sábado, 24 de novembro de 2018

As eleições no meio do mandato de Trump

Charge: Antonio Rodriguez
Por Kjeld Jakobsen, na revista Teoria e Debate:

As chamadas midterm elections (eleições de meio de mandato) nos Estados Unidos ocorreram no último dia 6 de novembro. Nesse país, há eleições legislativas a cada dois anos e presidenciais a cada quatro. O mandato dos deputados é de dois anos, e o dos senadores, seis. O mandato dos governadores é de quatro anos, mas as eleições não coincidem necessariamente com as presidenciais. Dessa forma, as eleições de 2018 renovaram os mandatos de toda a Câmara de Deputados federais, de um terço do Senado e de 36 governos estaduais, além de eleger deputados e senadores estaduais, prefeitos e vereadores.

O voto nos EUA é facultativo e o eleitor deve se inscrever previamente se pretende participar da eleição. Esta, normalmente, ocorre no meio da semana, o que representa um obstáculo a mais para o exercício do voto, pois não há dispensa automática do trabalho para isso nem pagamento do dia não trabalhado. A escolha dos candidatos a deputado é por distritos, onde os partidos registram seus candidatos e a disputa acontece. As regras eleitorais, bem como a abrangência geográfica e populacional dos distritos, são definidas pelas assembleias legislativas estaduais e ratificadas pelos governadores, o que aumenta o interesse dos partidos pelas eleições estaduais, pois a cada dez anos é feito um recenseamento do eleitorado, bem como sua distribuição pelos distritos.

Particularmente, os republicanos têm sido acusados de manipular a composição dos distritos para favorecer seus candidatos, num processo conhecido como gerrymandering, em lembrança a um governador do século 19, Elbridge Gerry, que inaugurou a prática que consiste em concentrar os apoiadores do adversário em poucos distritos e distribuir os seus no maior número possível. Como cada distrito define um deputado, o partido que dominar o maior número deles também terá a maior bancada de deputados. Graças ao gerrymandering nos estados hegemonizados pelos republicanos em 2010, eles conquistaram a maioria da Câmara Federal em 2016, embora na somatória da votação nacional obtivessem 1,4 milhão de votos a menos do que os democratas. Além disso, é comum também a criação de entraves burocráticos para dificultar a participação de tradicionais eleitores democratas como os negros e latinos. O próximo recenseamento será em 2020.

O presidente Donald Trump “twitou” que o resultado da eleição foi excelente para o seu Partido Republicano, pois embora eles tenham perdido a maioria na Câmara de Deputados (House), e também sete governos estaduais, o balanço ainda é de 26 estados com governadores republicanos contra 23 democratas e 30 legislaturas estaduais majoritariamente republicanas contra 18 democratas. Também mantiveram a maioria no Senado, inclusive elegendo dois senadores a mais dos que já tinham. De outro lado, os democratas esperavam uma “onda azul” (a cor do partido) que, se não foi uma marola, tampouco foi um tsunami, pois o atual status institucional afastou qualquer perspectiva de impor um impeachment ao Trump, como cogitado há um tempo atrás, o que indiretamente significa que ele ainda mantém um nível significativo de popularidade.

De qualquer maneira, a conquista da maioria na Câmara permitirá aos democratas neutralizar várias de suas iniciativas legislativas, e a eleição de sete governadores a mais do que já tinham, alguns deles nos chamados swing states, estados onde o eleitorado não é tradicionalmente democrata ou republicano e alterna sua preferência nas eleições presidenciais, será importante na disputa presidencial de 2020 quando Trump buscará sua reeleição.

Ele foi eleito em 2016 graças ao sistema estadunidense de Colégio Eleitoral, no qual o presidente é eleito pelos delegados conquistados em cada estado. Esses são divididos proporcionalmente à população de cada um, mas na maioria deles “o vencedor leva tudo”, ou seja, quem fizer 50% + 1 dos votos fica com todos os eleitores. Assim, Trump teve 2 milhões de votos a menos do que sua oponente Hillary Clinton do Partido Democrata no voto popular nacional, mas, como venceu por pouco em swing statesimportantes como Ohio, Wyoming e Minessota, obteve a maioria no Colégio Eleitoral.

O atual resultado final para a Câmara de Deputados foi 227 cadeiras para os democratas, 32 a mais comparado a 2016, contra 198 para os republicanos, e para o Senado foi de 46 para os democratas, perdendo duas vagas em relação aos atuais contra 51 para os republicanos. Houve eleições para governadores em 36 dos 50 estados estadunidenses, sendo que os democratas passaram a governar 23 estados, enquanto os republicanos ainda governam 26 deles, apesar de perderem sete. A frustração dos democratas foi a de perder por menos de um por cento dos votos a disputa para governador no estado da Flórida. O resultado da Geórgia ainda depende de recursos e recontagem de votos, mas também apontava para a vitória republicana por uma ínfima diferença.

O que chama atenção nessa eleição, principalmente no campo democrata, é o perfil diversificado de alguns dos eleitos, como o governador do Colorado, assumidamente homossexual, além de uma deputada federal da comunidade LGBT, uma descendente de um povo indígena local e uma imigrante palestina e muçulmana. As duas últimas são integrantes do Partido Socialista Democrático (PSD), um agrupamento que reúne quase 40 mil filiados hoje e que foi fundado em 1982. Sua concepção política advém do líder socialista Eugene Debbs, importante dirigente sindical e político que foi candidato a presidente dos EUA no início do século 20. Como ele era pacifista e se opunha à participação dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, foi condenado a vários anos de prisão por traição para tirá-lo de circulação. Desde sua fundação, o PSD normalmente endossa os candidatos presidenciais do Partido Democrata, e em contrapartida apresenta candidatos a outros cargos por meio dessa legenda. O PSD era filiado à Internacional Socialista (IS), mas retirou-se recentemente junto com outros partidos em protesto contra a adesão dessa organização a conceitos neoliberais.

A disputa pelo avanço político nos EUA e o enfrentamento ao neofascismo que se instalou ainda vão longe. Mas é possível verificar que a disputa pela indicação da candidatura a presidente entre Bernie Sanders e Hillary Clinton em 2016, embora vendida por esta última, deu uma arejada no interior do Partido Democrata.

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