Por Gabriel Valery, na Rede Brasil Atual:
Selvagens
O hábito de compra de livros em todo o mundo foi alterado significativamente graças à ascensão das compras via internet. Bernardo disse à RBA que a representatividade das vendas on-line da Saraiva, por exemplo, corresponde proporcionalmente às vendas da melhor de suas lojas físicas. É um processo natural que cresce com o advento das novas tecnologias, mas o problema começa com práticas predatórias de empresas digitais, como a Amazon, e também o e-commerce das grandes varejistas.
Para a gigante norte-americana, os livros não passam de meras iscas de clientes. “Os principais players do comércio eletrônico utilizam o livro, em muitos casos, como uma isca para atrair o consumidor de outros produtos. É uma técnica de vendas que utiliza o livro para apontar para produtos que têm maior valor agregado. Então, eles abaixam radicalmente o valor do livro, sacrificam uma linha de produtos em função de um lucro posterior”, explica Bernardo.
“Temos de identificar o que é livre concorrência e o que é concorrência predatória. Isso contribui para o fechamento do varejo físico. Colocam um produto a preço inferior do custo. Isso faz parte de uma estratégia para eliminar a concorrência. Entramos em um território difícil que é a questão da ética comercial”, completa. Por isso, muitas vezes, os livros são muito mais baratos pela internet do que em lojas físicas, o que cria um mal estar no consumidor.
Oligopólios
O outro aspecto central que ajuda a explicar o processo de falência do setor é a concentração do mercado nas mãos de poucas empresas. “Verificamos um efeito perverso disso. Na medida em que o varejo se concentra, o fornecedor também concentra sua atenção. As principais redes, Saraiva e Cultura, significam aproximadamente 40% de todas as vendas. Então, as editoras passaram a fornecer com privilégios e grandes descontos para essas redes. Agora elas estão quebrando e arrastando o mercado inteiro. A lista de credores da Saraiva arrasta todo o mercado editorial.”
É o caso da Editora Contraponto. A empresa busca novas formas de sustento com a quebra da cadeia, como explica o editor César Benjamin. “Somos uma pequena editora. Como todas as demais, fomos atingidos pela crise que quebrou a cadeia de livros brasileira com muitas falências. Estamos nos esforçando para estabilizar e poder voltar a crescer em 2019.”
Para isso, eles iniciaram campanhas de financiamento coletivo, com contrapartida de distribuição de livros para os que ajudaram. “Estamos em um esforço de manutenção da cultura viva no Brasil. É um momento de resistência em uma situação tão difícil em que a vulgaridade avança sobre todas as áreas. Ajude as editoras, não deixe o livro morrer”, apela.
Passado e futuro
Ações como a da Contraponto revelam um dos caminhos possíveis para a sustentabilidade da indústria de livros. Para Bernardo, o varejo é dinâmico, com transformações, e isso não significa uma tragédia. “Temos que ter claro que o mundo não acabou, não é estático. Tem renovação e adaptação permanente às exigências do consumidor.”
Um dos movimentos que tende a ganhar força para Bernardo é uma espécie de “retorno às origens”, com a ampliação da rede de pequenas livrarias. “Há um movimento de renovação dos menores. Fecharam muitas nos últimos anos, mas estão aparecendo novas. E com isso vêm as novas gerações que chegam ao mercado de trabalho. Jovens que amam o livro e o ambiente cultural e não carregam os modelos do passado. Muitas vezes os próprios proprietários atendem o público.”
“O passo é procurar alternativas que passam pela maior atenção com essas livrarias pequenas e médias. Também podemos pensar no comércio online das próprias editoras que precisam escoar seus produtos. São alternativas que estão em curso. Não digo que sejam estratégias definitivas e nem a salvação da pátria. Mas são saídas, tal como maior participação em eventos literários, feiras, enfim, uma maior aproximação com o consumidor vai ser essencial”, completa.
As livrarias físicas possuem importância social e devem se renovar. É possível citar o exemplo da Tapera Taperá, em São Paulo, que promove cursos e palestras quase que diariamente. “A livraria traz a experiência para o consumidor mais exigente. É um lugar de encontro com livros, autores, colegas e pessoas afins. As livrarias, desde que existem, sempre propuseram algo além da compra e venda. A estratégia de transformar a livraria em um centro cultural tende a se fortalecer”, argumenta Bernardo.
