Por Cláudia Motta, na Rede Brasil Atual:
Parcialidade não é surpresa
A mudança de postura de Moro, no entanto, não surpreende Kakay. Segundo o criminalista, um dos maiores problemas de haver um juiz que “sempre fez política na verdade”, mas que se escondia sob a capa do Judiciário, de repente se despir dessa capa e assumir o ser político, é passar a cometer essas incongruências em sua nova atividade como ministro. “Nós, que acompanhamos o trabalho dele, sempre soubemos que ele sempre fez política. Mas é lamentável que fique comprovado, em tão pouco tempo, o uso de dois pesos e duas medidas”, critica.
O desembargador Tutmés Airan, do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), também afirma não ter se surpreendido. “Moro foi mais uma vez seletivo e, portanto, parcial. Para uns, se trata de um defeito incorrigível e imperdoável, sujeito inclusive a pena de prisão, evidentemente com um procedimento mascarado pelo nome de corrupção. Para outros, convenientemente não. E assim segue Sérgio Moro”, afirma Airan, para quem sua indicação como ministro “coroa” todo um processo.
“Começou com a decisiva contribuição dele ao impeachment da presidenta Dilma, que se deu violando normas e cometendo um crime com a liberação de áudios (captados ilegalmente) de conversas entre os presidentes Lula e Dilma. Depois caminhou pela decisão de condenação e prisão de Lula, contestada por juízes nacionais e internacionais, e tirando o principal candidato à sucessão presidencial do jogo político”, lembra o desembargador.
Segundo Airan, essa movimentação foi decisiva para abrir caminho à vitória de Bolsonaro, com uma “corrosão de valores” muito caros à humanidade e para a deterioração completa do conceito de democracia. “A contribuição dele (Moro) para esse quadro lastimável foi absolutamente importante. Que agora se completa com a sua nomeação como se fosse um prêmio à condição de ministro de Justiça.”
O magistrado acredita ainda que Sérgio Moro, “deve continuar contribuindo lastimavelmente ainda mais com esse projeto”. O Estado brasileiro, observa ele, tende a se transformar num “Estado profundamente policial” no sentido de investigação e perseguição contra as pessoas que ousem divergir. “E ele vai colocar sua inteligência e experiência acumulada na operação Lava Jato a serviço dessa tarefa.”
A opinião é compartilhada pela advogada Maira Calidone Recchia Bayod, do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia. “Lamentável que um juiz que alcançou fama com discurso de que o crime deve ser combatido em sua integralidade, custasse o que custasse, inclusive com atropelos à ampla defesa e ao devido processo legal, aceite meras desculpas para legitimar o ato de um réu confesso”, diz, admitindo, porém, como os demais colegas, não estranhar a postura do magistrado.
A advogada lembra de exemplo similar vindo do Supremo Tribunal Federal, que contemporizou quando Moro praticou atos entendidos pelo próprio STF como ilegais (o grampo e a divulgação das conversas entre Lula e Dilma). “Moro usou a mesma conduta para se eximir de sua responsabilidade, já que à época, pediu ‘sinceras escusas’.”
O caixa 2 de Lorenzoni
Onyx Lorenzoni admitiu, no ano passado, ter recebido recursos de caixa 2 da JBS para sua campanha em 2014. O parlamentar foi citado na delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista como beneficiário de R$ 100 mil repassados pelo grupo. Sua candidatura foi financiada, ainda, pelas duas grandes empresas da indústria armamentista, Taurus e CBC, que poderão ser beneficiadas pelo fim do Estatuto do Desarmamento defendido pelo governo Bolsonaro.
“Final da campanha, reta final, a gente cheio de dívidas com fornecedores, pessoas, eu usei o dinheiro. E a legislação brasileira não permite fazer a internalização desse recurso”, disse Lorenzoni em entrevista a uma rádio gaúcha.
Em junho deste ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu arquivamento de inquérito aberto contra o deputado, acusado de receber R$ 175 mil via caixa 2 para sua campanha de 2006, pelo executivo Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, um dos delatores da Odebrecht.
