Por Pedro de Oliveira, no Blog do Renato:
Nesta última semana, diante das ameaças e desqualificações perpetradas pelo presidente eleito do Brasil, Jari Bolsonaro, o Governo da República de Cuba foi obrigado a suspender a participação de médicos cubanos no Programa Mais Médicos. Este programa foi assinado entre Cuba e o Brasil sob o patrocínio da Organização Pan-Americana de Saúde, que faz parte do Sistema das Nações Unidas, instituído no final da década de 40 do século passado, logo em seguida à fundação da ONU.
Em nota, o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz, Cebrapaz, assinalou que “durante cinco anos da participação de Cuba no programa, os profissionais de saúde cubanos atenderam 113 milhões de brasileiros, muitos deles pela primeira vez recebendo cuidados médicos”.
O Cebrapaz explica ainda em sua manifestação pública que “os médicos cubanos, por sua formação, encaram a medicina, antes de mais nada, como uma missão humanitária e não como um meio para o enriquecimento pessoal. Assim, iam aonde eram necessários ao povo. Iam aonde outros se recusavam a ir”.
Fidel Castro, o líder revolucionário cubano falecido em 25 de novembro de 2016, estava vivo ainda quando a participação cubana neste programa Mais Médicos foi estabelecido e pode-se dizer com certeza que o compromisso foi fruto do que se poderia chamar uma política de Estado baseada na solidariedade internacional. Em uma série de entrevistas que foram transformadas em livro pelo escritor francês Ignácio Ramonet, Fidel revelou ser portador de um sonho – levar a saúde e o conhecimento, a medicina e a educação aos quatro cantos do mundo – o que Ramonet considerou tratar-se de um sonho impossível, e o que foi contestado pelo seu entrevistado dizendo que “nada é impossível”, como na obra do herói preferido do líder cubano, Dom Quixote.
A solidariedade internacional como política de Estado
Exemplo do tipo de orientação voltada para a solidariedade humanista é a criação do Centro Nacional de Investigações Científicas (CNIC), fundado em 1965. Hoje o CNIC está subordinado ao Grupo de Indústrias Biotecnológica e Farmacêuticas (Bio-Cuba-Farma) – surgido na década de 1980 – que aglutina 38 empresas e 79 fábricas, onde atuam 22 mil trabalhadores, dos quais 400 são doutores e 600 mestres. O Polo Científico de Biotecnologia da Bio-Cuba-Farma já registrou 1.050 patentes e exporta em torno de 650 milhões de dólares a cada ano, sendo a principal pauta de exportação do país. Seus produtos, entre os quais o Interferon, são comercializados em mais de 50 países. Nestas instituições, existem experiências de transferência de tecnologia, como é o caso da China, onde a Bio-Cuba-Farma opera duas empresas mistas. Há dez anos foi constituído, também, um grupo de cooperação científica Cuba-Brasil. Os medicamentos e produtos produzidos são distribuídos às farmácias de todo o país, onde podem ser adquiridos pela população a preços subsidiados. É importante referir que para pacientes internados nos hospitais os medicamentos são fornecidos gratuitamente.
Mais um instrumento de solidariedade reconhecido internacionalmente é a Escola Latino-Americana de Ciências Médicas, a ELACM, que foi criada em 1999 nas instalações da antiga Academia Naval de Cuba, as quais foram adaptadas para recebê-la. Inicialmente foi voltada à formação de médicos para os países da América Central, oriundos de famílias humildes, sem condições de custear os seus estudos em seus países de origem.
A ideia surgiu em fins da década de 1990, quando Cuba prestou uma grande ajuda humanitária a diversos países da América Central, atingidos pelos terríveis furacões George e Mitch, que em outubro/novembro de 1998 devastaram o Caribe e a América Central. Amadureceu, então, a proposta de – além da ajuda com médicos, em momentos de calamidade – criar uma escola para a formação permanente de médicos para esses países. Em um segundo momento, os países africanos foram incluídos no projeto. O sucesso foi tão grande que hoje a ELACM forma médicos de famílias humildes de todas as partes do mundo, inclusive dos Estados Unidos.
Esse espírito solidário do povo cubano já havia ficado demonstrado em 1963 quando Cuba enviou – apesar de haver perdido metade dos 6 mil médicos que possuía antes da Revolução, que preferiram acompanhar o ditador Fulgêncio Batista em seu exílio – 57 médicos para ajudar as vítimas de um forte terremoto em países centro-americanos. Entre 1963 e 2013, Cuba prestou colaboração médica aos países africanos, através de diferentes programas, com a participação de mais de 76.700 colaboradores da área de saúde, dos quais 53.628 médicos. Hoje, Cuba tem mais de 60 mil colaboradores na área da saúde em todo o mundo, principalmente nas áreas mais remotas e desassistidas, como é o caso dos que atuam no Programa Mais Médicos no Brasil – que infelizmente serão todos retirados do país até o final de dezembro.
