Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Quando faltam quatro dias para o primeiro turno da eleição presidencial, os principais sinais da campanha apontam para a passagem de Fernando Haddad para a segunda fase da eleição.
Ficando nos grandes números. Se uma decisão em primeiro turno exige de 50% + 1 dos votos válidos, Bolsonaro atingiu 31% das intenções de voto, contra 54% na soma dos adversários.
Seu crescimento nos últimos dias não deve confundir as coisas. A eleição segue em disputa, talvez a mais dramática em tempos recentes. Máquina de chegada, com 24% de aprovação popular, nestas horas o Partido dos Trabalhadores costuma desempenhar um papel decisivo num debate político dada vez mais necessário - e irresistível, do ponto de vista dos interesses da maioria.
Um ponto essencial é mostrar que, por trás da imagem cultivada de "anti-sistema", Bolsonaro é o candidato a dar continuidade ao governo Temer, "só que mais rápido", disse Paulo Guedes à Globonews. Isso quer dizer que irá correr nas privatizações, atacar a Previdência - já tenta um acordo com Temer para fazer isso antes do fim do ano - e cortar investimentos públicos. Também planeja reduzir direitos sociais, bandeira sagrada, como demonstra a insistência do vice Hamilton Mourão em denunciar o 13o. salário, contrariando instruções do próprio Bolsonaro, no clássico esforço de manter as aparências enquanto o eleitor ainda pode mudar de ideia. Pela venda, leilão e doações disfarçadas, a proposta é entregar R$ 2 trilhões ao setor privado.
Como se não bastasse a reforma trabalhista de Temer, que eliminou 80 anos de CLT e que Bolsonaro aprovou com seu voto e pretende manter sem correções nem ajustes, a nova ideia é acabar com a própria carteira de trabalho - a ser substituída por contratos individuais, entre patrões e empregados como se fossem partes iguais, com a mesma força econômica e poder de barganha. Algo comum no universo PJ mas desconhecido entre trabalhadores assalariados, com direitos garantidos coletivamente. O plano de reforma tributária é simples e direto: consiste em elevar o imposto dos pobres e diminuir ainda mais o pouco que é pago pelos ricos, quebrando qualquer possibilidade de que um sistema progressivo possa ajudar a diminuir a desigualdade estrutural do país.
Embora adore apresentar-se em companhia de símbolos nacionais, a começar pela bandeira, Bolsonaro é integrante daquele setor das Forças Armadas para quem o nacionalismo e apego a soberania é um exercício retórico para datas comemorativas. Herança do anti-comunismo primitivo, que levou ao golpe de 64 e em 1965 enviou tropas brasileiras para combater um governo de esquerda na República Dominicana, o anti-petismo dos discursos de Bolsonaro é parte de uma postura de submissão aos grandes interesses estratégicos norte-americanos nascida nos tempos da Guerra Fria. Essa visão, que nada tem de nacionalista, tornou-se hegemônica com ditadura de 64 e nunca foi questionados de verdade.
A grande força política-empresarial de sua campanha não tem raízes no país, mas é uma organização própria das economias globalizadas. É o Millenium, instituto de milionários e bilionários transnacionais que atua nos bastidores da vida brasileira, com patrocínios para influenciar jornalistas e recrutar jovens para a atuação política, inclusive pela oferta de bolsas no exterior. São os estrategistas do Estado Mínimo e operam em escala máxima na campanha presidencial de 2018, quando a prioridade 0 é impedir por todos os meios a vitória de qualquer candidatura envolvida com as necessidades dos trabalhadores e da população explorada.
Um dos mais ativos aliados de Bolsonardo, o empresário Luciano Hang, dono da empresa Havan, gigante do varejo com 112 lojas, cerca de 12.000 funcionários, faturamento de R$ 4,7 bilhões, está sendo processado pelo Ministério Público do Trabalho. Numa empresa que tem como símbolo a Estátua da Liberdade, Luciano Hang é acusado de não respeitar os direitos de seus funcionários e coagir os trabalhadores a votar no candidato do PSL. O argumento empregado é que "se a esquerda ganhar", fechará lojas e demitirá empregados. É escandaloso mas didático, pois permite compreender o tempo histórico no qual o Brasil pode ser conduzido pelos aliados de Bolsonaro.
É preciso voltar ao país tempos da Republica Velha, anterior a Revolução de 1930, para encontrar uma situação semelhante. A elite usava casaca e cartola, a população se amontoava como podia e as greves de trabalhadores eram enfrentadas à bala. Descrevendo as eleições daquele período, uma entidade chamada Coligação Operária de Santos denunciou os esquemas de pressão das empresas sobre trabalhadores durante as eleições.
"Não existe eleitorado livre e independente," registra texto, recuperado pelo historiador Dainis Karepovs no livro "A Classe Operária Vai ao Parlamento ". Ali se diz: "A grande maioria do eleitorado está toda segura e ligada por intermédio dos cabos eleitorais que são ao mesmo tempo os chefes das empresas onde o eleitor trabalha". Descrevendo uma cena habitual, num tempo em que o voto estava longe de ser secreto, mas consumado a vista de todos que estavam por perto, o documento diz que: "à porta de cada seção eleitoral fica um individuo com a lista dos eleitores que votam, assinalando com uma marca à lápis os que votam neste ou naquele partido. " Por esse sistema, "os eleitores sabem perfeitamente" que quem votar contra a orientação da chefia "estará despedido no seguinte".