Em artigo publicado no portal Jus Brasil, o jurista Luiz Flavio Gomes, criador do Movimento #QueroUmBrasilÉtico, reitera: caixa 2 é crime. “Não há dúvida que sim. Desde logo, o famoso caixa 2 é uma forma de delito de falsidade ideológica.”
Gomes observa que o artigo 350 do Código Eleitoral, prevê pena de 5 anos de prisão e lembra que no julgamento do mensalão do PT (AP 470) vários ministros do STF recorreram a esse ponto. “Particular ênfase foi dada pela ministra Cármen Lúcia que reiterou que o caixa 2 é crime e bastante deplorável, sobretudo quando praticado por agentes públicos”, diz o jurista. “Recorde-se que o mensalão do PSDB-MG, em virtude dos clássicos vícios da Justiça brasileira, até hoje não foi julgado integralmente”, completa.
O juiz Sérgio Moro criou um novo tipo de extinção de punição a quem comete um crime “mais grave do que corrupção” – segundo ele mesmo. "É a extinção de punibilidade se houver pedido de desculpas. Talvez ele possa colocar isso nas tais medidas que está dizendo que vai aprovar contra a corrupção", afirma o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
Durante coletiva de imprensa, na terça-feira (6), após aceitar o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do futuro governo de Jair Bolsonaro, o juiz de Curitiba consentiu que um réu confesso permaneça impune caso admita seu erro e peça desculpas. Questionado sobre integrar uma equipe ministerial ao lado de um político assumidamente beneficiado por recursos de caixa 2, caso do deputado federal Onyx Lorenzoni, Moro respondeu: “Ele já admitiu e pediu desculpas”.
Um dos líderes da bancada ruralista e exercendo seu quarto mandato como deputado federal (DEM-RS), Lorenzoni coordena a equipe de transição do novo governo. Ganhou status de ministro extraordinário e será o ministro-chefe da Casa Civil, um dos cargos mais poderosos do primeiro escalão, por coordenar todo o ministério e ter o controle de todos os atos de governo, inclusive nomeações.
Kakay, um crítico da atuação de Moro na condução da Lava Jato, vê no gesto do magistrado dois pesos e duas medidas. “Por muito menos ele condenou pessoas, mandou prender, fez busca e apreensão, conduções coercitivas. E agora despreza a atividade como juiz, porque isso é absolutamente contraditório a toda a postura dele na condução de vários processos com o mesmo mote, que certamente dariam uma investigação vigorosa e rigorosa se ele ainda fosse juiz. E, principalmente, dependendo do investigado.”
Em 2017, durante palestra na Universidade de Harvard, Estados Unidos, Moro deu opinião contundente sobre o crime. “Temos que falar a verdade, caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Corrupção em financiamento de campanha é pior que desvio de recursos para o enriquecimento ilícito.”
No momento, não apenas Lorenzoni, mas a própria campanha de Bolsonaro é acusada do crime de caixa 2, com uso ilegal de dinheiro empresarial em sua campanha para compra, também ilegal, de bases de dados de cidadãos para disparo de notícias falsas contra seu adversário por meio de WhatsApp.
“Essa postura traz total descrédito ao juiz, porque demonstra clara parcialidade na forma de ele avaliar situações idênticas”, avalia a professora de Direito Constitucional Adriana Cecilio Marco dos Santos, integrante da Rede Feminista de Juristas, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica. “Quando se trata de determinado partido ou determinadas pessoas, o caixa 2 é um crime gravíssimo. Quando ele se depara com a mesma situação em relação a uma pessoa próxima a ele, é algo que pode ser compreendido e relevado apenas com um pedido de desculpas”, observa Adriana.
A professora critica ainda a aceitação do cargo de ministro. “Existe todo um contexto envolvido nas ações deles desde o início da operação Lava Jato e essa fala vem a comprovar o que as pessoas aventam há muito tempo em relação à atuação dele muito parcial, mais como acusador do que como juiz, no processo do ex-presidente Lula. Mas falo tudo isso como cidadã. Essa aceitação demonstra com clareza a parcialidade que sempre existiu em sua postura como magistrado.”
