domingo, 21 de outubro de 2018

A guerra nada santa de Edir Macedo

Por Fred Melo Paiva, na revista CartaCapital:

Na terça-feira, 16, o internauta que acessou o portal de “jornalismo” R7 viu-se diante de quatro chamadas a respeito das eleições. “TSE remove inserção de Haddad com informação falsa sobre Bolsonaro”, coitado, uma vítima das notícias falsas.

“Fila para exames de saúde cresceu 63% na gestão Haddad em São Paulo”, anunciava uma segunda “reportagem”, comparando períodos de quase pleno emprego a outro de crise severa, em que pelo menos 3 milhões abandonaram os planos privados de saúde.

Ao lado do texto, uma foto do candidato com cara de pateta e um link para os números da pesquisa eleitoral que dão vitória a Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial. Não bastasse emburacar a saúde, o R7 apontava também para outras cavidades: “Falta de limpeza nas vias e buracos marcam gestão de Haddad em São Paulo”.

Como o “jornalismo” imparcial busca equilibrar o espaço dedicado às candidaturas, não poderia faltar a chamada sobre o concorrente: “Jair Bolsonaro fala em criar 10 milhões de empregos em quatro anos de governo”. Ufa!

O portal R7 faz parte do Grupo Record, de propriedade de Edir Macedo, fundador e líder da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). No fim do mês passado, questionado por um seguidor no Facebook, Edir Macedo declarou voto em Bolsonaro.

No dia seguinte, culto da Iurd em Brasília mostrou no telão o “kit gay”, banido pelo TSE, antes tarde do que nunca, como fake news contra Fernando Haddad. Nas quatro últimas eleições para presidente, o bispo da Universal apoiou Lula e Dilma.

O PRB, partido ligado à sua igreja, esteve na base de ambos os governos. Pulou fora para ajudar a operar o golpe de 2016 e comanda hoje o Ministério da Indústria de Michel Temer. “Edir se vinculou a Lula, do que se arrepende, esperando que ele fosse ferrar a Globo”, diz uma fonte do alto escalão da TV Record. “Como isso não aconteceu, ele se alinha agora a Bolsonaro com esse mesmo objetivo.”

“Ferrar a Globo” é estratégico para Edir Macedo em ambas as frentes, a igreja e as comunicações. Para a Iurd, significa retirar poder do que ele considera o grande megafone propagador da fé católica no Brasil.

Para o Grupo Record, formado principalmente por TV Record, Record News e R7, seria a chance do pulo do gato – quebrar a hegemonia que já perdura por quase 50 anos, subvencionada desde sempre pela parte mais polpuda do bolo publicitário do governo federal, o maior anunciante do País (só nos governos Lula e Dilma, 6,2 bilhões de reais foram pagos à Globo por anúncios veiculados em sua rede, contra 2 bilhões para a Record, 1,6 bilhão para o SBT e 1 bilhão para a Band).

“A guerra entre as duas emissoras vai atingir agora um novo patamar, que é o da produção fora do ambiente tradicional da tevê aberta”, diz a fonte ouvida por CartaCapital. Lançado há dois meses, o Play Plus, da Record, concorre com o Globo Play na oferta de serviço de streaming e vídeo sob demanda, ambas nos moldes tecnológicos de uma Netflix, considerada por especialistas como o futuro da televisão. “A aliança com Bolsonaro pode ser uma forma, num futuro próximo, de torpedear o Globo Play.”

“Continuem fazendo o trabalho sujo de vocês, quem sabe consigam emplacar o Lula em 2018. Vocês vão ficar felizes quando todos estiverem escrevendo para o jornal Granma, aquele jornaleco de Cuba que não serve nem para colocar na privada”, disse Bolsonaro a um repórter da Globo em dezembro do ano passado, sugerindo crer na teoria de hospício segundo a qual a emissora é comunista, assim como o nazismo, a Ku Klux Klan, a revista The Economist, o economista liberal Francis Fukuyama, entre outros menos insuspeitos.

“Vocês têm uma audiência de 40%, mas pegam 80% da propaganda oficial do governo”, chutou o candidato. “Se eu chegar lá, vou fazer justiça, vão perder metade disso.” Com faturamento na casa dos 15 bilhões de reais em 2017 (o lucro foi de 1,7 bilhão), a Globo é a única emissora de televisão a não depender de tal verba para fechar no azul.

Ainda assim, parece cair-lhe como luva a carapuça costurada por Guilherme Boulos em entrevista a CartaCapital na semana passada: “Tem muita gente que ajudou a soltar pit bulls, mas já começa a ser mordido na canela”.

