Por André Matheus, Diogo Flora e Rodrigo Mangabeira, no site Brasil Debate:
A eleição de 2018 foi a primeira em que o uso da internet foi decisivo. Ganhando com passadas largas da televisão, rádio e escritos, as redes sociais conseguiram não apenas novos receptores como converteram um grande número de multiplicadores de conteúdo eleitoral. Grupos antes fechados passaram a compartilhar entre si mensagens por um sem número de diferentes mídias, transportando o debate eleitoral para as telas dos celulares e acelerando a velocidade com que uma informação pode se alastrar. Agora, passado o primeiro turno, podemos avaliar um pouco melhor o que passou.
Vimos um Brasil divido e movido intensamente por mensagens simples e objetivas, às vezes fazendo uso do humor, outras vezes do medo. Mas, o que realmente tornou o cenário desconcertante foram as notícias falsas, por vezes ofensivas, induzindo eleitores a um sentimento de repulsa e favorecendo seu engajamento na campanha contra o adversário político, que passa a reunir todas aquelas características negativas criadas com fatos mentirosos ou distorcidos.
Na eleição de 2018, que foi a mais digital da história republicana brasileira, a maioria dos candidatos investiu altos recursos nas redes sociais para obter visibilidade de um maior número de potenciais eleitores e, acompanhando a tendência, a preocupação com notícias falsas se tornou uma das questões prioritárias.
Essas notícias falsas ou manipuladas, que ganharam a atenção do mundo na eleição dos EUA e desde então são conhecidas pelo termo “fake news”, geralmente possuem um título atraente ou apelativo que busca cativar o destinatário garantindo um maior alcance de leitores. As notícias são veiculadas na internet – redes sociais são o maior propagador – com o propósito de influenciar, por meio da emoção, a opinião das pessoas. Dependendo de seu conteúdo, essas notícias podem ser, segundo a Diretoria de Segurança da Informação da UFRJ, de 7 tipos diferentes:
1) Sátira ou paródia: não é intencionalmente nocivo, mas pode levar à confusão do leitor;
2) Conexão falsa: título não corresponde fielmente ao conteúdo, gerando uma espécie de “clickbait” para aumentar o acesso;
3) Contexto falso: uma determinada informação quando fora de contexto pode se tornar inapropriada ou inválida com o passar do tempo;
4) Conteúdo manipulado: seja por adulteração de texto e/ou imagens, ou por tendenciar determinada opinião/visão política/ponto de vista;
5) Conteúdo enganoso: a informação é utilizada de forma a difamar a pessoa ou o assunto a que se refere;
6) Conteúdo impostor: informação é mal utilizada, moldando uma situação e criando uma inverdade com informações falsas de marcas ou pessoas; e
7) Conteúdo fabricado: todo o seu conteúdo é falso, criado para enganar e prejudicar.
O assunto também já foi estudado pelo Instituto Tecnológico de Massachusets (MIT). Em pesquisa realizada entre 2006 e 2017, com um universo de 126 mil tuítes em cascata, que gerou 4,5 milhões de compartilhamentos na rede social de mensagens instantâneas Twitter, o MIT constatou que o motivo que leva uma notícia falsa a ser largamente disseminada é o caráter “emocionante” desse tipo de conteúdo. Quando as notícias são assim construídas, sem nenhum compromisso com a verdade, suas chances de compartilhamento são 70% maiores do que as notícias verdadeiras, independentemente de seu teor.[1]
O combate judicial das fake news
Para nossa legislação não constitui crime divulgar notícias falsas, desde que o boato não caracterize os delitos de calúnia, difamação e injúria, previstos no Código Penal, cabendo apenas controle civil posterior caso ocorrido dano material ou moral a alguém. A legislação eleitoral, por sua vez, veda expressamente a “ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos” e garante expressamente a “retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais”.
Para a eleição de 2018, a Justiça Eleitoral, em convênio com o Facebook, Twitter, Youtube/Google, elaborou protocolos para a retirada de ofensas e fake news da rede mundial de computadores. O protocolo também é útil para o período não eleitoral.
Ao tomar ciência de notícia falsa divulgada na internet deve-se buscar identificar qual o provedor de aplicações da internet em que houve a propagação. Facebook, Twitter, Youtube e Whatsapp são os exemplos atualmente mais consagrados de divulgação desse tipo de mensagem. Em seguida, deve-se fazer a identificação correta do perfil, grupo ou vídeo em que foi propagada a mensagem ilícita e, para isso, o URL e a ID do usuário devem ser necessariamente informados junto com a data e hora da postagem e de quando houve a ciência dos fatos, bem como a imagem/print da mensagem deve ser replicada nos autos para que o magistrado possa aferir o contexto das palavras indicadas.
