Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
Após a restauração da democracia na América Latina, só houve caso semelhante na Bolívia, em 1997, quando o general Hugo Banzer, ditador entre 1971 e 1978, voltou ao poder pelas urnas. Em 1971, o então coronel Banzer havia encabeçado a quartelada que originou uma das ditaduras mais sangrentas da região, vitimando sobretudo indígenas, mas que foi apenas um dos quatro golpes que o país sofreu entre 1964 e 1982 – o penúltimo deles arrancou do poder o próprio Banzer.
Fora do governo, o general tirou a farda e continuou na política. Tentou cinco vezes voltar ao poder pelas urnas, até conseguir, na sexta tentativa. Foi um feito inédito: um ex-ditador sul-americano reassumia a presidência da República pelas mãos do povo. Estimulado pelo governo dos Estados Unidos, sua principal marca foi a destruição de plantações de coca, o que resultou em protestos dos camponeses liderados por um sindicalista aymara, um tal Evo Morales.
Fora do governo, o general tirou a farda e continuou na política. Tentou cinco vezes voltar ao poder pelas urnas, até conseguir, na sexta tentativa. Foi um feito inédito: um ex-ditador sul-americano reassumia a presidência da República pelas mãos do povo. Estimulado pelo governo dos Estados Unidos, sua principal marca foi a destruição de plantações de coca, o que resultou em protestos dos camponeses liderados por um sindicalista aymara, um tal Evo Morales.
Ao mesmo tempo, a maior promessa de campanha de Banzer, erradicar a pobreza, não foi cumprida, e os protestos sociais que explodiram em decorrência da insatisfação popular também com o projeto de privatizar a água do país, levaram à versão “democrata” de Banzer sucumbir e mostrar seus caninos, decretando Estado de sítio em 2000. A pobreza afetava 7 em cada 10 bolivianos.
Mas Hugo Banzer rejeitava a figura do ditador que foi, se envergonhava dela, não a enaltecia. Queria para si a imagem do estadista “democrata”, legitimado pelas urnas. Tanto é que, ao renunciar ao cargo, em 2001, após descobrir que era vítima de um câncer incurável, chegou a esboçar um pedido de perdão à nação pelos “excessos” cometidos em sua primeira passagem pelo cargo, como a matança de Cochabamba, em 1974, quando pelo menos 80 camponeses foram metralhados por fechar as estradas em protesto contra o aumento da cesta básica.
“A eles, meus adversários políticos, os de ontem e os de hoje, a quem se sentiu prejudicado, aos que talvez prejudiquei sem a intenção de fazê-lo, lhe ofereço novamente a minha mão estendida neste momento supremo para mim”, disse. Morreu sem pagar pelos seus crimes.
Bolsonaro é diferente. Ele encarna algo que parecia existir apenas entre lunáticos: a nostalgia da ditadura. A rigor, se o Brasil eleger, no dia 28, o ex-capitão como presidente, será o primeiro país da América do Sul a escolher o caminho da ditadura militar por conta própria. Ao contrário de 1964, ninguém está forçando ninguém; é o povo que está escolhendo (salvo alguma reviravolta de última hora) dar o poder aos militares novamente. Bolsonaro e os que o cercam não se envergonham, como seu similar boliviano, da tortura, da censura, da perseguição, da repressão ou dos assassinatos de opositores. Eles se orgulham disso.
Aquela meia dúzia de panacas com faixas de “intervenção militar” nos protestos contra Dilma se multiplicou em milhões, sob o beneplácito de setores da mídia comercial e dos pretensos “defensores da democracia” da direita liberal. Esta, aliás, se mostrou minúscula em tamanho e caráter. Exatamente como em 1964, lavam as mãos para depois se dizerem “vítimas” do regime.
Por que eu chamo uma possível administração Bolsonaro de “ditadura”? Ora, o candidato do PSL já deu sinais de que o seu não será um governo civil e sim militar: se eleito, o capitão pretende colocar generais em vários cargos importantes, como o ministério da Educação, dos Transportes e da Segurança Pública, sem contar o general Mourão, que deverá assumir alguma pasta além da vice-presidência. Os baixos escalões também devem ganhar seus milicos.
Quem, em sã consciência, acredita que os militares, capitaneados por um defensor declarado da tortura de seres humanos, se comportarão diferente desta vez? Que não perseguirão opositores, que não censurarão os meios de comunicação, que não impedirão protestos a bala, que não colocarão partidos de esquerda na clandestinidade? O próprio filho do candidato, o deputado Eduardo Bolsonaro, já tem um projeto de lei na Câmara neste sentido. E quem acredita que eles, uma vez aboletados no poder, largarão o osso após quatro anos? Eu duvido.