Em dado momento da campanha, a Globo deu sinais de abraçar o coiso, com quem esteve reunido um João Roberto Marinho a mostrar-lhe fotos de papai. Quando da pífia cobertura do megaprotesto das Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, a emissora esqueceu os helicópteros na garagem.

Em compensação, alçou voo, no mesmo dia, na aeronave que levou o candidato do PSL de São Paulo ao Rio de Janeiro depois de ter alta do Hospital Albert Einstein, onde se recuperou da facada de Adélio.

À noite, no Jornal Nacional, a entrevista exclusiva com o Bozo voador teve mais do que o dobro do espaço dedicado à marcha das mulheres. Sem a merecida cobertura do “jornalismo”, grassaram as fake news sobre o evento.

A partir dali, o capetão, digo, o capitão dispararia irreversivelmente nas pesquisas de intenção de votos. Tampouco a Globo repercutiu como poderia a capa de Veja (comunista) sobre o imbróglio entre Bolsonaro e sua ex-mulher, ajudando a fazer morrer uma história que contém ameaças de morte e ocultação de patrimônio.

Por outro lado, reviveu com Moro a dobradinha Pelé e Coutinho quando o juiz liberou trechos da delação fajuta de Antonio Palocci, dinamitando Dilma e Lula às portas do primeiro turno.

Dava-se esse auspicioso início de namoro quando o gato subiu no telhado e se atracou repentinamente com o bispo. Ausente no debate promovido pela Globo – “de atestado”, dizem as boas línguas –, deu entrevista exclusiva para a Record no mesmo horário do confronto global.

“A partir daí acendeu a luz amarela”, diz um importante personagem do primeiro time do jornalismo da Globo. Desde então, entre Mervais estranhamente equilibrados brotam madalenas arrependidas, como a versão em retrofit de Míriam Leitão, defensora, agora, de que o PT, nascido e crescido na democracia, não é extremo que se equivalha ao projeto autoritário parido, entre outros, pelo “jornalismo” da casa.

“Nas redações, os jornalistas estão magoados e apreensivos com a eleição de Bolsonaro. Por lá, mesmo o antipetismo não se traduz em voto para o candidato”, conta o profissional ouvido em sigilo por CartaCapital. “Se eu fosse assessor do Bolsonaro, diria a ele para buscar alguma composição com a Globo tão logo seja eleito: ‘Olha, você vai precisar deles’.”

Em 2017, a Record lucrou “apenas” pouco mais de 200 milhões de reais. O incremento nos ganhos com a publicidade oficial cairia do céu – de onde têm origem também, segundo um pesquisador especializado em televisão, “os 600 milhões de reais que a Iurd injeta mensalmente na emissora através do dízimo da Universal, convertido em compra ‘superfaturada’ dos horários utilizados por pastores evangélicos durante a madrugada”.

Conforme a fonte, o dinheiro vindo da Iurd tem decrescido nos últimos anos, fruto do desemprego que muitas vezes impede a oferta dos fiéis, candidatos assim a uma vaga no inferno.

Para Edir Macedo, colocar-se contra Fernando Haddad é um prazer pessoal que remete à construção do Templo de Salomão na capital paulista. O prédio, misto de templo religioso, quartel-general dos negócios da Iurd e do Grupo Record, além de residência oficial do bispo, foi interditado pela prefeitura de Haddad.

Sem alvará de construção, cogitou-se a demolição. Na época, Edir Macedo era aliado do PT e seu sobrinho Marcelo Crivella, hoje prefeito do Rio, era ministro da Pesca no governo Dilma. Em exitosa operação de panos quentes, inaugurou-se o templo.

Sem o aval sequer dos bombeiros, mas com a presença de Dilma, Temer, Alckmin e o próprio Haddad. Por outro lado, “Edir e Bolsonaro comungam de posições morais conservadoras, têm as mesmas ideias sobre homossexualismo, por exemplo”, diz o alto funcionário da Record. “Além da identificação de ambos com Israel.”

“A Globo sempre tem um gay em suas novelas, sua dramaturgia é bastante liberal em termos de comportamento”, diz o ex-crítico de televisão Ricardo Valladares, um estudioso da tevê e autor da extensa biografia de Silvio Santos a ser lançada em breve pela Companhia das Letras.

“Se Bolsonaro for eleito, a onda moralista pode causar problemas à emissora através de notícias falsas ou campanhas por WhatsApp. Como aconteceu recentemente na estreia do programa Amor & Sexo, quando um boicote fez a audiência desabar.” Se cair a audiência, diz Valladares, o pit bull pode alcançar bem mais do que a canela dos Marinho. Nós nos livraríamos de um para cair no colo do outro. É um triste país.

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