Por Roberto Amaral, em seu blog:
Meu caro Fernando,
A preservação da liderança de Lula é fundamental para o movimento de massas no Brasil (e não ignoramos sua influência em todo o continente), e sua liberdade, pedida nas ruas e reclamada nos tribunais, é objetivo do qual não podemos nos arredar — mas não encerra a luta toda. Da mesma forma, a preservação do PT, e mesmo seu fortalecimento, embora importantes, não podem ser o único objetivo das forças progressistas neste pleito inconcluso mas já em estágio avançado, nos termos conhecidos.
O que podia ter sido feito, foi feito, certa ou erradamente
Há algo mais importante a unir-nos e a cobrar nossa luta: a defesa da democracia, ameaçada como jamais esteve entre nós, desde 1964.
Sua eleição — sem a qual as condições de luta e preservação da democracia tornar-se-ão precárias – não se encerra na meta eleitoral do dia 28, porque, desde já, devemos enfrentar o Brasil desenhado pelas eleições do último dia 7, a saber, uma grave inclinação do eleitorado para a extrema-direita, facilmente mensurável no antipetismo (e em suas consequências eleitorais), em nossas derrotas estaduais e na composição do novo Congresso, cujo abastardamento, legitimado pelo voto, venceu as mais pessimistas previsões. E será com ele que haveremos de governar a partir de 2019.
E governaremos se ganharmos no pleito e, em termos decisivos, na disputa política, a única que possibilitará o apoio popular que nos faltou principalmente nos idos de 2015 e 2016.
Essas observações me ocorreram ao assistir ao seu primeiro pronunciamento público, logo após o anúncio de nossa (acentuo o plural) passagem para o segundo turno. Refiro-me mais precisamente àquele ponto inicial quando você agradecia a generosidade do povo brasileiro que teria votado em você, para poder recolocar o PT no poder.
Do meu ponto de vista há um engano de percepção nesse discurso, e esse engano, que, aliás, perpassou toda a campanha do primeiro turno, pode ser perigoso nesta fase decisiva, pois, se errarmos, a História não nos oferecerá a oportunidade do sursis.
Se você contou com o voto da aguerrida (e sofrida) militância petista, contou também com o voto de milhões de brasileiros, filiados a outros partidos ou a nenhum partido filiados, meu caso. E votamos em você com a mesma convicção cívica com que teríamos votado em Ciro ou em Boulos – porque sua candidatura representava, e felizmente os fatos confirmaram nossa leitura do processo, a única possibilidade eleitoral de impedir a vitória da extrema-direita.
Você agora é o representante de todos nós, e vencerá, se conseguir ser, mais do que o candidato do PT, o candidato de todos, de petistas e não petistas, de socialistas e trabalhistas, de comunistas e de conservadores preocupados com o destino da democracia, enfim, o candidato das forças populares e democráticas, de todas elas, liderando uma frente partidária e popular a mais ampla possível. Só assim, caro Fernando, você terá condições de, nas eleições, fazer face à maré montante da ameaça protofascista, que, no voto, desalojou o centro e a direita tradicional e avançou no eleitorado popular e de esquerda.
Você sabe que não é irrelevante havermos perdido as eleições em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, nossas três maiores aglomerações urbanas e território de nosso parque industrial, ou seja, moradia mais numerosa de nosso proletariado.
Não é menos relevante a onda antipetista, muito responsável pelos números desagradáveis do pleito. É preciso decifrar essa esfinge antes que ela nos devore.
Desculpe a franqueza de amigo e admirador: você precisa estar à altura desse desafio, maior do que aquele vencido por Lula em 2002!
Naquele então travava-se uma disputa entre o neoliberalismo esgotado e a expectativa (por nós representada) de desenvolvimento com emergência das massas. Era muito, nas circunstâncias, mas hoje o desafio sob sua liderança é ainda maior, pois se trata da disjuntiva democracia ou barbárie, e se perdemos quem vai pagar a conta é o povo, que sempre paga, quando se vê submetido ao jugo da extrema direita.
Trocando em miúdos e conversando com a nossa franqueza habitual, insisto no ponto central dessas observações: você, sem deixar de ser o candidato do PT, precisa ser visto como o candidato de todos os democratas e falar para todos, não apenas para a militância do PT e dos demais partidos e organizações de esquerda.
Como você sabe muito bem, o indivíduo não escolhe arbitrariamente seu papel na História; este lhe é ditado pelas circunstâncias do processo social. Por mil e uma razões que não interessa, aqui, discutir, coube-lhe a missão de construir e comandar uma grande frente democrático-popular reunindo, de a a z, todos os que lutam pela democracia.
Defendê-la é nosso papel histórico.
Você é mais do que um candidato do PT e do PCdoB. É o candidato de todos os que estiveram conosco na virada eleitoral de 1974 e formaram conosco na grande frente das Diretas-já e na implosão do colégio eleitoral (1984) com a eleição de Tancredo Neves e a derrota de Paulo Maluf, o candidato da ditadura .