Durante coletiva de imprensa, na terça-feira (6), após aceitar o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do futuro governo de Jair Bolsonaro, o juiz de Curitiba consentiu que um réu confesso permaneça impune caso admita seu erro e peça desculpas. Questionado sobre integrar uma equipe ministerial ao lado de um político assumidamente beneficiado por recursos de caixa 2, caso do deputado federal Onyx Lorenzoni, Moro respondeu: “Ele já admitiu e pediu desculpas”.
Um dos líderes da bancada ruralista e exercendo seu quarto mandato como deputado federal (DEM-RS), Lorenzoni coordena a equipe de transição do novo governo. Ganhou status de ministro extraordinário e será o ministro-chefe da Casa Civil, um dos cargos mais poderosos do primeiro escalão, por coordenar todo o ministério e ter o controle de todos os atos de governo, inclusive nomeações.
Kakay, um crítico da atuação de Moro na condução da Lava Jato, vê no gesto do magistrado dois pesos e duas medidas. “Por muito menos ele condenou pessoas, mandou prender, fez busca e apreensão, conduções coercitivas. E agora despreza a atividade como juiz, porque isso é absolutamente contraditório a toda a postura dele na condução de vários processos com o mesmo mote, que certamente dariam uma investigação vigorosa e rigorosa se ele ainda fosse juiz. E, principalmente, dependendo do investigado.”
Em 2017, durante palestra na Universidade de Harvard, Estados Unidos, Moro deu opinião contundente sobre o crime. “Temos que falar a verdade, caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Corrupção em financiamento de campanha é pior que desvio de recursos para o enriquecimento ilícito.”
No momento, não apenas Lorenzoni, mas a própria campanha de Bolsonaro é acusada do crime de caixa 2, com uso ilegal de dinheiro empresarial em sua campanha para compra, também ilegal, de bases de dados de cidadãos para disparo de notícias falsas contra seu adversário por meio de WhatsApp.
“Essa postura traz total descrédito ao juiz, porque demonstra clara parcialidade na forma de ele avaliar situações idênticas”, avalia a professora de Direito Constitucional Adriana Cecilio Marco dos Santos, integrante da Rede Feminista de Juristas, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica. “Quando se trata de determinado partido ou determinadas pessoas, o caixa 2 é um crime gravíssimo. Quando ele se depara com a mesma situação em relação a uma pessoa próxima a ele, é algo que pode ser compreendido e relevado apenas com um pedido de desculpas”, observa Adriana.
A professora critica ainda a aceitação do cargo de ministro. “Existe todo um contexto envolvido nas ações deles desde o início da operação Lava Jato e essa fala vem a comprovar o que as pessoas aventam há muito tempo em relação à atuação dele muito parcial, mais como acusador do que como juiz, no processo do ex-presidente Lula. Mas falo tudo isso como cidadã. Essa aceitação demonstra com clareza a parcialidade que sempre existiu em sua postura como magistrado.”
Parcialidade não é surpresa
A mudança de postura de Moro, no entanto, não surpreende Kakay. Segundo o criminalista, um dos maiores problemas de haver um juiz que “sempre fez política na verdade”, mas que se escondia sob a capa do Judiciário, de repente se despir dessa capa e assumir o ser político, é passar a cometer essas incongruências em sua nova atividade como ministro. “Nós, que acompanhamos o trabalho dele, sempre soubemos que ele sempre fez política. Mas é lamentável que fique comprovado, em tão pouco tempo, o uso de dois pesos e duas medidas”, critica.
O desembargador Tutmés Airan, do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), também afirma não ter se surpreendido. “Moro foi mais uma vez seletivo e, portanto, parcial. Para uns, se trata de um defeito incorrigível e imperdoável, sujeito inclusive a pena de prisão, evidentemente com um procedimento mascarado pelo nome de corrupção. Para outros, convenientemente não. E assim segue Sérgio Moro”, afirma Airan, para quem sua indicação como ministro “coroa” todo um processo.