Boa parte dos aspectos mais nocivos da candidatura Bolsonaro pode manter-se longe do olhar dos eleitores em função de um imprevisto que mudou a campanha eleitoral como um todo.
Vitima de um atentado criminoso, pode manter-se longe de debates entre candidatos que seriam um fator inevitável de contenção, críticas e confrontos a seu crescimento. Passou os últimos dias do primeiro turno em situação mais do que favorável do ponto de vista eleitoral. Pode ficar de mãos livres para reforçar a auto-mistificação que acompanha sua campanha presidencial e sua vida pública há bastante tempo.
Em vez de ser contestado e forçado a dar explicações no ambiente todos-contra-um que marca todo encontro presidencial com a presença de um líder das pesquisas, atendeu jornalistas aliados que disputaram a chance de lhe fazer perguntas de pai para filho. Mesmo de longe, contou com mãos amigas para reforçar o cerco a Haddad nos últimos dias, inclusive num debate no qual incontroláveis ambições pessoais uniram-se no esforço para dificultar os movimentos daquele que, com todas as virtudes e defeitos, já ocupava a condição de único adversário em condição de enfrentar uma candidatura anti-democracia.
Num cenário político construído por Fernando Henrique Cardoso numa Carta a Eleitoras e Eleitores de duas semanas atrás, a campanha segue a dinâmica de uma fantasia ideológica cuja finalidade consiste em rebaixar Haddad, colocando-o no mesmo patamar que Bolsonaro. Desonesta até a medula no que diz respeito ao candidato do PT, cuja moderação chega a ser alvo de mal-estar entre vários aliados, essa versão tenta sustentar a noção de que a eleição se resume a um conflito entre duas candidaturas radicais e extremistas. O efeito prático deste raciocínio é previsível. Nivelando por baixo forças e opções inteiramente desiguais, acaba-se beneficiando o pior, realmente perigoso e ameaçador -- em benefício de Bolsonaro, como vem acontecendo nos últimos dias, num processo que provocou um alerta do empresário Ricardo Semler, em artigo publicado na Folha: "Colegas de elite, acordem. Não se vota com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos, mas talvez queira e possa mostrar, num segundo ciclo, que ainda é melhor do que o Centrão megacorrupto ou uma ditadura autoritária. Foi assim que a Europa inteira se tornou civilizada".
Ficando nos grandes números. Se uma decisão em primeiro turno exige de 50% + 1 dos votos válidos, Bolsonaro atingiu 31% das intenções de voto, contra 54% na soma dos adversários.
Seu crescimento nos últimos dias não deve confundir as coisas. A eleição segue em disputa, talvez a mais dramática em tempos recentes. Máquina de chegada, com 24% de aprovação popular, nestas horas o Partido dos Trabalhadores costuma desempenhar um papel decisivo num debate político dada vez mais necessário - e irresistível, do ponto de vista dos interesses da maioria.
Um ponto essencial é mostrar que, por trás da imagem cultivada de "anti-sistema", Bolsonaro é o candidato a dar continuidade ao governo Temer, "só que mais rápido", disse Paulo Guedes à Globonews. Isso quer dizer que irá correr nas privatizações, atacar a Previdência - já tenta um acordo com Temer para fazer isso antes do fim do ano - e cortar investimentos públicos. Também planeja reduzir direitos sociais, bandeira sagrada, como demonstra a insistência do vice Hamilton Mourão em denunciar o 13o. salário, contrariando instruções do próprio Bolsonaro, no clássico esforço de manter as aparências enquanto o eleitor ainda pode mudar de ideia. Pela venda, leilão e doações disfarçadas, a proposta é entregar R$ 2 trilhões ao setor privado.
Como se não bastasse a reforma trabalhista de Temer, que eliminou 80 anos de CLT e que Bolsonaro aprovou com seu voto e pretende manter sem correções nem ajustes, a nova ideia é acabar com a própria carteira de trabalho - a ser substituída por contratos individuais, entre patrões e empregados como se fossem partes iguais, com a mesma força econômica e poder de barganha. Algo comum no universo PJ mas desconhecido entre trabalhadores assalariados, com direitos garantidos coletivamente. O plano de reforma tributária é simples e direto: consiste em elevar o imposto dos pobres e diminuir ainda mais o pouco que é pago pelos ricos, quebrando qualquer possibilidade de que um sistema progressivo possa ajudar a diminuir a desigualdade estrutural do país.
Embora adore apresentar-se em companhia de símbolos nacionais, a começar pela bandeira, Bolsonaro é integrante daquele setor das Forças Armadas para quem o nacionalismo e apego a soberania é um exercício retórico para datas comemorativas. Herança do anti-comunismo primitivo, que levou ao golpe de 64 e em 1965 enviou tropas brasileiras para combater um governo de esquerda na República Dominicana, o anti-petismo dos discursos de Bolsonaro é parte de uma postura de submissão aos grandes interesses estratégicos norte-americanos nascida nos tempos da Guerra Fria. Essa visão, que nada tem de nacionalista, tornou-se hegemônica com ditadura de 64 e nunca foi questionados de verdade.