A esta altura, é preciso que o país assuma de vez: com Bolsonaro no poder, as Forças Armadas voltarão a mandar, a dar as ordens por aqui. E por decisão popular. Quem está votando em Bolsonaro está assinando embaixo de tudo que ele defende: que a ditadura foi boa, que as torturas e os assassinatos se justificaram, que o país era “melhor” com os militares mandando. Um governo Jair Bolsonaro seria a versão 2.0 da ditadura militar, ou “movimento”, como disse o presidente do STF, Dias Tóffoli. Ditadura abençoada pelas urnas, graças à manipulação da opinião pública via fake news. Para quê mobilizar tropas reais se existem as virtuais?
Se isso realmente se confirmar daqui a duas semanas, o Brasil perderá o status de nação “exótica” e entrará para o clube dos países francamente bizarros do planeta, ao lado da Coreia do Norte de Kim Jong-Un ou das Filipinas de Rodrigo Duterte. O que virá a partir daí é uma novela que já conhecemos.
Mas Hugo Banzer rejeitava a figura do ditador que foi, se envergonhava dela, não a enaltecia. Queria para si a imagem do estadista “democrata”, legitimado pelas urnas. Tanto é que, ao renunciar ao cargo, em 2001, após descobrir que era vítima de um câncer incurável, chegou a esboçar um pedido de perdão à nação pelos “excessos” cometidos em sua primeira passagem pelo cargo, como a matança de Cochabamba, em 1974, quando pelo menos 80 camponeses foram metralhados por fechar as estradas em protesto contra o aumento da cesta básica.
“A eles, meus adversários políticos, os de ontem e os de hoje, a quem se sentiu prejudicado, aos que talvez prejudiquei sem a intenção de fazê-lo, lhe ofereço novamente a minha mão estendida neste momento supremo para mim”, disse. Morreu sem pagar pelos seus crimes.
Bolsonaro é diferente. Ele encarna algo que parecia existir apenas entre lunáticos: a nostalgia da ditadura. A rigor, se o Brasil eleger, no dia 28, o ex-capitão como presidente, será o primeiro país da América do Sul a escolher o caminho da ditadura militar por conta própria. Ao contrário de 1964, ninguém está forçando ninguém; é o povo que está escolhendo (salvo alguma reviravolta de última hora) dar o poder aos militares novamente. Bolsonaro e os que o cercam não se envergonham, como seu similar boliviano, da tortura, da censura, da perseguição, da repressão ou dos assassinatos de opositores. Eles se orgulham disso.
Aquela meia dúzia de panacas com faixas de “intervenção militar” nos protestos contra Dilma se multiplicou em milhões, sob o beneplácito de setores da mídia comercial e dos pretensos “defensores da democracia” da direita liberal. Esta, aliás, se mostrou minúscula em tamanho e caráter. Exatamente como em 1964, lavam as mãos para depois se dizerem “vítimas” do regime.
Por que eu chamo uma possível administração Bolsonaro de “ditadura”? Ora, o candidato do PSL já deu sinais de que o seu não será um governo civil e sim militar: se eleito, o capitão pretende colocar generais em vários cargos importantes, como o ministério da Educação, dos Transportes e da Segurança Pública, sem contar o general Mourão, que deverá assumir alguma pasta além da vice-presidência. Os baixos escalões também devem ganhar seus milicos.
Quem, em sã consciência, acredita que os militares, capitaneados por um defensor declarado da tortura de seres humanos, se comportarão diferente desta vez? Que não perseguirão opositores, que não censurarão os meios de comunicação, que não impedirão protestos a bala, que não colocarão partidos de esquerda na clandestinidade? O próprio filho do candidato, o deputado Eduardo Bolsonaro, já tem um projeto de lei na Câmara neste sentido. E quem acredita que eles, uma vez aboletados no poder, largarão o osso após quatro anos? Eu duvido.
A esta altura, é preciso que o país assuma de vez: com Bolsonaro no poder, as Forças Armadas voltarão a mandar, a dar as ordens por aqui. E por decisão popular. Quem está votando em Bolsonaro está assinando embaixo de tudo que ele defende: que a ditadura foi boa, que as torturas e os assassinatos se justificaram, que o país era “melhor” com os militares mandando. Um governo Jair Bolsonaro seria a versão 2.0 da ditadura militar, ou “movimento”, como disse o presidente do STF, Dias Tóffoli. Ditadura abençoada pelas urnas, graças à manipulação da opinião pública via fake news. Para quê mobilizar tropas reais se existem as virtuais?
Se isso realmente se confirmar daqui a duas semanas, o Brasil perderá o status de nação “exótica” e entrará para o clube dos países francamente bizarros do planeta, ao lado da Coreia do Norte de Kim Jong-Un ou das Filipinas de Rodrigo Duterte. O que virá a partir daí é uma novela que já conhecemos.
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