Creia, não estou exagerado quando trago à lembrança esses fatos (campanha das Diretas-já e implosão do colégio eleitoral), filiando-os a uma mesma linha histórica, da qual o processo de hoje é sua retomada. Naquela altura tratava-se de derrubar uma ditadura, agora trata-se de impedir que uma outra se instale, e desta vez (o que faltou aos militares) com o respaldo do voto popular, assim como foram, com as consequências conhecidas, as ascensões de Mussolini e Hitler, na Itália e na Alemanha da primeira metade do século passado.
É impossível ampliar se não caminharmos para além de nosso arco. Ele é grande, nossa militância é de primeira linha, mas, estão aí os números, os votos petistas, lulistas e assemelhados não são suficientes para a vitória.
O entusiasmo da militância é fundamental, mas será inócuo se não soubermos colocá-lo a serviço de uma estratégia correta.
O companheiro Lula, que defendeu a política de alianças e foi eleito em 2002 e reeleito em 2006 graças a essa política, deve ser chamado por você para ajuda-lo e ajudar todos os democratas nessa grande campanha que deve ser a sua vida por todo este mês quando você, com um discurso renovado pelos fatos, unirá o país contra o ódio. Em suas mãos está a confiança dos que lutam contra a real ameaça de implantação de uma ditadura e consequente consolidação do monopólio do poder pela extrema direita civil-militar, assim fechando o círculo golpista iniciado com a deposição de Dilma Rousseff.
Não se veja o avanço da direta como uma simples onda, a onda da ‘primavera brasileira’, mas um movimento tectônico, que, se não contido, e para conte-lo precisamos ganhar essas eleições – e não a ganharemos sozinhos -, pode nos ameaçar com sua perdurância, como por tantos anos sobreviveram, fazendo nosso povo sofrer, o Estado Novo e a ditadura instaurada pelos militares em 1964.
Tudo o que aqui alinhavo numa carta escrita às pressas, pois espero que ela o alcance antes de sua viagem a Curitiba, importa uma revisão do discurso (latu senso) da campanha. Não podemos pôr de lado nossas teses, acadêmicas ou programáticas, mas igualmente não podemos fazer ouvidos de mercador às reais angústias e pleitos das grandes massas que pretendemos representar, e cujos interesses sem dúvida defendemos como princípio de vida.
Relativizando a importância do discurso sobre o que foi feito nos nossos governos, precisamos falar sobre o que faremos e o que impediremos que se faça. E temos muito o que dizer.
Um abraço de seu amigo e eleitor, Roberto Amaral
Meu caro Fernando,
A preservação da liderança de Lula é fundamental para o movimento de massas no Brasil (e não ignoramos sua influência em todo o continente), e sua liberdade, pedida nas ruas e reclamada nos tribunais, é objetivo do qual não podemos nos arredar — mas não encerra a luta toda. Da mesma forma, a preservação do PT, e mesmo seu fortalecimento, embora importantes, não podem ser o único objetivo das forças progressistas neste pleito inconcluso mas já em estágio avançado, nos termos conhecidos.
O que podia ter sido feito, foi feito, certa ou erradamente
Há algo mais importante a unir-nos e a cobrar nossa luta: a defesa da democracia, ameaçada como jamais esteve entre nós, desde 1964.
Sua eleição — sem a qual as condições de luta e preservação da democracia tornar-se-ão precárias – não se encerra na meta eleitoral do dia 28, porque, desde já, devemos enfrentar o Brasil desenhado pelas eleições do último dia 7, a saber, uma grave inclinação do eleitorado para a extrema-direita, facilmente mensurável no antipetismo (e em suas consequências eleitorais), em nossas derrotas estaduais e na composição do novo Congresso, cujo abastardamento, legitimado pelo voto, venceu as mais pessimistas previsões. E será com ele que haveremos de governar a partir de 2019.
E governaremos se ganharmos no pleito e, em termos decisivos, na disputa política, a única que possibilitará o apoio popular que nos faltou principalmente nos idos de 2015 e 2016.
Essas observações me ocorreram ao assistir ao seu primeiro pronunciamento público, logo após o anúncio de nossa (acentuo o plural) passagem para o segundo turno. Refiro-me mais precisamente àquele ponto inicial quando você agradecia a generosidade do povo brasileiro que teria votado em você, para poder recolocar o PT no poder.
Do meu ponto de vista há um engano de percepção nesse discurso, e esse engano, que, aliás, perpassou toda a campanha do primeiro turno, pode ser perigoso nesta fase decisiva, pois, se errarmos, a História não nos oferecerá a oportunidade do sursis.
Se você contou com o voto da aguerrida (e sofrida) militância petista, contou também com o voto de milhões de brasileiros, filiados a outros partidos ou a nenhum partido filiados, meu caso. E votamos em você com a mesma convicção cívica com que teríamos votado em Ciro ou em Boulos – porque sua candidatura representava, e felizmente os fatos confirmaram nossa leitura do processo, a única possibilidade eleitoral de impedir a vitória da extrema-direita.
