior a um terço do eleitorado brasileiro e cujas teses – apresentadas sem rebuços, inegavelmente –, tem respaldo e eco junto a significativos contingentes da população brasileira, falando mesmo ao coração das camadas periféricas, aos mais pobres e mesmo aos mais discriminados, cujo protesto e justa sede de reparação não encontrou no discurso da esquerda e dos democratas o adequado canal de expressão.
O voto nulo, ou o voto em Cacareco, é, hoje, o voto na opção totalitária. Em qualquer hipótese irresponsável.
Um governo com tais características e tal compromisso – e outro não nos anima – enfrentará a revivescência da saturnal dos ódios, a sabotagem da banca e a intolerância geral de um empresariado viciado no rentismo, a hostilidade de um Congresso controlado por oligarquias de toda ordem, forças armadas reacionárias e pouco afeitas aos limites da ordem constitucional e da disciplina, um poder judiciário judicante, operando segundo os interesses da classe dominante, uma imprensa política e ideologicamente monopolizada pelos interesses do andar de cima, alienada dos interesses nacionais.
Como enfrentar esse Moloch poderosíssimo?
Uma coisa é certa: não será – eis a lição da História – mediante mais um acordo de cúpula, uma negociação (abertura para as negociatas) de cima para baixo alimentada pela ilusão da conciliação de classe quando mais estão aguçadas as contradições de interesse entre o trabalho e o capital, entre a produção e o rentismo, entre o desenvolvimento e a especulação, entre a ascensão dos despossuídos e a concentração de renda, entre o interesse nacional e as exigências de um sistema internacional desesperado por alternativas de realização de lucros.
O enfrentamento será possível na medida em que a campanha eleitoral se desenvolva politicamente mirando o aqui e agora mas vendo o futuro, com menos personalismo e mais proposição programática, mantendo mobilizadas as massas em torno da restauração dos direitos suprimidos pela sanha patronal, ponto de partida para novas conquistas.
Todo governo é também um projeto pedagógico.
***
O panorama sugerido para a sucessão presidencial deste outubro, dizem os intérpretes das sucessivas sondagens de intenção de voto, sugere, ao lado da consolidação da candidatura de extrema-direita (o fato novo dessas eleições), o avanço da resistência democrática, pois assim traduzo o crescimento das candidaturas de Fernando Haddad e Ciro Gomes, indicador de um segundo turno plebiscitário entre democracia e fascismo, com anunciada tendência de derrota (é ainda a voz das pesquisas) do atraso, da xenofobia, do totalitarismo e da revivescência de um militarismo que supúnhamos ao menos contido nos limites da legalidade.
Essa leitura, ainda que prazerosamente correta, não encerra, porém, a verdade toda, porque o processo político em curso não se reduz ao pronunciamento eleitoral, ainda quando prometidamente favorável, como nos lembram os desdobramentos das eleições de 2014, dos quais, aliás, ainda não nos vimos livres.
Mais ainda, o processo político e a luta que nele se trava anunciam uma guerra prolongada para a qual as grandes massas precisam estar alertadas, prevenidas e apetrechadas ideologicamente, superando, no plano da ação, as deficiências expostas na luta contra o golpe e na defesa de Lula – ao final processado, condenado, encarcerado e, finalmente, afastado da disputa presidencial. Sua exclusão, nas condições conhecidas, ademais de violência contra seus direitos e a ordem constitucional, implicou o exílio de 40% do eleitorado brasileiro, pois era a quanto montavam os brasileiros que anunciavam o voto no ex-presidente.
O maior de todos os desafios à frente das forças democráticas, doravante mais do que nunca, é a organização de base, mas, ao fim e ao cabo, tratar-se-á, ainda, o projeto organizacional, de desafio político que dificilmente será enfrentado com eficiência se às lideranças políticas faltar clareza sobre o caráter da luta.
Desconfio, porém, que essa dificuldade de interpretar o processo social, evidente desde pelo menos os idos de 2013, são persistentes entre os principais quadros partidários da esquerda brasileira. Tragédia sobre tragédia será a suposição de que o eventual e desejadíssimo sucesso eleitoral implique a superação da crise política.
O pleito deste 2018, visto de per si, nada obstante sua importância no quadro geral da luta estratégica, constituirá tão somente o ponto de partida sem o qual as forças democráticas não terão condições de enfrentar o projeto autoritário. Em síntese: vencê-lo representará importante vitória tática em largo processo estratégico que recomenda a revisão dos projetos, táticas e alianças dos governos de centro-esquerda, de especial o projeto eleitoral de 2014 e o governo que dele emergiu, natimorto.
Essa discussão permanece em aberto.
Do processo político em curso as direções políticas precisam ter consciência e clareza, esmiuçando suas entranhas; esse processo carece de ser discutido com todas as forças do movimento social, ou seja, precisa ser objeto da avaliação crítica coletiva. É preciso abrir a discussão para além das limitações partidárias do campo das atuais esquerdas brasileiras.
O primeiro turno deve ser buscado como passaporte indeclinável – pois sem a ultrapassagem dessa etapa não haverá o passo seguinte – para a disputa eleitoral decisiva, quando o candidato das forças democráticas, representando e defendendo um projeto diferenciado, precisará de uma vitória em tal ordem de votos que os simples números em sua nudez possam ser lidos como claro e contundente veto popular às ameaças golpistas e reacionárias presentes. Esse grito será, ao mesmo tempo, clara e calorosa exigência de retomada do projeto de democracia social, se as poderosas forças antagônicas virem nessa manifestação um vigoroso dictatum das grandes massas.