A identificação é essencial para que a empresa de internet, uma vez demandada judicialmente, localize corretamente nos seus servidores a publicação, pois sem esses dados não tem como individualizar a URL, o perfil, site ou grupo a ser removido mediante ordem do juiz.
Todavia, o ofendido pode não conseguir identificar com facilidade a identidade e o endereço do ofensor para acioná-lo na justiça, pelo que a legislação criou formas de vencer este obstáculo. Com base no Marco Civil da Internet, expresso na Lei Federal nº 12.965/2014, pode ser requerido em juízo o afastamento de sigilo de registros de conexão e de acesso junto a aplicações de internet, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, nos casos criminais e nos casos cíveis, com o propósito específico de formar conjunto probatório em processo judicial, em caráter incidental ou autônomo.
Com o número do IP indicado pelo provedor de aplicações é possível identificar o provedor de conexão, ou seja, as operadoras de telefonia ou telecomunicações que oferecem o acesso à rede para o usuário, a partir de um consulta no site http://registro.br. A operadora, sendo oficiada para tanto, poderá indicar o endereço do titular do contrato onde está o dispositivo eletrônico de origem da postagem, viabilizando a citação no respectivo endereço e a integração do ofensor à lide.
Embora por vezes seja uma busca trabalhosa, é a maneira certeira de fazer com que um ofensor ou propagador de falsidades nocivas a alguém possa responder junto à justiça e ser punido nos termos da lei. O Marco Civil da internet designou a guarda dos registros de acesso aos provedores de plataformas na internet, enquanto os registros de conexão estão sob a guarda das empresas fornecedoras de acesso a telecomunicações, de forma a dar maior segurança aos dados pessoais dos usuários de tais serviços. Por conta deste sistema é que se faz necessário primeiro obter o nº de IP, para com isso identificar a empresa fornecedora de acesso à rede que guarda e que poderá disponibilizar o nome e endereço do responsável pelo ponto de conexão.
No Rio de Janeiro, até o final do primeiro turno, o candidato à reeleição pelo PSOL Jean Wyllys, por exemplo, logrou retirar junto à Justiça Eleitoral aproximadamente 1 milhão de fake news, contabilizados Facebook, Instagram e Twitter. Outros candidatos também obtiveram decisões favoráveis no mesmo sentido. Entretanto, ainda existe uma grande celeuma em torno da aplicabilidade da legislação eleitoral a postagens ofensivas e inverídicas realizadas pelo Whatsapp, tendo em vista que muitos magistrados têm considerado esta ferramenta como um ambiente privado e íntimo das pessoas, entendendo que grupos existentes nesta ferramenta digital não possuem um caráter de espaço público de divulgação geral de informações, pelo que algumas ações judiciais foram julgadas improcedentes pelos motivos suscitados.
Recentemente, no curso da representação nº 0601685-57.2018.6.00.0000, em que não atuam os autores deste texto, o Exmo. Ministro do TSE Luis Felipe Salomão negou pedido de liminar que solicita a remoção das postagens indicadas como irregulares em grupo de whatsapp, bem como sejam fornecidos os dados necessários à identificação dos responsáveis pela divulgação, bem como direito de resposta, sem prejuízo de informar à Procuradoria Regional Eleitoral a prática de crime previsto na legislação eleitoral.
A referida decisão afirma que:
“(…) as mensagens enviadas por meio do aplicativo whatsapp não são abertas ao público, a exemplo de redes sociais como o Facebook e o Instagram. A comunicação é de natureza privada e fica restrita aos interlocutores ou a um grupo limitado de pessoas, como ocorreu na hipótese dos autos, de modo que a interferência desta Justiça especializada deve ser minimalista, sob pena de silenciar o discurso dos cidadãos comuns no debate democrático.”
Restou também consignado na decisão que esta foi tomada em juízo de cognição sumária e que a princípio não se vislumbrou ofensa à legislação, na medida em que é preciso obedecer ao princípio da interferência mínima do judiciário e que o judiciário não é capaz de controlar todas as conversas e manifestações externadas nas mídias eletrônicas. A decisão foi objeto de recurso que pende de julgamento, bem como a representação ainda será contestada e julgada.
O tema é controverso, eis que, se de um lado o Whatsapp consiste em ferramenta mais restrita que outras dotadas de maior visibilidade do público em geral, por outro essa sua característica e o fato de cada pessoa integrar diversos grupos nesta mesma ferramenta, faz com que notícias verdadeiras ou falsas sejam propagadas de forma muito veloz e quase irrastreável, como rastilho de pólvora.