Você agora é o representante de todos nós, e vencerá, se conseguir ser, mais do que o candidato do PT, o candidato de todos, de petistas e não petistas, de socialistas e trabalhistas, de comunistas e de conservadores preocupados com o destino da democracia, enfim, o candidato das forças populares e democráticas, de todas elas, liderando uma frente partidária e popular a mais ampla possível. Só assim, caro Fernando, você terá condições de, nas eleições, fazer face à maré montante da ameaça protofascista, que, no voto, desalojou o centro e a direita tradicional e avançou no eleitorado popular e de esquerda.
Você sabe que não é irrelevante havermos perdido as eleições em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, nossas três maiores aglomerações urbanas e território de nosso parque industrial, ou seja, moradia mais numerosa de nosso proletariado.
Não é menos relevante a onda antipetista, muito responsável pelos números desagradáveis do pleito. É preciso decifrar essa esfinge antes que ela nos devore.
Desculpe a franqueza de amigo e admirador: você precisa estar à altura desse desafio, maior do que aquele vencido por Lula em 2002!
Naquele então travava-se uma disputa entre o neoliberalismo esgotado e a expectativa (por nós representada) de desenvolvimento com emergência das massas. Era muito, nas circunstâncias, mas hoje o desafio sob sua liderança é ainda maior, pois se trata da disjuntiva democracia ou barbárie, e se perdemos quem vai pagar a conta é o povo, que sempre paga, quando se vê submetido ao jugo da extrema direita.
Trocando em miúdos e conversando com a nossa franqueza habitual, insisto no ponto central dessas observações: você, sem deixar de ser o candidato do PT, precisa ser visto como o candidato de todos os democratas e falar para todos, não apenas para a militância do PT e dos demais partidos e organizações de esquerda.
Como você sabe muito bem, o indivíduo não escolhe arbitrariamente seu papel na História; este lhe é ditado pelas circunstâncias do processo social. Por mil e uma razões que não interessa, aqui, discutir, coube-lhe a missão de construir e comandar uma grande frente democrático-popular reunindo, de a a z, todos os que lutam pela democracia.
Defendê-la é nosso papel histórico.
Você é mais do que um candidato do PT e do PCdoB. É o candidato de todos os que estiveram conosco na virada eleitoral de 1974 e formaram conosco na grande frente das Diretas-já e na implosão do colégio eleitoral (1984) com a eleição de Tancredo Neves e a derrota de Paulo Maluf, o candidato da ditadura .
Creia, não estou exagerado quando trago à lembrança esses fatos (campanha das Diretas-já e implosão do colégio eleitoral), filiando-os a uma mesma linha histórica, da qual o processo de hoje é sua retomada. Naquela altura tratava-se de derrubar uma ditadura, agora trata-se de impedir que uma outra se instale, e desta vez (o que faltou aos militares) com o respaldo do voto popular, assim como foram, com as consequências conhecidas, as ascensões de Mussolini e Hitler, na Itália e na Alemanha da primeira metade do século passado.
É impossível ampliar se não caminharmos para além de nosso arco. Ele é grande, nossa militância é de primeira linha, mas, estão aí os números, os votos petistas, lulistas e assemelhados não são suficientes para a vitória.
O entusiasmo da militância é fundamental, mas será inócuo se não soubermos colocá-lo a serviço de uma estratégia correta.
O companheiro Lula, que defendeu a política de alianças e foi eleito em 2002 e reeleito em 2006 graças a essa política, deve ser chamado por você para ajuda-lo e ajudar todos os democratas nessa grande campanha que deve ser a sua vida por todo este mês quando você, com um discurso renovado pelos fatos, unirá o país contra o ódio. Em suas mãos está a confiança dos que lutam contra a real ameaça de implantação de uma ditadura e consequente consolidação do monopólio do poder pela extrema direita civil-militar, assim fechando o círculo golpista iniciado com a deposição de Dilma Rousseff.
Não se veja o avanço da direta como uma simples onda, a onda da ‘primavera brasileira’, mas um movimento tectônico, que, se não contido, e para conte-lo precisamos ganhar essas eleições – e não a ganharemos sozinhos -, pode nos ameaçar com sua perdurância, como por tantos anos sobreviveram, fazendo nosso povo sofrer, o Estado Novo e a ditadura instaurada pelos militares em 1964.
Tudo o que aqui alinhavo numa carta escrita às pressas, pois espero que ela o alcance antes de sua viagem a Curitiba, importa uma revisão do discurso (latu senso) da campanha. Não podemos pôr de lado nossas teses, acadêmicas ou programáticas, mas igualmente não podemos fazer ouvidos de mercador às reais angústias e pleitos das grandes massas que pretendemos representar, e cujos interesses sem dúvida defendemos como princípio de vida.
Relativizando a importância do discurso sobre o que foi feito nos nossos governos, precisamos falar sobre o que faremos e o que impediremos que se faça. E temos muito o que dizer.
Um abraço de seu amigo e eleitor, Roberto Amaral
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