Para cumprir esse papel, fundamental, todavia, o pronunciamento eleitoral precisará significar o referendo popular às teses que os candidatos do campo progressista precisam desenvolver e discutir com todos os rr e ss. Ao fim e ao cabo, as circunstâncias que exigem o pedido do voto são as mesmas que exigem o convencimento político como seu condicionante.
E, amanhã, um governo coerente com o discurso de campanha.
Se os números são necessários e insubstituíveis, não são ainda suficientes, pois o salto qualitativo dependerá do apoio das multidões no pós-eleitoral (aquele que nos faltou em 2015), assegurando a posse e, a partir daí, a governança, mas não qualquer governança, e sim aquela que assegure a consolidação democrática, a desmontagem do legado antinacional e antipopular do governo perjuro, e a realização das reformas realmente estruturais que abram caminho para o desenvolvimento com distribuição de renda e, seu corolário, a justiça social.
Mas a tarefa ainda não estará conclusa pois restará o enfrentamento ideológico da emergência do pensamento fascista que hoje em um pleito presidencial pode representar o apoio em algo superior a um terço do eleitorado brasileiro e cujas teses – apresentadas sem rebuços, inegavelmente –, tem respaldo e eco junto a significativos contingentes da população brasileira, falando mesmo ao coração das camadas periféricas, aos mais pobres e mesmo aos mais discriminados, cujo protesto e justa sede de reparação não encontrou no discurso da esquerda e dos democratas o adequado canal de expressão.
O voto nulo, ou o voto em Cacareco, é, hoje, o voto na opção totalitária. Em qualquer hipótese irresponsável.
Um governo com tais características e tal compromisso – e outro não nos anima – enfrentará a revivescência da saturnal dos ódios, a sabotagem da banca e a intolerância geral de um empresariado viciado no rentismo, a hostilidade de um Congresso controlado por oligarquias de toda ordem, forças armadas reacionárias e pouco afeitas aos limites da ordem constitucional e da disciplina, um poder judiciário judicante, operando segundo os interesses da classe dominante, uma imprensa política e ideologicamente monopolizada pelos interesses do andar de cima, alienada dos interesses nacionais.
Como enfrentar esse Moloch poderosíssimo?
Uma coisa é certa: não será – eis a lição da História – mediante mais um acordo de cúpula, uma negociação (abertura para as negociatas) de cima para baixo alimentada pela ilusão da conciliação de classe quando mais estão aguçadas as contradições de interesse entre o trabalho e o capital, entre a produção e o rentismo, entre o desenvolvimento e a especulação, entre a ascensão dos despossuídos e a concentração de renda, entre o interesse nacional e as exigências de um sistema internacional desesperado por alternativas de realização de lucros.
O enfrentamento será possível na medida em que a campanha eleitoral se desenvolva politicamente mirando o aqui e agora mas vendo o futuro, com menos personalismo e mais proposição programática, mantendo mobilizadas as massas em torno da restauração dos direitos suprimidos pela sanha patronal, ponto de partida para novas conquistas.
Todo governo é também um projeto pedagógico.
***
O STF e a traição à democracia – Após impedir a candidatura do ex-presidente Lula, o STF dá mais um passo – e outros podem ser esperados – na sua continuada traição aos fundamentos da soberania popular. Assim, em decisão de poucos dias passados, afastou do pleito de outubro 3,4 milhões de eleitores, cujos títulos foram cancelados porque seus titulares não compareceram à revisão ou ao cadastramento biométrico. Depois de afastar do pleito seu principal concorrente, o Supremo, corre para impedir que parte do eleitorado do ex-presidente exerça o direito de votar: não por coincidência, as inscrições canceladas estão concentradas nas regiões Norte e Nordeste. A Bahia, reduto eleitoral do PT, é o Estado com maior número de títulos cancelados, cerca de 587 mil (Estadão, 27/9/18, p A11). Para que o leitor tenha ideia dessa violência, lembremos – e o plenário do STF foi advertido pelo ministro Ricardo Lewandowski – que o segundo turno de 2014 entre Aécio Neves e Dilma Rousseff foi decidido por 3,5 milhões de votos… (2) Preso desde abril, o ex-presidente da República e dirigente partidário, não logrou obter de seus juízes-carcereiros o direito a dar uma entrevista à imprensa. Informa o Valor (edição de 27.9.2018), porém, que o esfaqueador do capitão ‘não precisou de72 horas para conseguir a autorização que lhe permitirá dar não apenas uma, mas duas entrevistas”.
As eleições não estão definidas - O locutor do telejornal TVNews, anuncia, como bordão, que as eleições não estão definidas, pois ‘muita coisa ainda pode ocorrer’. É verdade. Mas além do imponderável, o perigo está no que pode ser provável. Lembremos: o empresário Abílio Diniz foi sequestrado no dia 11 de dezembro de 1989 mas só foi revelado após sua libertação, no dia 16 de dezembro, véspera do segundo turno das eleições disputadas por Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Collor. A mídia da época suscitou o envolvimento do PT na ação de sequestro, usando ‘fontes da polícia’. Após a vitória de Collor, as acusações foram desmentidas.
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