O poder do Whatsapp não pode ser subestimado. Muitas inverdades propagadas a respeito de diversos candidatos são extremamente nocivas ao processo democrático das eleições, que deveria ser permeado por informações legítimas e verdadeiras para assim formar com a devida clareza a convicção do eleitor que, com base nelas, definirá a sua escolha do melhor candidato a lhe representar.
Há magistrados [2] que julgam configurar propaganda eleitoral a mensagem irregular postada no Whatsapp, sob o fundamento de a rede social ser capaz de multiplicar a mensagem em larga escala, mesmo quando um grupo específico tem poucos participantes, e também porque a mensagem pode ser enviada indistintamente a toda e qualquer pessoa. A decisão em comento se lastreia em Acórdãos regionais de Mato Grosso, Minas Gerais e Sergipe para afirmar que mensagem no Whatsapp tem sim capacidade de transmitir de forma geral uma mensagem, atraindo assim o controle da justiça eleitoral.
Pelo visto, a questão ainda está pendente de ser discutida nos Tribunais Superiores em caráter definitivo, enquanto isso, a doutrina e os advogados buscam aprofundar o conhecimento neste tema e propor uma solução mais acertada para a matéria.
De fato, o Whatsapp se reveste de uma característica própria, mais restrita que outras ferramentas digitais. Ocorre que nestas eleições é notório que há quem abuse desta característica e tente, se esquivando das consequências legais, divulgar notícias falsas através dela. Assim, além de subverter o objetivo da tecnologia ao compartilhar informações inidôneas, a veiculação de fatos falsos coloca em risco a própria saúde do pleito eleitoral, por vezes mediante condutas criminosas, ameaçando esse momento tão importante da democracia.
Notas
[1] Referência: http://news.mit.edu/2018/study-twitter-false-news-travels-faster-true-stories-0308
[2] TRE-RJ – RE: 26835 VASSOURAS – RJ, Relator: LEONARDO GRANDMASSON FERREIRA CHAVES, Data de Julgamento: 13/03/2017, Data de Publicação: DJERJ – Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 070, Data 20/03/2017, Página 18/27.
TRE-SE – RE: 3824 ITABAIANA – SE, Relator: FRANCISCO ALVES JUNIOR, Data de Julgamento: 13/02/2017, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 35/2, Data 22/02/2017.
A eleição de 2018 foi a primeira em que o uso da internet foi decisivo. Ganhando com passadas largas da televisão, rádio e escritos, as redes sociais conseguiram não apenas novos receptores como converteram um grande número de multiplicadores de conteúdo eleitoral. Grupos antes fechados passaram a compartilhar entre si mensagens por um sem número de diferentes mídias, transportando o debate eleitoral para as telas dos celulares e acelerando a velocidade com que uma informação pode se alastrar. Agora, passado o primeiro turno, podemos avaliar um pouco melhor o que passou.
Vimos um Brasil divido e movido intensamente por mensagens simples e objetivas, às vezes fazendo uso do humor, outras vezes do medo. Mas, o que realmente tornou o cenário desconcertante foram as notícias falsas, por vezes ofensivas, induzindo eleitores a um sentimento de repulsa e favorecendo seu engajamento na campanha contra o adversário político, que passa a reunir todas aquelas características negativas criadas com fatos mentirosos ou distorcidos.
Na eleição de 2018, que foi a mais digital da história republicana brasileira, a maioria dos candidatos investiu altos recursos nas redes sociais para obter visibilidade de um maior número de potenciais eleitores e, acompanhando a tendência, a preocupação com notícias falsas se tornou uma das questões prioritárias.
Essas notícias falsas ou manipuladas, que ganharam a atenção do mundo na eleição dos EUA e desde então são conhecidas pelo termo “fake news”, geralmente possuem um título atraente ou apelativo que busca cativar o destinatário garantindo um maior alcance de leitores. As notícias são veiculadas na internet – redes sociais são o maior propagador – com o propósito de influenciar, por meio da emoção, a opinião das pessoas. Dependendo de seu conteúdo, essas notícias podem ser, segundo a Diretoria de Segurança da Informação da UFRJ, de 7 tipos diferentes:
1) Sátira ou paródia: não é intencionalmente nocivo, mas pode levar à confusão do leitor;
2) Conexão falsa: título não corresponde fielmente ao conteúdo, gerando uma espécie de “clickbait” para aumentar o acesso;
3) Contexto falso: uma determinada informação quando fora de contexto pode se tornar inapropriada ou inválida com o passar do tempo;
4) Conteúdo manipulado: seja por adulteração de texto e/ou imagens, ou por tendenciar determinada opinião/visão política/ponto de vista;
5) Conteúdo enganoso: a informação é utilizada de forma a difamar a pessoa ou o assunto a que se refere;
6) Conteúdo impostor: informação é mal utilizada, moldando uma situação e criando uma inverdade com informações falsas de marcas ou pessoas; e
7) Conteúdo fabricado: todo o seu conteúdo é falso, criado para enganar e prejudicar.