“Começou com a decisiva contribuição dele ao impeachment da presidenta Dilma, que se deu violando normas e cometendo um crime com a liberação de áudios (captados ilegalmente) de conversas entre os presidentes Lula e Dilma. Depois caminhou pela decisão de condenação e prisão de Lula, contestada por juízes nacionais e internacionais, e tirando o principal candidato à sucessão presidencial do jogo político”, lembra o desembargador.
Segundo Airan, essa movimentação foi decisiva para abrir caminho à vitória de Bolsonaro, com uma “corrosão de valores” muito caros à humanidade e para a deterioração completa do conceito de democracia. “A contribuição dele (Moro) para esse quadro lastimável foi absolutamente importante. Que agora se completa com a sua nomeação como se fosse um prêmio à condição de ministro de Justiça.”
O magistrado acredita ainda que Sérgio Moro, “deve continuar contribuindo lastimavelmente ainda mais com esse projeto”. O Estado brasileiro, observa ele, tende a se transformar num “Estado profundamente policial” no sentido de investigação e perseguição contra as pessoas que ousem divergir. “E ele vai colocar sua inteligência e experiência acumulada na operação Lava Jato a serviço dessa tarefa.”
A opinião é compartilhada pela advogada Maira Calidone Recchia Bayod, do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia. “Lamentável que um juiz que alcançou fama com discurso de que o crime deve ser combatido em sua integralidade, custasse o que custasse, inclusive com atropelos à ampla defesa e ao devido processo legal, aceite meras desculpas para legitimar o ato de um réu confesso”, diz, admitindo, porém, como os demais colegas, não estranhar a postura do magistrado.
A advogada lembra de exemplo similar vindo do Supremo Tribunal Federal, que contemporizou quando Moro praticou atos entendidos pelo próprio STF como ilegais (o grampo e a divulgação das conversas entre Lula e Dilma). “Moro usou a mesma conduta para se eximir de sua responsabilidade, já que à época, pediu ‘sinceras escusas’.”
O caixa 2 de Lorenzoni
Onyx Lorenzoni admitiu, no ano passado, ter recebido recursos de caixa 2 da JBS para sua campanha em 2014. O parlamentar foi citado na delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista como beneficiário de R$ 100 mil repassados pelo grupo. Sua candidatura foi financiada, ainda, pelas duas grandes empresas da indústria armamentista, Taurus e CBC, que poderão ser beneficiadas pelo fim do Estatuto do Desarmamento defendido pelo governo Bolsonaro.
“Final da campanha, reta final, a gente cheio de dívidas com fornecedores, pessoas, eu usei o dinheiro. E a legislação brasileira não permite fazer a internalização desse recurso”, disse Lorenzoni em entrevista a uma rádio gaúcha.
Em junho deste ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu arquivamento de inquérito aberto contra o deputado, acusado de receber R$ 175 mil via caixa 2 para sua campanha de 2006, pelo executivo Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, um dos delatores da Odebrecht.
Em artigo publicado no portal Jus Brasil, o jurista Luiz Flavio Gomes, criador do Movimento #QueroUmBrasilÉtico, reitera: caixa 2 é crime. “Não há dúvida que sim. Desde logo, o famoso caixa 2 é uma forma de delito de falsidade ideológica.”
Gomes observa que o artigo 350 do Código Eleitoral, prevê pena de 5 anos de prisão e lembra que no julgamento do mensalão do PT (AP 470) vários ministros do STF recorreram a esse ponto. “Particular ênfase foi dada pela ministra Cármen Lúcia que reiterou que o caixa 2 é crime e bastante deplorável, sobretudo quando praticado por agentes públicos”, diz o jurista. “Recorde-se que o mensalão do PSDB-MG, em virtude dos clássicos vícios da Justiça brasileira, até hoje não foi julgado integralmente”, completa.
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