sábado, 3 de novembro de 2018

Bolsonaro e o punitivismo medieval de Moro

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:

O juiz Sérgio Moro, que se notabilizou pelos excessos nas prisões provisórias para forçar delações e por permitir acorrentar pés e mãos de presos, além de espionar e vazar conversas privadas de seus investigados, aceitou o convite de Jair Bolsonaro e será o ministro da Justiça e Segurança Pública do novo governo. A ida de Moro para o governo do candidato a quem beneficiou diretamente ao condenar seu principal rival reforça a percepção de que a decisão de prender Lula foi política e também a expectativa de que Bolsonaro, com forte controle sobre as Forças Armadas e a Polícia Federal, instaure um estado policial no país utilizando os métodos que consagraram Moro em Curitiba.

Não foram poucas as críticas à forma como o futuro ministro da Justiça conduziu a Lava-Jato. O juiz conduziu Lula coercitivamente sem necessidade alguma, invadindo a casa do ex-presidente com policiais fortemente armados que levaram inclusive os tablets dos netos de Lula e Marisa. Moro chegou a divulgar ilegalmente uma conversa entre a presidenta Dilma Rousseff e Lula, dando um empurrãozinho ao processo de impeachment. Se o juiz foi capaz de espionar a própria presidenta da República, o que poderá autorizar que seja feito com cidadãos comuns à frente do ministério da Justiça? Dilma, aliás, criticou a impropriedade da indicação [aqui].

Mantidos incomunicáveis, os presos da Lava-Jato não têm tido nem mesmo a oportunidade de dar entrevistas à imprensa. O ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, preso há dois anos, nunca foi autorizado a falar com os jornais e TVs que solicitaram entrevistas e foi transferido de presídio, em janeiro deste ano, com os pés e mãos acorrentados, como um prisioneiro medieval, responsabilidade que Moro tratou de atribuir à Polícia Federal após a polêmica. Com Lula tem acontecido a mesma coisa: pedidos de meios de comunicação para entrevistar o ex-presidente são peremptoriamente negados e até personalidades internacionais amigas de Lula foram impedidas de vê-lo.

O método de Moro de manter presos provisórios indefinidamente para forçar delações foi comparado à “tortura” pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. “O abuso da prisão preventiva é enorme, é notório e precisa ser olhado. Não se pode usar prisão provisória para obter delação. Isso é tortura”, disse Gilmar. Outros criminalistas também disseram o mesmo: manter presos preventivamente por longos períodos para obter colaboração premiada é similar à tortura. Como Bolsonaro não tem nenhum problema com isso, pelo contrário, é um notório defensor de torturador, a estratégia tende a virar política de Estado.

Tanto Moro quanto seu futuro chefe advogam pelo punitivismo: penas de prisão cada vez maiores até para pequenos delitos, na contramão do moderno direito internacional, que prefere as penas alternativas. Enquanto no Brasil apenas 20,7% dos condenados recebem penas alternativas, em países da Europa os números são opostos: só 19% dos condenados britânicos cumpriram pena restritiva de liberdade; na Alemanha, 21% dos condenados foram para a prisão ou cumpriram a pena em regime aberto, os demais pagaram multa ou prestaram serviços à comunidade.

Esta visão desumanizada do cidadão que comete infrações, compartilhada por Moro e Bolsonaro, também tem objetivos mercantilistas por trás. Punir em excesso demanda logicamente a construção de mais presídios, o que nos permite prever que o promissor mercado das prisões privadas, que movimentam 5 bilhões de dólares anualmente nos Estados Unidos, logo se abrirá no Brasil. Juntando-se a isso a notória criminalização da pobreza pela extrema-direita, logo nos tornaremos campeões mundiais em encarceramento, sobretudo de jovens negros da periferia com baixa escolaridade. Já somos o terceiro colocado.

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