O assunto também já foi estudado pelo Instituto Tecnológico de Massachusets (MIT). Em pesquisa realizada entre 2006 e 2017, com um universo de 126 mil tuítes em cascata, que gerou 4,5 milhões de compartilhamentos na rede social de mensagens instantâneas Twitter, o MIT constatou que o motivo que leva uma notícia falsa a ser largamente disseminada é o caráter “emocionante” desse tipo de conteúdo. Quando as notícias são assim construídas, sem nenhum compromisso com a verdade, suas chances de compartilhamento são 70% maiores do que as notícias verdadeiras, independentemente de seu teor.[1]
O combate judicial das fake news
Para nossa legislação não constitui crime divulgar notícias falsas, desde que o boato não caracterize os delitos de calúnia, difamação e injúria, previstos no Código Penal, cabendo apenas controle civil posterior caso ocorrido dano material ou moral a alguém. A legislação eleitoral, por sua vez, veda expressamente a “ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos” e garante expressamente a “retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais”.
Para a eleição de 2018, a Justiça Eleitoral, em convênio com o Facebook, Twitter, Youtube/Google, elaborou protocolos para a retirada de ofensas e fake news da rede mundial de computadores. O protocolo também é útil para o período não eleitoral.
Ao tomar ciência de notícia falsa divulgada na internet deve-se buscar identificar qual o provedor de aplicações da internet em que houve a propagação. Facebook, Twitter, Youtube e Whatsapp são os exemplos atualmente mais consagrados de divulgação desse tipo de mensagem. Em seguida, deve-se fazer a identificação correta do perfil, grupo ou vídeo em que foi propagada a mensagem ilícita e, para isso, o URL e a ID do usuário devem ser necessariamente informados junto com a data e hora da postagem e de quando houve a ciência dos fatos, bem como a imagem/print da mensagem deve ser replicada nos autos para que o magistrado possa aferir o contexto das palavras indicadas.
A identificação é essencial para que a empresa de internet, uma vez demandada judicialmente, localize corretamente nos seus servidores a publicação, pois sem esses dados não tem como individualizar a URL, o perfil, site ou grupo a ser removido mediante ordem do juiz.
Todavia, o ofendido pode não conseguir identificar com facilidade a identidade e o endereço do ofensor para acioná-lo na justiça, pelo que a legislação criou formas de vencer este obstáculo. Com base no Marco Civil da Internet, expresso na Lei Federal nº 12.965/2014, pode ser requerido em juízo o afastamento de sigilo de registros de conexão e de acesso junto a aplicações de internet, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, nos casos criminais e nos casos cíveis, com o propósito específico de formar conjunto probatório em processo judicial, em caráter incidental ou autônomo.
Com o número do IP indicado pelo provedor de aplicações é possível identificar o provedor de conexão, ou seja, as operadoras de telefonia ou telecomunicações que oferecem o acesso à rede para o usuário, a partir de um consulta no site http://registro.br. A operadora, sendo oficiada para tanto, poderá indicar o endereço do titular do contrato onde está o dispositivo eletrônico de origem da postagem, viabilizando a citação no respectivo endereço e a integração do ofensor à lide.
Embora por vezes seja uma busca trabalhosa, é a maneira certeira de fazer com que um ofensor ou propagador de falsidades nocivas a alguém possa responder junto à justiça e ser punido nos termos da lei. O Marco Civil da internet designou a guarda dos registros de acesso aos provedores de plataformas na internet, enquanto os registros de conexão estão sob a guarda das empresas fornecedoras de acesso a telecomunicações, de forma a dar maior segurança aos dados pessoais dos usuários de tais serviços. Por conta deste sistema é que se faz necessário primeiro obter o nº de IP, para com isso identificar a empresa fornecedora de acesso à rede que guarda e que poderá disponibilizar o nome e endereço do responsável pelo ponto de conexão.