O papel internacionalista do Instituto Finlay
O Instituto Finlay – mundialmente reconhecido como um centro de excelência na produção de vacinas – iniciou suas atividades produtivas no ano de 1989, especializando-se na produção de vacinas contra enfermidades bacterianas. De 1990 a 2012 fez parte do Polo Científico de Oeste de Havana, tendo a partir de 2012 passado a fazer parte da Bio-Cuba-Farma. Atua no ciclo completo de Investigação, Desenvolvimento e Produção. Está instalado em uma área de 20 mil m2, sendo metade para atividades de produção. Dentre seus 800 funcionários, 27 são doutores, 150 mestres e 70% possuem formação técnica.
Foi ele quem descobriu a vacina contra a meningite B, com a qual Cuba conseguiu enfrentar a epidemia dessa doença que ali se manifestou e que logo também ocorreu no Brasil, na Colômbia e na Argentina. Na ocasião, o Brasil, adquiriu 25 milhões de doses dessa vacina, o que foi fundamental para enfrentar essa grave epidemia. Igualmente a Colômbia e a Argentina ampararam-se na vacina cubana para enfrentar o problema. Posteriormente, foram desenvolvidas com êxito as vacinas contra as meningites A, C e ACW. Além destas, o Instituto Finlay produz a vacina tetravalente (tétano, difteria, coqueluche, hepatite), penta-valente (essas quatro, mais a hemófila influenza), contra a pneumonia e onco BCG (para o câncer de bexiga). Seu trabalho tem sido essencial para o Programa Nacional de Imunização em Cuba, criado em 1991.
Enfim, a participação de Cuba no Programa Mais Médicos é um dos aspectos de uma gigantesca política de solidariedade do Estado cubano com os povos do mundo inteiro que envolve a formação de jovens médicos vindos de inúmeros países – entre estes o Brasil – a produção de vacinas importantes para o tratamento de epidemias – inclusive no Brasil – e o tratamento de várias doenças como é o cuidado médico de centenas de crianças ucranianas afetadas pelas consequências da tragédia atômica ocorrida na Ucrânia, em 26 de abril de 1986, com a explosão em um reator da Usina nuclear de Chernobyl.
Nesta última semana, diante das ameaças e desqualificações perpetradas pelo presidente eleito do Brasil, Jari Bolsonaro, o Governo da República de Cuba foi obrigado a suspender a participação de médicos cubanos no Programa Mais Médicos. Este programa foi assinado entre Cuba e o Brasil sob o patrocínio da Organização Pan-Americana de Saúde, que faz parte do Sistema das Nações Unidas, instituído no final da década de 40 do século passado, logo em seguida à fundação da ONU.
Em nota, o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz, Cebrapaz, assinalou que “durante cinco anos da participação de Cuba no programa, os profissionais de saúde cubanos atenderam 113 milhões de brasileiros, muitos deles pela primeira vez recebendo cuidados médicos”.
O Cebrapaz explica ainda em sua manifestação pública que “os médicos cubanos, por sua formação, encaram a medicina, antes de mais nada, como uma missão humanitária e não como um meio para o enriquecimento pessoal. Assim, iam aonde eram necessários ao povo. Iam aonde outros se recusavam a ir”.
Fidel Castro, o líder revolucionário cubano falecido em 25 de novembro de 2016, estava vivo ainda quando a participação cubana neste programa Mais Médicos foi estabelecido e pode-se dizer com certeza que o compromisso foi fruto do que se poderia chamar uma política de Estado baseada na solidariedade internacional. Em uma série de entrevistas que foram transformadas em livro pelo escritor francês Ignácio Ramonet, Fidel revelou ser portador de um sonho – levar a saúde e o conhecimento, a medicina e a educação aos quatro cantos do mundo – o que Ramonet considerou tratar-se de um sonho impossível, e o que foi contestado pelo seu entrevistado dizendo que “nada é impossível”, como na obra do herói preferido do líder cubano, Dom Quixote.
A solidariedade internacional como política de Estado
Exemplo do tipo de orientação voltada para a solidariedade humanista é a criação do Centro Nacional de Investigações Científicas (CNIC), fundado em 1965. Hoje o CNIC está subordinado ao Grupo de Indústrias Biotecnológica e Farmacêuticas (Bio-Cuba-Farma) – surgido na década de 1980 – que aglutina 38 empresas e 79 fábricas, onde atuam 22 mil trabalhadores, dos quais 400 são doutores e 600 mestres. O Polo Científico de Biotecnologia da Bio-Cuba-Farma já registrou 1.050 patentes e exporta em torno de 650 milhões de dólares a cada ano, sendo a principal pauta de exportação do país. Seus produtos, entre os quais o Interferon, são comercializados em mais de 50 países. Nestas instituições, existem experiências de transferência de tecnologia, como é o caso da China, onde a Bio-Cuba-Farma opera duas empresas mistas. Há dez anos foi constituído, também, um grupo de cooperação científica Cuba-Brasil. Os medicamentos e produtos produzidos são distribuídos às farmácias de todo o país, onde podem ser adquiridos pela população a preços subsidiados. É importante referir que para pacientes internados nos hospitais os medicamentos são fornecidos gratuitamente.