A grande força política-empresarial de sua campanha não tem raízes no país, mas é uma organização própria das economias globalizadas. É o Millenium, instituto de milionários e bilionários transnacionais que atua nos bastidores da vida brasileira, com patrocínios para influenciar jornalistas e recrutar jovens para a atuação política, inclusive pela oferta de bolsas no exterior. São os estrategistas do Estado Mínimo e operam em escala máxima na campanha presidencial de 2018, quando a prioridade 0 é impedir por todos os meios a vitória de qualquer candidatura envolvida com as necessidades dos trabalhadores e da população explorada.
Um dos mais ativos aliados de Bolsonardo, o empresário Luciano Hang, dono da empresa Havan, gigante do varejo com 112 lojas, cerca de 12.000 funcionários, faturamento de R$ 4,7 bilhões, está sendo processado pelo Ministério Público do Trabalho. Numa empresa que tem como símbolo a Estátua da Liberdade, Luciano Hang é acusado de não respeitar os direitos de seus funcionários e coagir os trabalhadores a votar no candidato do PSL. O argumento empregado é que "se a esquerda ganhar", fechará lojas e demitirá empregados. É escandaloso mas didático, pois permite compreender o tempo histórico no qual o Brasil pode ser conduzido pelos aliados de Bolsonaro.
É preciso voltar ao país tempos da Republica Velha, anterior a Revolução de 1930, para encontrar uma situação semelhante. A elite usava casaca e cartola, a população se amontoava como podia e as greves de trabalhadores eram enfrentadas à bala. Descrevendo as eleições daquele período, uma entidade chamada Coligação Operária de Santos denunciou os esquemas de pressão das empresas sobre trabalhadores durante as eleições.
"Não existe eleitorado livre e independente," registra texto, recuperado pelo historiador Dainis Karepovs no livro "A Classe Operária Vai ao Parlamento ". Ali se diz: "A grande maioria do eleitorado está toda segura e ligada por intermédio dos cabos eleitorais que são ao mesmo tempo os chefes das empresas onde o eleitor trabalha". Descrevendo uma cena habitual, num tempo em que o voto estava longe de ser secreto, mas consumado a vista de todos que estavam por perto, o documento diz que: "à porta de cada seção eleitoral fica um individuo com a lista dos eleitores que votam, assinalando com uma marca à lápis os que votam neste ou naquele partido. " Por esse sistema, "os eleitores sabem perfeitamente" que quem votar contra a orientação da chefia "estará despedido no seguinte".
Boa parte dos aspectos mais nocivos da candidatura Bolsonaro pode manter-se longe do olhar dos eleitores em função de um imprevisto que mudou a campanha eleitoral como um todo.
Vitima de um atentado criminoso, pode manter-se longe de debates entre candidatos que seriam um fator inevitável de contenção, críticas e confrontos a seu crescimento. Passou os últimos dias do primeiro turno em situação mais do que favorável do ponto de vista eleitoral. Pode ficar de mãos livres para reforçar a auto-mistificação que acompanha sua campanha presidencial e sua vida pública há bastante tempo.
Em vez de ser contestado e forçado a dar explicações no ambiente todos-contra-um que marca todo encontro presidencial com a presença de um líder das pesquisas, atendeu jornalistas aliados que disputaram a chance de lhe fazer perguntas de pai para filho. Mesmo de longe, contou com mãos amigas para reforçar o cerco a Haddad nos últimos dias, inclusive num debate no qual incontroláveis ambições pessoais uniram-se no esforço para dificultar os movimentos daquele que, com todas as virtudes e defeitos, já ocupava a condição de único adversário em condição de enfrentar uma candidatura anti-democracia.
Num cenário político construído por Fernando Henrique Cardoso numa Carta a Eleitoras e Eleitores de duas semanas atrás, a campanha segue a dinâmica de uma fantasia ideológica cuja finalidade consiste em rebaixar Haddad, colocando-o no mesmo patamar que Bolsonaro. Desonesta até a medula no que diz respeito ao candidato do PT, cuja moderação chega a ser alvo de mal-estar entre vários aliados, essa versão tenta sustentar a noção de que a eleição se resume a um conflito entre duas candidaturas radicais e extremistas. O efeito prático deste raciocínio é previsível. Nivelando por baixo forças e opções inteiramente desiguais, acaba-se beneficiando o pior, realmente perigoso e ameaçador -- em benefício de Bolsonaro, como vem acontecendo nos últimos dias, num processo que provocou um alerta do empresário Ricardo Semler, em artigo publicado na Folha: "Colegas de elite, acordem. Não se vota com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos, mas talvez queira e possa mostrar, num segundo ciclo, que ainda é melhor do que o Centrão megacorrupto ou uma ditadura autoritária. Foi assim que a Europa inteira se tornou civilizada".
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