No Rio de Janeiro, até o final do primeiro turno, o candidato à reeleição pelo PSOL Jean Wyllys, por exemplo, logrou retirar junto à Justiça Eleitoral aproximadamente 1 milhão de fake news, contabilizados Facebook, Instagram e Twitter. Outros candidatos também obtiveram decisões favoráveis no mesmo sentido. Entretanto, ainda existe uma grande celeuma em torno da aplicabilidade da legislação eleitoral a postagens ofensivas e inverídicas realizadas pelo Whatsapp, tendo em vista que muitos magistrados têm considerado esta ferramenta como um ambiente privado e íntimo das pessoas, entendendo que grupos existentes nesta ferramenta digital não possuem um caráter de espaço público de divulgação geral de informações, pelo que algumas ações judiciais foram julgadas improcedentes pelos motivos suscitados.
Recentemente, no curso da representação nº 0601685-57.2018.6.00.0000, em que não atuam os autores deste texto, o Exmo. Ministro do TSE Luis Felipe Salomão negou pedido de liminar que solicita a remoção das postagens indicadas como irregulares em grupo de whatsapp, bem como sejam fornecidos os dados necessários à identificação dos responsáveis pela divulgação, bem como direito de resposta, sem prejuízo de informar à Procuradoria Regional Eleitoral a prática de crime previsto na legislação eleitoral.
A referida decisão afirma que:
“(…) as mensagens enviadas por meio do aplicativo whatsapp não são abertas ao público, a exemplo de redes sociais como o Facebook e o Instagram. A comunicação é de natureza privada e fica restrita aos interlocutores ou a um grupo limitado de pessoas, como ocorreu na hipótese dos autos, de modo que a interferência desta Justiça especializada deve ser minimalista, sob pena de silenciar o discurso dos cidadãos comuns no debate democrático.”
Restou também consignado na decisão que esta foi tomada em juízo de cognição sumária e que a princípio não se vislumbrou ofensa à legislação, na medida em que é preciso obedecer ao princípio da interferência mínima do judiciário e que o judiciário não é capaz de controlar todas as conversas e manifestações externadas nas mídias eletrônicas. A decisão foi objeto de recurso que pende de julgamento, bem como a representação ainda será contestada e julgada.
O tema é controverso, eis que, se de um lado o Whatsapp consiste em ferramenta mais restrita que outras dotadas de maior visibilidade do público em geral, por outro essa sua característica e o fato de cada pessoa integrar diversos grupos nesta mesma ferramenta, faz com que notícias verdadeiras ou falsas sejam propagadas de forma muito veloz e quase irrastreável, como rastilho de pólvora.
O poder do Whatsapp não pode ser subestimado. Muitas inverdades propagadas a respeito de diversos candidatos são extremamente nocivas ao processo democrático das eleições, que deveria ser permeado por informações legítimas e verdadeiras para assim formar com a devida clareza a convicção do eleitor que, com base nelas, definirá a sua escolha do melhor candidato a lhe representar.
Há magistrados [2] que julgam configurar propaganda eleitoral a mensagem irregular postada no Whatsapp, sob o fundamento de a rede social ser capaz de multiplicar a mensagem em larga escala, mesmo quando um grupo específico tem poucos participantes, e também porque a mensagem pode ser enviada indistintamente a toda e qualquer pessoa. A decisão em comento se lastreia em Acórdãos regionais de Mato Grosso, Minas Gerais e Sergipe para afirmar que mensagem no Whatsapp tem sim capacidade de transmitir de forma geral uma mensagem, atraindo assim o controle da justiça eleitoral.
Pelo visto, a questão ainda está pendente de ser discutida nos Tribunais Superiores em caráter definitivo, enquanto isso, a doutrina e os advogados buscam aprofundar o conhecimento neste tema e propor uma solução mais acertada para a matéria.
De fato, o Whatsapp se reveste de uma característica própria, mais restrita que outras ferramentas digitais. Ocorre que nestas eleições é notório que há quem abuse desta característica e tente, se esquivando das consequências legais, divulgar notícias falsas através dela. Assim, além de subverter o objetivo da tecnologia ao compartilhar informações inidôneas, a veiculação de fatos falsos coloca em risco a própria saúde do pleito eleitoral, por vezes mediante condutas criminosas, ameaçando esse momento tão importante da democracia.
Notas
[1] Referência: http://news.mit.edu/2018/study-twitter-false-news-travels-faster-true-stories-0308
[2] TRE-RJ – RE: 26835 VASSOURAS – RJ, Relator: LEONARDO GRANDMASSON FERREIRA CHAVES, Data de Julgamento: 13/03/2017, Data de Publicação: DJERJ – Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 070, Data 20/03/2017, Página 18/27.
TRE-SE – RE: 3824 ITABAIANA – SE, Relator: FRANCISCO ALVES JUNIOR, Data de Julgamento: 13/02/2017, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 35/2, Data 22/02/2017.
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