Mais um instrumento de solidariedade reconhecido internacionalmente é a Escola Latino-Americana de Ciências Médicas, a ELACM, que foi criada em 1999 nas instalações da antiga Academia Naval de Cuba, as quais foram adaptadas para recebê-la. Inicialmente foi voltada à formação de médicos para os países da América Central, oriundos de famílias humildes, sem condições de custear os seus estudos em seus países de origem.
A ideia surgiu em fins da década de 1990, quando Cuba prestou uma grande ajuda humanitária a diversos países da América Central, atingidos pelos terríveis furacões George e Mitch, que em outubro/novembro de 1998 devastaram o Caribe e a América Central. Amadureceu, então, a proposta de – além da ajuda com médicos, em momentos de calamidade – criar uma escola para a formação permanente de médicos para esses países. Em um segundo momento, os países africanos foram incluídos no projeto. O sucesso foi tão grande que hoje a ELACM forma médicos de famílias humildes de todas as partes do mundo, inclusive dos Estados Unidos.
Esse espírito solidário do povo cubano já havia ficado demonstrado em 1963 quando Cuba enviou – apesar de haver perdido metade dos 6 mil médicos que possuía antes da Revolução, que preferiram acompanhar o ditador Fulgêncio Batista em seu exílio – 57 médicos para ajudar as vítimas de um forte terremoto em países centro-americanos. Entre 1963 e 2013, Cuba prestou colaboração médica aos países africanos, através de diferentes programas, com a participação de mais de 76.700 colaboradores da área de saúde, dos quais 53.628 médicos. Hoje, Cuba tem mais de 60 mil colaboradores na área da saúde em todo o mundo, principalmente nas áreas mais remotas e desassistidas, como é o caso dos que atuam no Programa Mais Médicos no Brasil – que infelizmente serão todos retirados do país até o final de dezembro.
O papel internacionalista do Instituto Finlay
O Instituto Finlay – mundialmente reconhecido como um centro de excelência na produção de vacinas – iniciou suas atividades produtivas no ano de 1989, especializando-se na produção de vacinas contra enfermidades bacterianas. De 1990 a 2012 fez parte do Polo Científico de Oeste de Havana, tendo a partir de 2012 passado a fazer parte da Bio-Cuba-Farma. Atua no ciclo completo de Investigação, Desenvolvimento e Produção. Está instalado em uma área de 20 mil m2, sendo metade para atividades de produção. Dentre seus 800 funcionários, 27 são doutores, 150 mestres e 70% possuem formação técnica.
Foi ele quem descobriu a vacina contra a meningite B, com a qual Cuba conseguiu enfrentar a epidemia dessa doença que ali se manifestou e que logo também ocorreu no Brasil, na Colômbia e na Argentina. Na ocasião, o Brasil, adquiriu 25 milhões de doses dessa vacina, o que foi fundamental para enfrentar essa grave epidemia. Igualmente a Colômbia e a Argentina ampararam-se na vacina cubana para enfrentar o problema. Posteriormente, foram desenvolvidas com êxito as vacinas contra as meningites A, C e ACW. Além destas, o Instituto Finlay produz a vacina tetravalente (tétano, difteria, coqueluche, hepatite), penta-valente (essas quatro, mais a hemófila influenza), contra a pneumonia e onco BCG (para o câncer de bexiga). Seu trabalho tem sido essencial para o Programa Nacional de Imunização em Cuba, criado em 1991.
Enfim, a participação de Cuba no Programa Mais Médicos é um dos aspectos de uma gigantesca política de solidariedade do Estado cubano com os povos do mundo inteiro que envolve a formação de jovens médicos vindos de inúmeros países – entre estes o Brasil – a produção de vacinas importantes para o tratamento de epidemias – inclusive no Brasil – e o tratamento de várias doenças como é o cuidado médico de centenas de crianças ucranianas afetadas pelas consequências da tragédia atômica ocorrida na Ucrânia, em 26 de abril de 1986, com a explosão em um reator da Usina nuclear de Chernobyl.
* Os dados e informações deste artigo foram coletados in loco na cidade de Havana, durante a viagem de uma delegação parlamentar a Cuba, capitaneada pelo então deputado estadual Raul Carrion, do PCdoB-RS, da qual tive a oportunidade de participar como jornalista.
* Pedro de Oliveira é jornalista, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e da Editoria Executiva do Sitio Internacionalismo 21.
* Pedro de Oliveira é jornalista, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e da Editoria Executiva do Sitio Internacionalismo 21.
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