Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Uma semana antes do segundo turno da eleição presidencial, o então candidato do PSL Jair Bolsonaro fez um pronunciamento que se tornará um registro histórico para o dia de hoje, 14 de novembro de 2018, véspera do 139o. aniversário da República:
"Seu Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente para assinar o decreto de indulto, vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia”.
Os fatos seguintes sobre o destino de Lula, uma linha cruzada com os destinos brasileiros há pelo menos 40 anos, vieram em sequência.
Três dias depois da eleição de Bolsonaro, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, aceitou convite para ocupar o Ministério da Justiça a partir de 1 de janeiro. Nesta quarta-feira, Lula deixa sua cela em Curitiba, na qual cumpre pena de 12 anos e mês numa sentença que contraria toda documentação disponível, em função de um imóvel no litoral paulista que nunca lhe pertenceu, para responder a um segundo processo. O caso envolve a reforma de um sítio, propriedade de familiares de Jacó Bittar, velho amigo de lutas sindicais do tempo da ditadura, quando os dois eram chamados de heróis até por uma turma que lhes dava um tratamento de herói para cortejar sua popularidade.
Enquanto Sérgio Moro definiu seu futuro numa posição subalterna a Jair Bolsonaro, Lula prestará depoimento à juíza Gabriela Hardt, substituta na 13a Vara Federal de Curitiba, irá atualizar o debate sobre a liberdade ou prisão de Lula.
Ou sobre podridão, no vocabulário de ódio do último discurso do candidato Bolsonaro.
Já em sua fase final, pode-se prever uma nova condenação de Lula, ainda que as provas tenham consistência líquida da denuncia sobre o apartamento triplex, ou até menos.
Quem diz isso não é apenas este humilde jornalista, com as ideias políticas que todos conhecem, mas Reinaldo Azevedo, liberal, culto e assumido.
Sublinhando a falta de qualquer indício capaz de estabelecer o principal para uma condenação - a conexão entre a reforma do Sítio e os contratos da empreiteira Odebrecht com a Petrobras - Reinaldo escreve: "Faço uma aposta: essas evidências não vão aparecer. Também nesse caso, vai-se condenar Lula pelo conjunto da obra. Assim como não apareceram os vínculos entre o triplex de Guarujá e os contratos que são citados na denúncia."
A função de uma segunda condenação de Lula, num segundo processo, é fácil de compreender. Cedo ou tarde, pode ficar difícil manter o presidente na cadeia em função do imóvel do Guarujá. Sabemos que o acréscimo de um mês à sentença de 12 anos recebida no TRF-4 criou dificuldades - enormes - para a redução da pena em prazos razoáveis, acessíveis a todos apenados, inclusive ex-presidentes da República.
Mesmo assim, essas chances existem. Não só porque, cedo ou tarde, o caso deve chegar aos tribunais superiores.
Outro elemento é a conjuntura política. A eleição presidencial já passou, o que pode desmotivar a vergonhosa pressão contra os direitos jurídicos de Lula sobre o STF, que incluiu a escandalosa manifestação pelo tuiter do Comandante do Exército Villas Boas Correa, na véspera do acovardado 6 a 5 contra Lula em 5 de abril.
Do ponto de vista de Bolsonaro, que, num discurso transmitido por celular, garantiu de viva voz que Lula "vai apodrecer na cadeia" uma segunda pena será uma injustiça sob medida.
Um brinde macabro no capítulo final da crônica de uma sentença anunciada. Irá prolongar o encarceramento de um homem que, aos 72 anos, segue um exemplo de resistência e luta.
Já não estamos falando de pena, adequada ou não, injusta ou não. Estamos falando de castigo, punição medieval que é anterior a ideia de Justiça, expressando uma noção típica do absolutismo - quando os tribunais tinham a função de atender desejos e vontades das tiranias. Pelo celular de campanha, o novo chefe de Sérgio Moro deixou clara sua concepção de Justiça.
Alguma dúvida?
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