O modelo de negócio das livrarias brasileiras está em xeque. Neste ano, as duas maiores redes no país, Livraria Cultura e Saraiva, entraram com processo de recuperação judicial. Quantidade expressiva dos livros vendidos no Brasil, quatro em cada dez, passa por essas lojas. A quebra arrasta toda a cadeia editorial, altamente dependente desse oligopólio que hoje não consegue mais se sustentar.
O problema é mais complexo do que parece. Culpar a crise econômica ou o fraco hábito de leitura dos brasileiros não basta. E as soluções também são delicadas, mas existem.
Diferente de um senso comum que culpa os brasileiros por lerem pouco, a busca por livros vem aumentando ano a ano no país. A Associação Nacional de Livros (ANL) promove mensalmente um estudo sobre o comportamento do varejo de livros no Brasil. A procura por livros cresceu 4,2% este ano – na comparação com 2017. Destaque para áreas como HQs, com alta de 27,1%, e Turismo, Lazer e Culinária, 21,5%.
Apesar do aumento na demanda, é importante perceber um dado contrastante. Após mais de uma década de crescimento desde o início dos anos 2000, a partir de 2015, o setor editorial apresenta resultados negativos na quantidade de títulos e também na lucratividade. No auge, em 2014, foram produzidos 501.371.513 exemplares em todo o país. Em 2017, após consecutivas quedas, esse número caiu para 393.284.611. Os dados são da série de pesquisas realizadas pela Fipe em parceria com a Câmara Brasileira do Livro.
O presidente da ANL, Bernardo Gurbanov, explica que "os tempos do varejo são diferentes dos tempos da produção". "As pessoas estão começando a consumir um pouco mas, no caso do livro, temos de entender que o processo de produção é demorado. Esse é um elemento importante para entender que o aumento do consumo não está necessariamente relacionado com o aumento da produção. A produção está mais lenta do que o consumo e as livrarias são o principal canal de vendas para 50% da produção."
Mas se existe a demanda, então quais seriam as razões pelo enfraquecimento da indústria de livros? Para Bernardo, destacam-se dois fatores: a concorrência predatória de grandes grupos e a hiperconcentração do varejo.
O problema é mais complexo do que parece. Culpar a crise econômica ou o fraco hábito de leitura dos brasileiros não basta. E as soluções também são delicadas, mas existem.
Diferente de um senso comum que culpa os brasileiros por lerem pouco, a busca por livros vem aumentando ano a ano no país. A Associação Nacional de Livros (ANL) promove mensalmente um estudo sobre o comportamento do varejo de livros no Brasil. A procura por livros cresceu 4,2% este ano – na comparação com 2017. Destaque para áreas como HQs, com alta de 27,1%, e Turismo, Lazer e Culinária, 21,5%.
Apesar do aumento na demanda, é importante perceber um dado contrastante. Após mais de uma década de crescimento desde o início dos anos 2000, a partir de 2015, o setor editorial apresenta resultados negativos na quantidade de títulos e também na lucratividade. No auge, em 2014, foram produzidos 501.371.513 exemplares em todo o país. Em 2017, após consecutivas quedas, esse número caiu para 393.284.611. Os dados são da série de pesquisas realizadas pela Fipe em parceria com a Câmara Brasileira do Livro.
O presidente da ANL, Bernardo Gurbanov, explica que "os tempos do varejo são diferentes dos tempos da produção". "As pessoas estão começando a consumir um pouco mas, no caso do livro, temos de entender que o processo de produção é demorado. Esse é um elemento importante para entender que o aumento do consumo não está necessariamente relacionado com o aumento da produção. A produção está mais lenta do que o consumo e as livrarias são o principal canal de vendas para 50% da produção."
Mas se existe a demanda, então quais seriam as razões pelo enfraquecimento da indústria de livros? Para Bernardo, destacam-se dois fatores: a concorrência predatória de grandes grupos e a hiperconcentração do varejo.
Selvagens
O hábito de compra de livros em todo o mundo foi alterado significativamente graças à ascensão das compras via internet. Bernardo disse à RBA que a representatividade das vendas on-line da Saraiva, por exemplo, corresponde proporcionalmente às vendas da melhor de suas lojas físicas. É um processo natural que cresce com o advento das novas tecnologias, mas o problema começa com práticas predatórias de empresas digitais, como a Amazon, e também o e-commerce das grandes varejistas.
Para a gigante norte-americana, os livros não passam de meras iscas de clientes. “Os principais players do comércio eletrônico utilizam o livro, em muitos casos, como uma isca para atrair o consumidor de outros produtos. É uma técnica de vendas que utiliza o livro para apontar para produtos que têm maior valor agregado. Então, eles abaixam radicalmente o valor do livro, sacrificam uma linha de produtos em função de um lucro posterior”, explica Bernardo.
“Temos de identificar o que é livre concorrência e o que é concorrência predatória. Isso contribui para o fechamento do varejo físico. Colocam um produto a preço inferior do custo. Isso faz parte de uma estratégia para eliminar a concorrência. Entramos em um território difícil que é a questão da ética comercial”, completa. Por isso, muitas vezes, os livros são muito mais baratos pela internet do que em lojas físicas, o que cria um mal estar no consumidor.
Oligopólios
O outro aspecto central que ajuda a explicar o processo de falência do setor é a concentração do mercado nas mãos de poucas empresas. “Verificamos um efeito perverso disso. Na medida em que o varejo se concentra, o fornecedor também concentra sua atenção. As principais redes, Saraiva e Cultura, significam aproximadamente 40% de todas as vendas. Então, as editoras passaram a fornecer com privilégios e grandes descontos para essas redes. Agora elas estão quebrando e arrastando o mercado inteiro. A lista de credores da Saraiva arrasta todo o mercado editorial.”
É o caso da Editora Contraponto. A empresa busca novas formas de sustento com a quebra da cadeia, como explica o editor César Benjamin. “Somos uma pequena editora. Como todas as demais, fomos atingidos pela crise que quebrou a cadeia de livros brasileira com muitas falências. Estamos nos esforçando para estabilizar e poder voltar a crescer em 2019.”
Para isso, eles iniciaram campanhas de financiamento coletivo, com contrapartida de distribuição de livros para os que ajudaram. “Estamos em um esforço de manutenção da cultura viva no Brasil. É um momento de resistência em uma situação tão difícil em que a vulgaridade avança sobre todas as áreas. Ajude as editoras, não deixe o livro morrer”, apela.
Passado e futuro
Ações como a da Contraponto revelam um dos caminhos possíveis para a sustentabilidade da indústria de livros. Para Bernardo, o varejo é dinâmico, com transformações, e isso não significa uma tragédia. “Temos que ter claro que o mundo não acabou, não é estático. Tem renovação e adaptação permanente às exigências do consumidor.”
Um dos movimentos que tende a ganhar força para Bernardo é uma espécie de “retorno às origens”, com a ampliação da rede de pequenas livrarias. “Há um movimento de renovação dos menores. Fecharam muitas nos últimos anos, mas estão aparecendo novas. E com isso vêm as novas gerações que chegam ao mercado de trabalho. Jovens que amam o livro e o ambiente cultural e não carregam os modelos do passado. Muitas vezes os próprios proprietários atendem o público.”
“O passo é procurar alternativas que passam pela maior atenção com essas livrarias pequenas e médias. Também podemos pensar no comércio online das próprias editoras que precisam escoar seus produtos. São alternativas que estão em curso. Não digo que sejam estratégias definitivas e nem a salvação da pátria. Mas são saídas, tal como maior participação em eventos literários, feiras, enfim, uma maior aproximação com o consumidor vai ser essencial”, completa.
As livrarias físicas possuem importância social e devem se renovar. É possível citar o exemplo da Tapera Taperá, em São Paulo, que promove cursos e palestras quase que diariamente. “A livraria traz a experiência para o consumidor mais exigente. É um lugar de encontro com livros, autores, colegas e pessoas afins. As livrarias, desde que existem, sempre propuseram algo além da compra e venda. A estratégia de transformar a livraria em um centro cultural tende a se fortalecer”, argumenta Bernardo.
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